As alegações finais do julgamento dos recursos às coimas aplicadas pelo supervisor à KPMG e a cinco dos seus sócios terminaram esta quinta-feira com o advogado de Sílvia Gomes a classificar a acusação de “oca” e a pedir a absolvição.
Rogério Alves foi o último mandatário a alegar em defesa dos arguidos recorrentes no processo em que o Banco de Portugal (BdP) condenou os auditores por violação de normas que determinam o “dever de os revisores oficiais de contas ao serviço de uma instituição de crédito e os auditores externos de comunicarem factos que são suscetíveis de determinar uma emissão de reserva às contas da entidade que auditam”, neste caso o Banco Espírito Santo, e a prestação de informações incompletas e de informações falsas ao supervisor, relativas à situação da filial em Angola (BESA), relativa ao período entre 2011 e 2013.
Acusando o BdP de ser “juiz em causa própria”, Rogério Alves invocou a total colaboração dos arguidos no apuramento da verdade para lamentar que tanto o supervisor como o Ministério Público tenham ignorado toda a prova produzida em julgamento, incluindo a solicitada pelo procurador e o testemunho do ex-governador do BdP Carlos Costa.
Para o advogado, apesar do volume do processo, este é “oco” e “não tem culpa”, referindo-se ao pedido feito nas alegações do BdP para que “a culpa não morra solteira”.
“Fica claro que tem de se arranjar um culpado qualquer” depois de “muito papel e muito tempo”, disse, considerando que o processo chegou ao Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, “com uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma”.
Rogério Alves salientou o facto de, ao contrário de outros processos que envolvem a supervisão, os arguidos recorrentes não terem adotado uma postura de arrastamento, procurando a prescrição, tendo antes tido “um comportamento exemplar”, colaborando com o tribunal “com uma lisura extraordinária e sempre fieis à verdade”.
Para o mandatário de Sílvia Gomes, a acusação “agarrou-se” a documentos de trabalho interinos, fase de um processo de apuramento de factos antes da emissão de uma opinião, e a uma “notícia amarelecida” publicada no jornal Expresso a 7 de junho de 2014, na qual constavam as atas que referiam a situação da carteira de crédito do BESA à data de outubro de 2013.
Sublinhando que as atas “apenas provam que naqueles dois dias aquelas pessoas disseram aquelas coisas”, o advogado lamentou que se tenha desconsiderado a carta enviada pelo então presidente do BESA, Rui Guerra, a Alexandre Mota Pinto, em fevereiro de 2014, dando conta da situação da carteira de crédito àquela data, quando já tinha sido emitida a garantia soberana do Estado angolano.
Rogério Alves afirmou que o processo colocado à KPMG depois da “hecatombe” do BES é feito às mesmas pessoas que deram ao BdP a informação que levou à resolução do banco, considerando inaceitável que tenha sido uma entidade com a qual têm de lidar que as “ameace no âmago do seu brio profissional”.
Sobre a sua constituinte, o advogado sublinhou que Sílvia Gomes não fazia auditoria em Angola, não fazia “trabalho de campo”, encontrando-se no “fim da linha” do processo de auditoria, verificando a “robustez das equipas” e dos procedimentos, senda acusada de “saber” e de “assinar de cruz”.
Declarando-se convencido de que a acusação do BdP foi “demolida pela prova produzida” em julgamento, Rogério Alves afirmou ter “grande expectativa na absolvição”, não só de Sílvia Gomes, mas de todos os arguidos recorrentes, e acabou citando Fernando Pessoa — “o mito é o nada que é tudo” — e a Bíblia — “não julgueis para não serdes julgados”.
Na decisão de 22 de janeiro de 2019, o BdP condenou a MG ao pagamento de uma coima de 3 milhões de euros, o seu presidente, Sikander Sattar, de 450.000 euros, Inês Neves (425.000 euros), Fernando Antunes (400.000 euros), Inês Filipe (375.000 euros) e Sílvia Gomes (225.000 euros), de que todos recorreram.
A juíza Vanda Miguel marcou a leitura da sentença para o próximo dia 15 de dezembro, justificando o não cumprimento do prazo legal com “o volume da prova que importa ponderar”, a sua natureza técnica e o facto de não estar em regime de exclusividade neste processo.