“Aceitamos a sua demissão a partir de hoje”, foi o e-mail que Timnit Gebru recebeu da Google, enquanto estava de férias. Segundo a CNN business, a notícia veio na sequência de um email que a investigadora sobre Ética na Inteligência Artificial (IA) enviou a um grupo específico de funcionários, denominado Equipa Cérebro, manifestando o seu descontentamento com a falta de diversidade na empresa.

Conhecida pelo seu trabalho pioneiro no campo da ética na IA, Gebru fundou ainda a organização “Black in AI” e a Conferência de Justiça, Responsabilidade e Transparência, tornando-se uma das vozes mais importantes na luta pela justiça e igualdade das comunidades marginalizadas na área da Inteligência Artificial e pelos riscos e danos associados ao desenvolvimento desta tecnologia.

“Fui despedida pelo @JeffDean por causa do meu email para as mulheres Cérebro e Aliados. A minha conta corporativa foi cortada. Então fui despedida imediatamente :-)”, escreveu numa publicação no Twitter, seguido de: “Eu colocava aqui o meu email mas a minha conta corporativa foi cortada. Sinto-me mal pelos meus colegas de equipa mas para mim é melhor conhecer a besta do que fingir. @negar_rz nem sabia que as coisas tinham escalado tão rápido”.

No e-mail, Gebru expressava também a sua frustração com o processo de apreciação de um artigo do qual é co-autora, sobre os riscos de uma tendência crescente em que vários textos produzidos por sistemas de inteligência artificial parecem ter sido escritos por humanos. Isso é mais frequente em receitas, mas também já há poemas e até mesmo notícias, segundo explica a CNN.

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De acordo com a investigadora, citada pela CNN, o artigo foi entregue para ser apresentado na Conferência de Justiça, Responsabilidade e Transparência, que ajudou a fundar, e não haveria nada de errado sobre a maneira como foi enviado para a revisão interna da Google. Contudo, após uma longa troca de emails com a administração, foi pedido a Gebru que o retirasse da conferência ou removesse o seu nome do texto.

Em jeito de resposta, o líder da equipa de IA da Google, Jeff Dean, explicou que o artigo de Gebru não teria sido entregue com as duas semanas de antecedência previstas, para dar à empresa tempo de a rever. Ainda assim, afirma, o documento foi revisto internamente mas “não ia de encontro aos padrões para publicação” da Google.

Infelizmente este artigo em particular apenas foi partilhado com um dia de antecedência antes do prazo — nós requeremos duas semanas para este tipo de revisão — e em vez de esperar pelo feedback do revisor, foi submetido”.

Perante a resposta negativa por parte da empresa, Gebru terá feito exigências que caso não fossem cumpridas a fariam deixar a Google. Nesse sentido, escreve Dean: “Aceitamos e respeitamos a decisão de se demitir da Google”.

Estas condições incluíam transparência sobre o processo que levou a que a estudo fosse recusado, bem como reuniões com Jeff Dean e outro administrador da equipa de IA, para falar sobre a forma como os investigadores são tratados.

Mais tarde, a especialista em ética na IA explicou que ninguém na empresa lhe disse ter sido despedida, mas sim que a sua demissão fora determinada porque o “seu comportamento era inconsistente com as expectativas de um manager na Google”.

Timnit Gebru ganhou reconhecimento com um artigo do qual é co-autora, publicado em 2018, sobre deficiências na tecnologia do reconhecimento facial, no que toca à cor de pele das pessoas. Segundo o estudo, a margem de erro do sistema para homens brancos era apenas de 1%, ao passo que para as mulheres negras a margem de erro era de 35%.

A investigadora era também um dos poucos colaboradores negros na empresa — apenas 3,7% dos funcionários da Google são negros, de acordo com o relatório anual de diversidade de 2020 da instituição.

A forma como Gebru foi afastada da empresa gerou uma onda de indignação por parte dos colaboradores da gigante tecnológica, que se manifestaram numa carta de apoio. Até à passada sexta-feira, 2.351 funcionários e 3.729 académicos tinham já assinado o texto que circula na internet.

A CEO da Google, Sundar Pichai, mostrou-se, entretanto, disponível para “avaliar as circunstâncias” que levaram à saída de Timnit. “Vamos começar a rever o que aconteceu para identificar todos os pontos onde podemos aprender — considerando tudo desde estratégias de apaziguamento a novos processos que possamos implementar”.

Em entrevista ao Venture Beat, Gebru considerou que o facto de falarem em “apaziguamento” a fazia passar por “mulher Negra furiosa” e que a intenção de investigar é apenas uma estratégia para “abafar o que se está a passar agora”, referindo-se às várias vozes que saíram em sua defesa.