Mais do que votar na lista A, B ou C, as primeiras horas junto ao Pavilhão número 2 foram marcadas por outro voto, o eletrónico. Por um lado, a facilidade apresentada pelo clube no acompanhamento dos resultados de votação hora a hora abriam espaço a variadas conversas por pormenores como a adesão nas 24 Casas espalhadas pelo país, o peso acima de 20% que os votos da Europa chegaram a ter ou a inversão entre a faixa etária com maior adesão, que passou dos 35-44 para mais de 65 anos. Por outro, as dúvidas em torno do processo, não só expresso em várias publicações nas redes sociais mas também por alguns programadores informáticos que assinalavam “bandeiras” vermelhas” no processo. E esse acabou por ser o “caso” do dia, também levantado por Noronha Lopes.
Saudando a “extraordinária participação, sinal de vitalidade e cultura democrática dos benfiquistas”, o candidato da lista B, o primeiro a votar mas mais de uma depois do previsto por ter estado à espera na fila com os restantes associados, lamentou que os sócios não encontrassem da Mesa da Assembleia Geral “o mesmo respeito pelo ato eleitoral que hoje se realiza”. “Temos uma eleição com voto eletrónico que vários especialistas em cibersegurança consideram vulnerável a ataques e fraude. Sobre isto, não há uma palavra do presidente da mesa da AG. Enviámos 12 perguntas sobre o voto eletrónico que claramente indicam problemas no sistema de voto eletrónico e até hoje não obtivemos resposta. Já recebemos inclusivamente relatos de situações que revelam problemas informáticos de extrema gravidade”, começou por apontar o gestor, num tema que já tinha levantado antes.
“Temos um comprovativo físico de voto depositado em urna que o presidente da Mesa da Assembleia Geral não quer contabilizar por motivos que desconhecemos e, por isso, rejeitamos. Em esclarecimento recente o presidente da MAG disse, e passo a citar, que só abria as urnas se fosse ‘necessário’. Este é o mesmo presidente de Mesa que, em carta datada de 4 de setembro, informou que o voto físico seria contabilizado. Pois bem, sr. presidente da Mesa, eu digo-lhe: é absolutamente necessário contar o voto físico. Se queremos um ato eleitoral digno e sem margem para dúvidas, o voto físico vai ser contado e vai ser contado hoje. E por isso aproveito para informar o presidente da MAG: os meus delegados não vão arredar pé dos locais de voto enquanto as urnas não foram abertas e o voto físico não for contado”, anunciou João Noronha Lopes, num tema também levantado por Vítor Paneira, antigo capitão e mandatário do gestor que foi muito saudado pelo discurso inflamado de benfiquista na véspera.
Figuras como Nené, Toni, Shéu ou José Augusto já tinham passado pela Luz (e que equipa que estava ali…), outros jogadores da atualidade como André Almeida ou Grimaldo foram começando a passar pela Casa do Benfica do Seixal antes do último treino de preparação para o jogo frente ao Standard Liège (no caso do capitão apenas para tratamento, depois da grave lesão contraída em Vila do Conde). E também Jorge Jesus, que votou antes de rumar mais uma vez ao Benfica Campus. Aí ou em Lisboa, as regras eram as mesmas: distanciamento, máscara, pontos de higienização e uma luva de plástico antes de assinar na caneta para exercer o direito de voto.
Já à tarde, numa altura em que as filas levavam a que a espera rondasse já as três horas, votou Luís Filipe Vieira. Ou melhor, ia votar mas fez um compasso de espera por causa do “senhor Emílio”. Quem? Emílio Andrade Júnior, o sócio número 1 dos encarnados com filiação desde 1934. “Não estava à espera desta atenção, estou mesmo muito emocionado com isto…”, comentou à BTV. “Somos um clube democrático e os nossos profissionais montaram uma logística para possibilitar o voto ao máximo de sócios possível e que possam escolher o que querem para o seu clube. Está tudo a correr bem em todo o país, é uma lição de civismo para toda a gente. Estamos a cumprir todas as regras e isso é o mais importante. No fim veremos o que irá suceder”, comentou o atual líder, que não esqueceu também as dúvidas lançadas por Noronha Lopes sobre o voto eletrónico e… Bernardo Silva.
“Às vezes as pessoas têm tendência a preocupar-se com elas próprias e não com o Benfica, tal é o desespero… Quem vem aqui deve estar super feliz com esta organização e civismo. Não sei como esse candidato continua a falar mal de tudo o que se passa no Benfica, continua a fazer-me impressão. Quem fez a campanha que ele fez, parecia que estávamos a fazer uma campanha para primeiro-ministro, não entendo… Já vi tantas coisas… Depois do que se passou com o menino [Bernardo Silva], como eu o trato, e não vale a pena dizer o nome, não quero comentar mais nada. Isso é a coisa mais baixa que se pode fazer nas eleições. Tentar arranjar emprego para ex-jogadores do Benfica é a pior coisa que se pode fazer, devemos é proteger os ex-jogadores do Benfica”, destacou. Foi também por essa altura que votaram dois antigos presidentes dos encarnados, Manuel Damásio e Manuel Vilarinho.
