Depois de uma edição atípica, em que o prémio foi para dois autores em vez de um, o Booker Prize voltou à normalidade: este ano, o galardão de literatura em língua inglesa foi atribuído ao romance Shuggie Bain, do escocês Douglas Stuart. Stuart é o segundo escritor com nacionalidade escocesa a vencer o Booker nos mais de 50 anos do prémio. O autor tem também nacionalidade norte-americana.

O anúncio foi feito esta quinta-feira à tarde, pela presidente do júri deste ano, a editora Margaret Busby, durante uma cerimónia transmitida em direito a partir da sala de espetáculos vazia, a Roundhouse, em Camden, Londres, nas plataformas digitais da BBC. Um cenário diferente num ano igualmente diferente, que fez com que as reuniões do júri acontecem sempre à distância.

Shuggie Bain é o romance de estreia de Douglas Stuart, que passou 20 anos a escrevê-lo. De pendor autobiográfico sobre um filho homossexual, Shuggie, e a sua mãe alcoólica, Anne, passado na Escócia, na década de 1980. “Revelando a crueldade da pobreza, os limites do amor e o vazio do orgulho, Shuggie Bain é uma estreia devastadora e comovente e uma exploração do amor impossível de afundar que apenas as crianças podem sentir por pais perturbados”, resume o site do Booker Prize.

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“Sei que sou apenas o segundo livro escocês a ganhar em 50 anos. Isto é muito importante para as vozes regionais”

Reagindo ao galardão, um muito surpreendido Douglas Stuart admitiu que não estava à espera, “de todo”. “Queria agradecer à minha mãe. A minha mãe está em cada página do meu livro. Quero agradecer aos restantes finalistas. Foi um prazer estar na vossa companhia.” O autor deixou também o “obrigado aos jurados do Booker Prize” por terem galardoado Shuggie Bain.

“Sei que sou apenas o segundo livro escocês a ganhar em 50 anos. Isto é muito importante para as vozes regionais, para as histórias da classe trabalhadora”, disse. Antes dele, apenas James Kelman tinha sido galardoado com o Booker, pelo livro How Late It Was, How Late, uma escolha muito controversa na altura. Kelman venceu o prémio em 1994. Stuart agradeceu também aos seus leitores: “[Obrigado] a todos os leitores que me disseram que Shurggie Bain tocou as suas vidas. Não acredito nisto! Mas o maior presente é poder conectar-me com vocês. Muito obrigado!”

A primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, já reagiu à entrega do Booker a Douglas Stuart, “um digno vencedor”. Sobre Shuggie Bain, disse tratar-se de um romance “cru” e “terno”.

Shuggie Bain integrava aquela que é talvez a lista de finalistas mais diversificada e inesperada de que há memória. Este ano, o júri preferiu apostar em escritores mais novos e em nomes menos conhecidos do grande público e em afastar da corrida nomes grandes, como Hilary Mantel, apontada por muitos como uma das favoritas. O resultado foi uma shortlist com quatro estreantes, um veterano e o primeiro escritor de nacionalidade etíope na história do Booker, Maaza Mengiste.

Booker Prize. “Shortlist” inesperada deixa de fora Hilary Mantel

Uma cerimónia diferente de todas as outras: um apresentador e duas convidadas numa sala de espetáculos vazia

É tradição que a entrega do Booker Prize aconteça no Guildhal, em Londres, com a presença de todos os finalistas e de várias dezenas de convidados, incluindo a duquesa de Cornwall, que costuma entregar o prémio ao vencedor. Mas a pandemia do novo coronavírus, que obrigou a um novo confinamento no Reino Unido, fez com a cerimónia de 2020 decorresse de maneira um pouco diferente diferente. Além da mudança de localização, no evento deste ano, estiveram apenas cinco pessoas: o apresentador, o jornalista da BBC Radio 4, John Wilson; a presidente do júri, Margaret Busby; uma das vencedoras da edição de 2019, a britânica Bernardine Evaristo; e quatro membros da The Chineke! Chamber Ensemble, que tocaram uma peça de Joseph Boulogne.

O primeiro escritor a conversar com John Wilson foi, no entanto, Kazuo Ishiguro. O Booker e Prémio Nobel da Literatura partilhou com o jornalista da BBC o que significou para ele receber o prémio de literatura em língua inglesa. Durante a conversa, Ishiguro começou por apontar que o formato deste ano, apesar de diferente, está mais próximo da atividade que o Booker celebra: o ato de escrever. “[A cerimónia do Booker] tem sido basicamente a mesma até este ano. Este formato reflete a realidade do que celebramos. Escrever é passar anos e anos a escrever sozinho, numa pequena sala, até que alguém tem acesso [ao que está a ser feito]”, afirmou.

Este ano, o habitual discurso de Camilla Parker Bowles aconteceu à distância. Num vídeo transmitido durante a cerimónia, a duquesa de Cornwall falou sobre a importância da leitura durante a pandemia e sobre o poder das palavras. “A Covid-19 privou-nos de tantos prazeres culturais”, referiu a duquesa, acrescentando que “podemos pelo menos ler”. “Enquanto podermos ler, podemos viajar, escapar, explorar, rir e chorar e combater os mistérios da vida. Por todas estas razões, o Booker Prize deste ano é ainda mais importante. É uma oportunidade para refletirmos sobre a importância da literatura em língua inglesa (…) e celebrarmos escritores maravilhosos, que provocam e confortam os seus leitores.”

As galardoadas de 2019, Margaret Atwood e Bernardine Evaristo, também participaram na cerimónia. Durante o evento, foi transmitido um vídeo em que as duas escritoras refletem sobre o ano que passou e o efeito que o prémio teve nas suas vidas. Evaristo, que esteve na Roundhouse durante o evento desta quinta-feira, frisou a importância de ter sido a primeira escritora negra a receber o Booker. “[Foi importante] para mim, mas também para muitas pessoas. E também porque era uma pessoa mais velha. Acho que dei esperança a muita gente”, considerou a escritora britânica. “Podemos jogar este jogo durante muito tempo e conseguir vingar mais tarde.”

Mas o convidado mais aguardado era talvez o ex-Presidente dos Estados Unidos da América, Barack Obama, cujo livro obrigou a um adiamanto da cerimónia, inicialmente agendada para 17 de novembro, o dia da publicação de Uma Terra Prometida.

Num vídeo transmitido durante a cerimónia, o antigo Presidente parabenizou os seis finalistas e também a Booker Prize Foundation por incentivar a leitura de obras de ficção. Adiantando que costuma ser atraído por obras que “tentam fazer com que o mundo tenha sentido”, Obama admitiu que fica sempre “impressionado por autores que conseguem escrever trabalhos de ficção incríveis”. “Mesmo que isso seja o que os meus críticos chamam aos meus discursos”, acrescentou. “Escrever um livro não é fácil. Acreditem em mim, eu sei”, brincou o ex-Presidente.