Há uma “nova” forma de poluição provocada pelos veículos que promete vir a tornar-se num tema incontornável. Referimo-nos às partículas provocadas pelo desgaste dos pneus e das pastilhas de travão, cuja quantidade não tem vindo a aumentar nos últimos anos, mas dá cada vez mais nas vistas, à medida que se reduzem as emissões poluentes oriundas dos motores de combustão, fruto da evolução tecnológica. E o crescente volume de vendas dos modelos 100% eléctricos, bem como os equipados com mecânicas híbridas plug-in, apenas veio reforçar esta realidade ao baixar as emissões oriundas da mecânica.

Se considerarmos os poluentes tradicionais dos motores mais modernos a combustão, dos óxidos de azoto às partículas de fumo, passando pelo dióxido de carbono (CO2, que não sendo tóxico, contribui para o aquecimento global), todos eles têm vindo a ser reduzidos, graças às novas tecnologias, dos filtros de partículas aos catalisadores selectivos com injecção de AdBlue. Basta recordar que, em 2010, a média das emissões de CO2 nos automóveis novos era de 140,3 g/km, valor que caiu para 119,5 g em 2015 e 95 g em 2020, prevendo-se que ronde as 70 g em 2025. Ora, foi este contínuo corte nas emissões que expôs outros tipos de poluentes que os veículos libertam para atmosfera, provocados pelo desgaste dos pneus e das pastilhas dos travões.

À medida que as emissões dos motores de combustão se forem reduzindo, pela substituição por veículos eléctricos, as emissões de partículas originadas pelo desgaste dos pneus e do pavimento vão revelar tendência para aumentar

Uma surpresa chamada pneu

Os pneus, tal como os conhecemos hoje, são o principal argumento para garantir conforto, segurança e um comportamento eficaz. Mas são igualmente os responsáveis por 10% de todos os microplásticos que poluem os oceanos, segundo um estudo publicado pelo International Journal of Environmental Rechearch and Public Health, ainda que um outro trabalho, divulgado pelo International Union for Conservation of Nature, eleve este valor para 28%.

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Afirma a National Geographic que um pneumático moderno é composto por 19% de borracha natural e 24% de borracha sintética. Fruto da fricção no asfalto, que é incrementada pelo peso do veículo e o tipo de utilização – o desgaste aumenta com acelerações e travagens fortes, bem como curvas no limite da aderência –, a borracha desgasta-se e liberta pequenos pedaços de polímeros de plástico, que acabam por ser arrastados para os rios e o mar, onde são engolidos pelos peixes que os confundem com comida, animais estes que os seres humanos acabam mais tarde por ingerir.

Um pneu de um camião pequeno perde, em média, 1,13 kg ao longo do seu tempo de vida útil (6,3 anos). Isto significa que, só nos EUA, são gerados 1,8 milhões de toneladas de microplástico por ano. Um pneu de um automóvel, mais pequeno e leve, produz menos microplásticos, mas como há uma maior quantidade destes veículos em circulação, os danos para o ambiente são superiores.

Às partículas resultantes do desgaste dos pneus é forçoso juntar igualmente as resultantes do desgaste do próprio asfalto, com o Air Quality Expert Group, consultores ao serviço do Governo britânico, a afirmar que os pneus e o revestimento da estrada são responsáveis por 50% de todas as partículas produzidas pelos transportes rodoviários, segundo a BBC. Os especialistas realçam ainda que não há legislação que controle ou limite a libertação destas partículas para o meio ambiente.

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Travões salvam vidas, mas têm de evoluir

Os sistemas de travagem mais vulgares são os chamados de disco, em que uma maxila pressiona duas pastilhas de travão contra o disco de metal (ou carbocerâmica) que gira, transformando energia cinética em calor. No processo, as pastilhas formadas por partículas metálicas como ferro, cobre e grafite, unidas por resina, desgastam-se e libertam um pó muito fino para a atmosfera, similar ao que teima em sujar as jantes. 55% da poluição existente junto às ruas e vias rodoviárias, oriunda do tráfego, não provém do tubo de escape e 1/5 dessa poluição é constituída por pó de travão.