Aqui e ali iam surgindo relatos de alegadas coações a membros de outras listas em algumas Casas do Benfica mas o ambiente ao longo do dia foi sempre sereno, com apenas uma exceção quando Victor Moura Miguel, assessor de imprensa do Benfica no mandato de Manuel Vilarinho, teve uma discussão mais acalorada com um jovem associado que estava também na fila e chamou “ladrão” a Luís Filipe Vieira, obrigando mesmo a polícia a intervir. As camisolas, os cachecóis, os gorros e até mesmo o simbólico pin de lapela (muitos alusivos aos 25 anos de sócio) continuavam a desfilar junto à Luz, sendo que a votação era de tal forma expressiva que algumas pessoas foram saindo dessa fila para irem votar ao Montijo ou a Algueirão-Mem Martins. “Quero dizer que é extraordinário o que assisti hoje, nunca tinha visto tanta gente interessada em votar. Mostra que estão interessadas e a querer votar. Manifesto a minha admiração, até estou comovido ao ver tanta gente a votar”, admitiu António Simões, antigo campeão europeu que defendeu ainda Bernardo Silva: “Na Constituição está patente o direito que todos temos à opinião. Não podemos classificar um jovem, que é possivelmente a continuidade do grande jogador que é o Cristiano Ronaldo, manifestando desagrado de forma antipática e até antidemocrática, como se ele tivesse cometido algum crime. Vivemos ou não vivemos em liberdade? O 25 de abril é para isto ou não é?”.
Rui Gomes da Silva foi o último candidato a votar após cerca de duas horas e meia na fila. Nessa altura o recorde das eleições mais participadas de sempre já estava batido, algo que aconteceu cerca de quatro horas e meia antes do fecho das urnas. “De alguma maneira contribuí para esta votação, para esta afluência às urnas, lançando a discussão e lançando um projeto alternativo à atual direção do Benfica, em função daquilo que conheço, daquilo que sei que é o Benfica e daquilo que acho que os sócios do Benfica querem para o futuro do Benfica”, comentou o advogado após exercer o direito de voto. Mais uma vez, já fora do Pavilhão número 2 da Luz, o antigo vice voltou a criticar a questão do voto eletrónico, como já fizera antes colocando também em causa o facto de não haver cadernos eleitorais fechados disponíveis para os candidatos. As conversas andavam em torno da hipótese de o vencedor ser conhecido apenas amanhã, pelas seguintes contas: o último sócio votava à meia noite, havia toda a contagem do voto eletrónico e seguia-se o voto físico. A possibilidade existia mas não demorou a cair.
“A Mesa da Assembleia Geral, nos termos estatutários, à semelhança dos últimos processos eleitorais, optou pelo voto eletrónico. A MAG adotou esse sistema, porque considera que é perfeitamente auditável, fidedigno, sério, rigoroso e que garante a confidencialidade. Naturalmente oiço as candidaturas e vejo notícias e as televisões. Algumas candidaturas têm posto a questão das contagens dos votos em papel. O voto em papel foi uma exigência da própria MAG, porque estava apenas o voto eletrónico. Para quê? Porque se algum sócio, e não tem de pertencer a nenhuma candidatura, entender que o sistema do voto eletrónico não é sério ou rigoroso — julgo, tenho a certeza que não tem razão — é sempre possível através do voto físico e papel tirar a limpo a essa situação. Confiamos no voto eletrónico, é nele que vamos apostar e é nele que vamos promulgar resultados da lista vencedora esta noite”, assegurou o presidente da Mesa da Assembleia Geral e Eleitoral, Virgílio Duque Vieira.
“As urnas não serão abertas, as urnas serão seladas em frente dos representantes da MAG, com um selo próprio. Serão seladas também com os delegados das candidaturas que estão presentes nessas várias 24 delegações e mais aqui. Já houve para aí alguma desinformação. Tem-se dito que as urnas depois são transportadas pelos funcionários do Benfica, não é nada disso. As urnas são fechadas e seladas e são transportadas por uma empresa de guarda de valores, que as vai guardar durante seis meses pelo menos. Não vou ainda revelar quem é a empresa por uma questão de segurança. Não, não vou abrir as urnas”, reforçou o responsável máximo. Já depois das 22h, porque ainda existia fila na Luz, as urnas fecharam. Três horas depois, perto da 1h. Da Europa a África (e à Oceânia, com 24), com uma maioria até de votos fora do Pavilhão número 2, a votação foi massiva e terminou. “O” vencedor ainda não era conhecido mas havia um grande vencedor, o Benfica, que superou e muito o maior registo em eleições de clube. E deixando em aberto a dúvida do resultado por todos os votos nas últimas horas.
Nessa altura, em paralelo, circulavam vídeos de urnas que pertenciam às Casas de Vila Nova de Gaia e de Albufeira e que estavam a ser retiradas no porta-bagagens de carros descaracterizados, contrariando aquilo que tinha sido anunciado por Virgílio Duque Vieira. E já com outras teorias à mistura, sobre o aluguer a uma companhia em específico ligada a elementos do clube. No entanto, sobretudo a partir do momento em que fecharam as urnas e ficaram abertas apenas as duas da Casa do Seixal, começou a perceber-se que Luís Filipe Vieira tinha sido mesmo o vencedor, algo confirmado por Virgílio Duque Vieira poucos minutos depois, antes de dar posse em termos oficiais aos novos órgãos sociais do Benfica. A noite eleitoral mais longa do clube acabou como se esperava.