Chegam com meses de atraso e não são sequer suficientes, representando uma vez mais, acusa António Diniz, uma reação do Governo à pandemia em vez de uma ação concertada para conter efetivamente a disseminação do vírus no País. Foi desta forma que, em entrevista ao “Direto ao Assunto”, da Rádio Observador, o pneumologista se referiu às medidas de restrição que esta segunda-feira entram em vigor, com o regresso do estado de emergência.
“Historicamente, desde que as primeiras medidas foram adotadas — ou seja, desde que houve o encerramento das escolas, a declaração do estado de emergência e o confinamento, altura em que conseguimos estar à frente das situações que existiam e conseguimos antecipar situações que se poderiam vir a colocar —, nós temos informado sobre dois grandes problemas: um é a resposta que é sistematicamente tardia e muitas vezes limitada; o outro é a incapacidade que temos revelado de operacionalizar, planear e implementar medidas“, explicou o médico, que faz parte da equipa criada pela Ordem dos Médicos para dar apoio à Direção-Geral de Saúde (DGS) no combate à pandemia de Covid-19.
“Infelizmente não vão ser suficientes”, acrescentou o pneumologista, explicando que as medidas que agora entram em vigor são uma resposta à situação atual — e pecam exatamente por isso. De acordo com o especialista — que acusa o Governo de demorar muito tempo a decidir sobre questões que deviam ser “consensuais”, como a utilização generalizada de máscaras, primeiro nos espaços interiores, depois ao ar livre; o recurso aos setores social e privado da saúde; e agora a medição de temperatura e o recurso aos testes rápidos ao SARS-CoV-2, disponibilizados “já há dois meses” pela Cruz Vermelha ao Serviço Nacional de Saúde —, as medidas agora introduzidas não têm em conta a evolução da pandemia.
Por isso mesmo, já antevê no horizonte um novo confinamento, “semelhante, com algumas diferenças ao nível do trabalho, ao que tivemos em março”. “Se não tomarmos medidas mais agressivas vamos caminhar para isso”, disse aos microfones da Rádio Observador esta segunda-feira de manhã.
Depois, deu o exemplo da Irlanda, confinada desde 22 outubro, numa altura em que tinha 255 casos de infeção por cada 100 mil habitantes — e que agora tem 64 infetados em cada 100 mil. Tendo em conta os dados dos últimos 14 dias, Portugal está neste momento com 593 infetados por cada 100 mil habitantes.
875 casos por semana em unidades de cuidados intensivos já daqui a 15 dias
Pegando na percentagem recentemente revelada pelo médico João Gouveia, presidente da Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos — 2,5% de todos os novos infetados acabam a precisar de tratamento diferenciado em unidades de cuidados intensivos (UCI) —, António Diniz fez as contas e explicou que, no prazo máximo de 15 dias e dadas as 5 mil infeções que, em média, foram registadas diariamente na última semana, serão 125 por dia os doentes a precisar de internamento em UCI. Por semana serão 875, acrescentou, deixando o alerta: “O sistema não aguenta”.
Membro da task force de apoio à DGS, o pneumologista riu-se quando questionado sobre o assunto, explicou que, sempre que for caso disso, prestará esse mesmo auxílio técnico, mas revelou que já há cerca de seis meses que a equipa não reúne. “Perdemos o verão completamente, que era o tempo de preparação para isto”, disse.
António Diniz: “Atrasos em Lisboa inviabilizam qualquer tentativa de controlo da situação”
Depois focou três dos pontos em que considera que estão a ser cometidos erros na gestão da situação: o funcionamento de algumas escolas e universidades; a gestão dos transportes públicos; e a divisão do país em concelhos de risco.
“Não consigo entender por que motivo é que os estudantes universitários, na esmagadora maioria dos cursos, não estão a ter atividade não presencial apenas, tal como, por exemplo, os últimos anos do secundário“, questionou António Diniz, explicando que uma vez que estes estudantes já são autónomos e não precisam ddo acompanhamento dos pais, esta seria uma medida “fácil” de tomar — e com resultados consideráveis.
Depois, deixando Algarve e Alentejo de fora, o pneumologista defendeu que, tendo em conta a informação epidemiológica atual, faria muito mais sentido confinar as três regiões do País onde há mais infeções — Norte, Centro e Lisboa e Vale do Tejo —, em vez de restringir as medidas aos concelhos com mais casos. “Não me parece que seja muito lógico que se estejam a confinar 121 concelhos. Por exemplo, no norte há apenas duas faixas pequenas que não estão incluídas entre duas zonas que estão todas elas dentro desses 121 concelhos. Acho que se devia utilizar uma metodologia muito mais simples, que era por regiões. Ou seja, havendo tanta dispersão e tanta proximidade entre concelhos no norte, é muito mais fácil dizer que a região Norte está toda nas mesmas condições”, explicou. “É ser mais agressivo para mais rapidamente podermos desconfinar.”
Outra medida essencial, que garante não estar a ser posta em prática, é a adequação da rede de transportes ao número de passageiros. Já sobre as garantias que o Governo tem dado sobre a segurança dos transportes, que não são considerados pelas autoridades locais potenciais de contágio, António Diniz garante que, para essa ilação poder ser retirada, será necessário fazer um estudo para perceber, de entre as pessoas infetadas, que percentagem utiliza comboios, barcos, autocarros e afins para se deslocar — “Que eu saiba esse estudo nunca chegou a ser concluído”, disse à Rádio Observador.
“Quem diz isso desconhece o básico sobre a infeção, não há evidência, mas também não há evidência do contrário. Quando se sai do transporte ninguém está a ver se aquela pessoa foi lá infetada ou não. Essa pessoa, que foi infetada no transporte, vai-se manifestar daí a não sei quanto tempo, nos mais variados locais, seja em casa, seja no trabalho ou noutro sítio qualquer. As pessoas não estão à entrada e à saída do transporte a ver se está ou não infetada”, ironizou o especialista.
No fim, e apesar de considerar que as medidas “são escassas e não nos colocam à frente da pandemia”, António Diniz apelou com veemência ao seu cumprimento por parte da população, sob pena de uma situação que agora é “grave”, se venha a tornar “muito grave”. Recusando o epíteto de “alarmista”, também se mostrou muito pouco otimista com o sucesso da operação de salvamento em curso ao Natal: “Com estes números os efeitos de qualquer medida só vão ser evidentes 15 dias depois. Vamos estar no fim do mês de novembro. Acha que vamos conseguir modificar esta situação em apenas 15 dias?”.