Era a primeira vez que Donald Trump falava — e não tweetava — à nação desde a comunicação que fizera nas primeiras horas da manhã de quarta-feira. Mas o discurso pouco ou nada tinha mudado: o presidente dos Estados Unidos insistiu que tinha sido reeleito, pelo menos se se tivessem em conta os “votos legais”, e que o sistema de contagem de boletins tinha sido sabotado pelos democratas.

Se contarmos os votos legais, ganho facilmente. Se contarmos os votos ilegais, podem tentar roubar-nos a eleição. Eu já ganhei decisivamente alguns estados importantes, incluindo vitórias esmagadoras na Florida, Iowa, Indiana, Ohio, por exemplo”, indicou Donald Trump.

O problema é que não há indicações ou quaisquer provas de fraude na contagem de votos: esta é uma narrativa que o republicano tem defendido desde o momento em que as projeções foram indicando Joe Biden como o vencedor mais provável destas eleições e que motivaram uma série de processos para suspender a contagem de votos ou para reclamar da suposta falta de observadores republicanos nas mesas de contagem.

Bastaram estas declarações para três televisões de canal aberto norte-americanas — ABC, CBS e MSNBC — terem interrompido a emissão da conferência de imprensa de Donald Trump, uma conferência onde os jornalistas não tiveram direito a fazer perguntas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Na ABC, a pivô atirou: “Estávamos a ouvir o presidente Trump a dirigir-se à nação pela primeira vez desde as primeiras horas de quarta-feira. Ele estava a fazer várias, francamente, acusações falsas, afirmações sem sentido. E isto não sou eu a ser parcial, são factos”.

Na MSNBC, a interrupção foi a seguinte: “Bem, cá estamos nós outra vez na posição pouco comum de não só interromper o presidente dos Estados Unidos, mas a corrigir o presidente dos Estados Unidos“, começou o jornalista por dizer: “Não há votos ilegais que se saiba, não há nenhuma vitória de Trump que se saiba”. Ari Melber, jornalista especialista em Direito, confirmou que as palavras do presidente “são falsas”.

https://twitter.com/feministana_/status/1324505725322842113?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1324506114319388672%7Ctwgr%5Eshare_3&ref_url=https%3A%2F%2Fobservador.pt%2Fliveblog-partial-admin%2F

Mas Donald Trump continuou a falar. Fez acusações às sondagens, dizendo que foram usadas para evitar que os eleitores republicanos votassem de todo. “Não houve nenhuma onda azul, como previram, mas antes uma onda vermelha”, disse, falando de “interferência eleitoral” por parte dos democratas: “Os democratas nunca pensaram que podiam ganhar estas eleições”.

“Na noite de eleições, estávamos a ganhar na Carolina do Norte, por muitos votos, e ainda estamos à frente por muito, mas não tanto”, aponta. Trump atribuiu essa perda aos votos por correspondência, que acusa de serem tendenciosos. “Eles estão a encontrar votos por correspondência. É incrível como esses votos por correspondência são tão tendenciosos“.

Já na Pensilvânia, o republicano lembrou que chegou a estar à frente por 700 mil votos. Agora está a 90 mil de diferença e os votos por correspondência, que tendem para os democratas, “continuam a chegar, estão por toda a parte”, critica. Na Georgia, afirma que chegou a ganhar “por muito, muito”: “Estava perto de 300 mil na noite das eleições”.

O nosso objetivo é defender a integridade das eleições, não vamos permitir que a corrupção roube” as eleições, declarou. “Estão a tentar roubar uma eleição”, prosseguiu: “Os democratas dizem que ganharam as eleições. Eu não acreditaria nisso”.

“Penso que vamos ganhar as eleições facilmente e acho que vai haver muitos processos porque não podemos ter umas eleições roubadas como estas. Já tinha dito muitas vezes que os votos postais iam terminar em desastre. Isto é uma fraude a grande escala e aumenta a cada dia”, prossegue Trump.

Não podemos deixar que isto aconteça, não podemos ter a desgraça de isto acontecer no nosso país. Espero que se esclareça rapidamente, mas deve dar origem a um processo legal. Houve muita confusão e não podemos admitir isso no nosso país. Isto deve terminar no mais alto tribunal do país”, terminou.

Na CNN, o discurso de Donald Trump nunca foi interrompido. Mas nem jornalistas, nem comentadores ou analistas pouparam críticas às alegações do presidente norte-americano. O discurso foi “patético” e o momento foi “triste”, concluíram. “Parece uma tartaruga obesa virada de costas, a agitar-se no sol quente, a perceber que o seu tempo está a acabar“, comparou Anderson Cooper.

Também na CNN, Rick Santorum, ex-senador dos Estados Unidos pela Pensilvânia e da mesma cor política que Donald Trump, criticou as palavras do republicano: “Nenhuma autoridade eleita republicana apoiará estas declarações“, afirmou, dizendo que as acusações do presidente norte-americano “chegam a ser incendiárias”.

Para Santorum, que chegou a ser candidato à presidência, a postura de Trump é “perigosa”.

Sentei-me ali a ouvi-lo a falar sobre os votos que estavam a ser tirados dele, depois passou a falar do Arizona e disse: ‘Ganho isto se eles contarem os votos’. Como é que se pode pode dizer isso no Arizona, mas se se contarem os votos na Filadélfia já lhe estão a roubar?”, questionou. “A realidade é que, na Pensilvânia, os democratas votaram pelo correio e os republicanos votaram pessoalmente, mas porque ele pediu que fizessem isso”, explicou.