Um texto de opinião publicado na revista New England Journal of Medicine defende que as certidões de nascimento devem deixar de ter uma indicação sobre o sexo de cada recém-nascido. Na ótica dos autores, o registo dessa informação não traz qualquer mais-valia do ponto de vista “clínico” e cria um risco de “prejudicar” as pessoas transgénero.
“As designações de sexo nas certidões de nascimento não oferecem qualquer vantagem clínica, e podem ser prejudiciais para as pessoas intersexo ou transgénero”, afirmam os responsáveis por esta posição, Vadim M. Shteyler, Jessica A. Clarke e Eli Y. Adashi. “Acreditamos que chegou o momento de atualizar a prática de atribuir um género nas certidões de nascimento”, defendem.
Sex designations on birth certificates offer no clinical utility, and they can be harmful for intersex and transgender people. Moving such designations below the line of demarcation would not compromise the birth certificate’s public health function but could avoid harm.
— NEJM (@NEJM) December 17, 2020
No texto, recorda-se que a certidão de nascimento nos EUA foi criada no início do século passado e que tem sofrido várias alterações nas últimas décadas, a última das quais tendo sido em 2003. Na versão atual, informações como a origem étnica e o estado civil dos pais, por exemplo, foram secundarizadas para “permitir uma maior auto-identificação e evitar estigmas”, diz o estudo.
Na prática, criou-se uma linha de demarcação em que a informação que está acima dessa linha é usada nas cópias legais do certificado, ao passo que aquilo que aparece abaixo da linha é secundarizado e é apenas usado para fins estatísticos, sem associação ao indivíduo em particular mas apenas usado de forma agregada. Os académicos defendem que chegou a hora de a informação sobre o sexo com que se nasceu passar, também, a estar abaixo dessa linha de demarcação.
“Designar o sexo como masculino ou feminino nas certidões de nascimento sugere que essa é uma questão simples e binária quando, biologicamente, não o é“, argumentam os autores do texto. “O sexo é uma função de vários processos biológicos que várias combinações resultantes”, dizem os autores, acrescentando que “1 em cada 5.000 pessoas têm variações intersexo” e “1 em cada 100 pessoas” exibem células que cromossomas sexuais variados, muitas vezes sem o saber.
“Os processos biológicos responsáveis pelo sexo são completamente indefinidos, e não há qualquer teste universalmente aceite para determinar o sexo” de uma pessoa, sublinham, assinalando que cerca de 6 em cada 1.000 pessoas se identificam como transgénero, o que significa que a sua identidade de género não corresponde àquela que lhe foi atribuída no nascimento. “Mover a informação sobre o sexo para abaixo da linha de demarcação não comprometeria a função de interesse público das certidões de nascimento – mas mantê-la onde está, acima da linha, é prejudicial”, rematam.
(Texto corrigido às 10h30 para indicar que se trata de um texto de opinião publicado nesta revista científica, não um estudo científico)