Os especialistas apontam as partículas originadas pelo desgaste das pastilhas como sendo tão nefastas para os pulmões como as do fumo de escape de um motor diesel, atacando as células do sistema respiratório com a mesma violência. A reacção à poeira provoca inflamação, tornando as células dos pulmões mais receptivas a serem infectadas por bactérias, como a que provoca pneumonia.

De recordar que, nos anos 80, todos os fabricantes de automóveis usavam pastilhas de travão muito resistentes ao aquecimento, característica que conseguiam graças à utilização de amianto. A necessidade de abandonar este material, por ser cancerígeno, levou os fabricantes de material de fricção, como pastilhas de travão e discos de embraiagem, a procederem a algumas alterações nos materiais utilizados. Tudo indica que isso deverá voltar a acontecer, mas por outros motivos.

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Já há solução para estes dois problemas?

A crescente adopção de veículos eléctricos não vai, só por si, resolver a contaminação provocada pelo desgaste de pneus, pavimentos e pastilhas de travão, apesar de a atenuar consideravelmente na maior parte dos casos. Os eléctricos mais acessíveis, com preço menor e prestações menos exuberantes, montam pneus ditos “energy saver”, ou pneus verdes, que abrem mão de um pouco de aderência, mas compensam ao oferecer maior longevidade, o que é bom para a carteira e para o ambiente. Um pneu que dure mais tem menos desgaste e, logo, produz menos microplásticos, mesmo se instalado num veículo que é substancialmente mais pesado. Contudo, os modelos eléctricos mais potentes optam por pneus mais desportivos e com maior aderência, o que significa menor duração e maior desgaste.

Já ao nível dos travões, os eléctricos oferecem mais vantagens, apesar do peso superior. O facto de os travões mecânicos apenas entrarem em funcionamento quando se pressiona mais decididamente o pedal, uma vez que até aí é sempre o motor eléctrico a “travar” o carro, gerando energia, incrementa e muito a duração das pastilhas. Isto implica menos poeira e menores riscos para a saúde.

A degradação dos pneus provoca a produção de microplásticos que os humanos vão acabar por ingerir. E este é um problema que os eléctricos não conseguem resolver

Agora que o problema da poluição provocada pelos pneus e travões começa a tornar-se evidente, o mercado começa já a propor as primeiras soluções para mitigar os danos para o ambiente e para a saúde, ainda antes do legislador decidir intervir, elevando o standard dos materiais utilizados para reduzir a emissão de partículas. Já aqui falámos dos dispositivos desenvolvidos pela Mann+Hummel que colecta o pó de travão gerado por cada uma das rodas, bem como um segundo sistema de maiores dimensões, destinado a filtrar a poeira gerada pelas pastilhas que existe no ar, nas artérias mais movimentadas.

Também as partículas produzidas pelo desgaste dos pneus já mereceram a atenção dos académicos, que tentam encontrar uma solução para minimizar o problema. Um grupo de estudantes do Imperial College of London (ICL) inventou um dispositivo que é instalado junto ao pneu e que reivindica a capacidade de recolher até 60% das partículas libertadas por este. A equipa baptizou o dispositivo Tyre Collective e construiu um protótipo para provar a sua eficácia a recolher os microplásticos. O sistema explora o fluxo de ar que envolve o pneu e o provocado pelo girar da jante.

O ICL está confiante que, após a recolha das partículas de borracha, estas podem ser processadas e utilizadas para outras finalidades, que evitem poluir os oceanos. Para os estudantes, além de poderem servir como isolamento acústico e matéria-prima para impressoras 3D, é ainda possível produzir tinta de impressão, tendo sido impressos cartões-de-visita desta forma. E o curioso é que todos estes dispositivos para controlar o problema gerado pelo desgaste dos pneus e travões surgiram ainda antes de a União Europeia decidir obrigar os fabricantes a encontrar uma solução, à semelhança do que fez com os construtores de automóveis, quando os levou a produzirem veículos menos poluentes.