Marcelo Rebelo de Sousa tentou ligar a Rui Rio e a Francisco Rodrigues dos Santos para perceber o ponto de situação do Novo Banco. Na noite de quarta-feira e durante a manhã de quinta, começou a desenhar-se no Parlamento uma maioria para aprovar o diploma do Bloco de Esquerda e travar a injeção de quase 500 milhões de euros no Novo Banco. E Marcelo decidiu pôr-se em campo.

O Observador sabe que o Presidente da República tentou antecipar o sentido de voto do CDS, uma vez que um eventual voto contra dos democratas-cristãos deitaria por terra o diploma do Bloco de Esquerda. Marcelo estava preocupado com os efeitos da aprovação da medida para a estabilidade do setor financeiro e para a credibilidade da imagem externa do país.

Tentaria o mesmo com Rui Rio. Mas sem sucesso. O PSD manteve o voto a favor do diploma que travou a transferência de dinheiro público para o Novo Banco não sem antes existir uma auditoria que comprove, preto no branco, qual é a fatura que o Estado tem e deve pagar. Mesmo com António Costa a aproveitar o caso para dramatizar, culpando aqueles que, no seu entender, “quiseram brincar com o fogo” e queimar o país.

Rio não mexeu um músculo. Na quinta-feira, no Parlamento, o líder social-democrata garantiu que o partido não colocará em causa os compromissos do Estado português, mas deixou um aviso à navegação: “O Estado português tem de cumprir, mas temos de ter a certeza de que do outro lado também estão a cumprir. Os contratos têm dois lados e estamos aqui a defender os contribuintes portugueses”.

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Esta sexta-feira, Rio voltou à carga: “Isto não é a República das bananas. Todos nós olhamos para o preço a que as coisas foram vendidas e ficamos com óbvias dúvidas e é uma vez e são duas e são quatro e são cinco. Temos de clarificar isto. O melhor que o PSD fez foi solicitar, com o apoio de outros grupos parlamentares, uma auditoria a um organismo independente como é o Tribunal de Contas, que vai chegar a uma conclusão.”

No CDS, as pressões foram enormes. Num primeiro momento, os democratas-cristãos abstiveram-se na votação do diploma do Bloco de Esquerda. Se mudassem de lado, o Governo conseguiria travar a ofensiva liderada por Catarina Martins e Rui Rio. Os socialistas também se puseram em campo e tentaram convencer o CDS a optar pelo chumbo. E, por momentos, chegou a pensar-se que se poderia repetir o folhetim do IVA da Luz, quando o CDS ajudou a salvar o Orçamento do Estado para 2019.

Na manhã de quinta-feira, o último dia para a aprovação do Orçamento do Estado, a azáfama era enorme junto do gabinete parlamentar do CDS, com os cinco deputados do CDS em alvoroço porque corria a informação de que o líder do partido, Francisco Rodrigues dos Santos, poderia dar liberdade de voto para que alguns deputados desalinhassem. Nenhum dos deputados do CDS a pediu e esse rumor não se confirmou. O CDS acabou por não mudar o sentido de voto e manter a abstenção.

Esta nem sequer foi a primeira vez que Marcelo Rebelo de Sousa tentou evitar uma crise parlamentar e política ligando diretamente a líderes partidários. Em maio de 2019, o Presidente da República pegou no telefone e quis deixar clara a sua posição sobre a recuperação do tempo em que as carreiras dos professores estiveram congeladas, alertando para os riscos que a medida representava para a sustentabilidade das contas públicas.

Nessa altura, António Costa ameaçava com a demissão e jurava a pés juntos que os socialistas estavam dispostos a ir a votos em eleições antecipadas. PSD e CDS, que tinham dado a mão à esquerda, decidiram recuar e evitar a crise política. Costa e Marcelo saíram vencedores.

Desta vez, no entanto, tudo foi diferente. Primeiro, o contexto. Ao contrário do que aconteceu durante a crise dos professores, o primeiro-ministro não pode ameaçar com novas eleições por causa do calendário eleitoral. Além disso, aos olhos de PSD e CDS, o tema é bem mais popular entre a opinião pública — não se trata de aumentar a despesa como acontecia com o descongelamento da carreira dos professores, mas antes de travar a injeção de mais dinheiro público no Novo Banco. Francisco Rodrigues dos Santos e, sobretudo, Rui Rio mantiveram o braço de ferro.

Apesar da preocupação e esforço de Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente da República teve de conformar-se com as decisões de PSD e CDS. Resta saber o que fará o Presidente da República quando receber a versão final do Orçamento do Estado. Estará tentado a pedir a fiscalização preventiva da constitucionalidade da norma ou, já com o Orçamento em vigor, avançar com um pedido de fiscalização sucessiva que demorará necessariamente mais tempo? A bola está do lado de Marcelo.

Pausas, pressões e telefones a tocar. Como o PS tentou até ao fim salvar transferência para o Novo Banco – e falhou