Por volta das 7h15 da manhã de 9 de julho de 1982, a rainha Isabel II acordou sobressaltada ao ser confrontada por um homem que a observava quando esta ainda se encontrava deitada na cama. O intruso era Michael Fagan, um pintor e decorador de 33 anos que fez o impossível: invadiu o Palácio de Buckingham e encontrou o caminho para os aposentos da monarca.

Agora, o incidente, que é considerado a maior — e talvez a mais bizarra — falha de segurança em Buckingham do século XX, deverá ser detalhado na quarta temporada da série original da Netflix The Crown, que se estreia este domingo, dia 15 de novembro.

Michael Fagan terá escalado as grades perto dos portões da entrada dos embaixadores do Palácio de Buckingham por volta das 6h45, de acordo com o relatório da Scotland Yard.

Depois de passar o gradeamento, desapareceu por trás de um toldo de lona e entrou numa sala ainda no piso térreo por uma janela que se encontrava destrancada. Esta sala abrigava a valiosa coleção de selos do Rei George V. Apesar da sua entrada ter feito disparar um alarme duas vezes, a polícia ignorou-o, pensando tratar-se de um erro.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Michael Fagan fotografado à entrada da Torre de Londres, em 9 de Fevereiro de 1985 © Getty Images

Acabou então por sair dessa sala pela mesma janela por onde havia entrado e escalou um cano de esgoto até ao telhado. Depois de descalçar as meias e as sandálias, Fagan passou por um rebordo estreito que lhe deu acesso a outra janela que estava destrancada num escritório já no interior do edifício principal do palácio. A janela tinha sido aberta durante o dia por uma empregada doméstica.

Por 15 minutos, vagueou pelo palácio e, apesar de um membro do staff o ter visto, o seu comportamento não lhe pareceu “suficientemente suspeito para fazer soar o alarme”.

Fagan admitiu ter encontrado o caminho para os apartamentos privados do palácio “seguindo as fotos” da família real.

Seguiu primeiro por uma antecâmara, onde quebrou um cinzeiro de vidro em vários pedaços e entrou depois no quarto de Isabel II às 7h15, segurando um pedaço do cinzeiro partido com o qual disse que se pretendia magoar na presença da rainha.

Fagan atravessou o quarto e abriu as cortinas perto da cama onde a monarca ainda dormia. Ao despertar sobressaltada terá perguntado ao intruso o que estava a fazer ali, como descreveu Fagan ao The Independent em 2012, e tocou a campainha do alarme.

Relembrando o episódio da invasão ao The Independent em 2012, Michael Fagan contou que a rainha vestia uma camisa de dormir com um padrão de flores que lhe dava pelos joelhos © Getty Images

O polícia, que normalmente vigiava durante a noite o corredor do lado de fora do seu quarto, saiu de serviço às 6h conforme era costume. Alguns funcionários já tinham começado os seus turnos: um tinha levado os corgis da família real a passear e outra estava a limpar um quarto e tinha fechado a porta para não acordar a rainha.

Tudo corria com normalidade no palácio. Com tanta normalidade, que ninguém tinha ouvido o alarme da rainha, que, nesta altura, já tinha feito duas chamadas para mandar a polícia ao seu quarto.

Antes da chegada da polícia, a rainha conseguiu atrair a atenção da funcionária e juntas conduziram Fagan a uma copa com o pretexto de lhe fornecer um cigarro. O funcionário, que entretanto tinha chegado de passear os cães, juntou-se a ambas, ajudando a manter Fagan na copa, até a polícia chegar e o retirar do palácio.

O pedaço de vidro do cinzeiro foi posteriormente encontrado na cama de Isabel II, que estava manchada de sangue proveniente de um corte superficial no polegar direito de Fagan.

O segundo ensaio do intruso que gravou “God Save the Queen”

O episódio de julho não tinha sido a única entrada ilegal de Fagan em Buckingham. A primeira tinha acontecido um mês antes, em junho, quando invadiu os aposentos do príncipe Carlos.

Nessa mesma invasão, conseguiu entrar no quarto onde estavam a ser guardados os presentes para o bebé da princesa Diana — o príncipe William, nascido em 21 de junho de 1982. Aí terá encontrado num dos armários uma garrafa de vinho que pertencia ao príncipe Carlos, tendo depois estado sentado a beber, antes de ir descansar no trono da rainha.

“Encontrei quartos que diziam ‘quarto de Diana’, ‘quarto de Carlos’; todos eles tinham nomes”, contou ainda Fagan ao The Independent. “Mas não consegui encontrar uma porta que dissesse ‘WC’, tudo o que encontrei foram algumas latas com etiquetas a dizer ‘comida dos corgi’. Eu estava aflito para ir à casa de banho. O que é que eu faço? Urino no tapete? Então eu tive que urinar na comida dos corgi”, acrescentou.

Curiosamente, Fagan não cumpriu nenhuma pena pela invasão de propriedade, uma vez que no Reino Unido até 1984 isso se tratava apenas de uma violação do código civil e não de um crime efetivo. Ainda assim, foi forçado a comparecer em tribunal novamente — não pela proeza de invadir o palácio, mas por beber o vinho do príncipe Carlos, o que foi considerado “roubo”. O juiz demorou apenas 14 minutos para o absolver, mas Fagan teve que ser admitido para tratamento psiquiátrico durante três meses em Liverpool.

As motivações de Michael Fagan não são claras. Estava desempregado, era pai de quatro filhos e atribuiu os seus atos à influência do álcool e da droga, cujos efeitos colaterais, afirmava, tinham impactado o seu estado mental. Outra razão, que pode ter estado na origem da segunda invasão a Buckingham, foi a desintegração de seu casamento e o seu subsequente colapso mental — a sua mulher, Christine, deixou-o apenas algumas semanas antes e, numa ideia equivocada, ele terá pensado que a monarca podia ajudá-lo.

Quando recebeu alta e foi considerado mentalmente estável, aproveitou ao máximo os seus “15 minutos de fama” e, em 1983, gravou uma versão da música “God Save the Queen” dos Sex Pistols com a banda punk Bollock Brothers, segundo relatou a BBC.

Aproveitando ao máximo os seus “15 minutos de fama”, em 1983, Michael Fagan gravou uma versão da música “God Save the Queen” dos Sex Pistols com a banda punk Bollock Brothers © Getty Images

Passado alguns anos, Fagan foi ainda detido após uma zanga num café, e em 1987 foi considerado culpado de um crime de importunação sexual após correr despido na rua em Londres. Em 1997, Fagan foi ainda detido por tráfico de heroína.

Na semana passada o jornal The Telegraph, que localizou Fagan, agora com 72 anos, noticiava que ele estaria a recuperar de um ataque cardíaco recente e dos efeitos secundários da Covid-19 após ter estado infetado.