Rafa Benítez é um dos treinadores mais importantes do século XXI. Orientou o Valencia, o Liverpool, o Inter Milão, o Chelsea, o Nápoles e o Real Madrid. Foi duas vezes campeão espanhol, ganhou uma Liga dos Campeões, uma Liga Europa, uma Supertaça Europeia e um Mundial de Clubes. Foi considerado o melhor treinador europeu em dois anos consecutivos e é tido como um dos técnicos a quem é mais complicado agradar. Hoje em dia, Rafa Benítez comanda o Dalian Professional, um clube que lutou pela permanência no principal escalão chinês na temporada passada. Ou seja, o espanhol esteve no epicentro da pandemia assim que ela arrancou.
“Foi difícil. Quando se decidiu, definitivamente, começar o campeonato, a liga dividiu-se em dois grupos e nós ficámos numa bolha na cidade olímpica de Dalian. Não podia sair ninguém dali e jogámos todos os jogos nos mesmos três campos. Tínhamos testes de despiste a cada três dias e se, por exemplo, tinha de convocar um jogador extra porque alguém se tinha lesionado, esse jogador tinha de testar negativo duas vezes em três dias e estava sempre debaixo de muito controlo”, explicou o técnico de 60 anos, em entrevista ao El Mundo, onde revelou ainda as apertadas medidas de controlo da pandemia que foram tomadas na China.
“É um controlo muito exaustivo. Há cidades onde, por um caso positivo, isolaram 183 pessoas e colocaram-nas em quarentena num apartamento sem poderem sair. Eu tive de fazer uma [quarentena] em que tinha uma pulseira que me controlava se me mexia”, disse Benítez, que considera que será necessário realizar uma “análise mais cautelosa” às consequências psicológicas do isolamento e da paragem da competição nos jogadores e nos treinadores, aliadas à quase inexistência de pré-temporada e de paragem entre o fim da época passada e o início da atual. “Não é uma situação fácil. Garantimos que mantinham o contacto com a família e demos treinos e atividades para passarem o tempo em que estavam nos quartos (…) Tivemos uma má pré-temporada, más condições de trabalhos e muitos jogadores estiveram infetados e podem ter efeitos secundários. No final, isso incide no rendimento. Inclusivamente no fator emocional de estar fechado em casa tanto tempo e depois ter de voltar a jogar tão bem como antes. Não é fácil para ninguém, nem num escritório nem num estádio”, defendeu o treinador.
O técnico que levou o Liverpool de Steven Gerrard à conquista da Liga dos Campeões, em 2005, acredita que “três substituições são suficientes” e que não é o aumento da alterações permitidas que vai suprimir as consequências da inexistência de pré-época. “Só servem para parar o jogo e são um fator de desequilíbrio que dá vantagem aos grandes”, afirma. Considera que o Liverpool e o Atl. Madrid, atuais líderes da Premier League da liga espanhola, estão “muito fortes” mas lembra que “uma das características atrativas das ligas é que duram nove meses” e que estamos num “ano estranho”. Rafa Benítez foi jogador, ainda que sem grande sucesso, mas acredita que é uma moda o facto de tantos antigos atletas de renome estarem agora à frente dos principais clubes europeus.
“O futebol de elite não tem nada a ver com o futebolista de elite. O treinador tem de ter a capacidade de gerir um grupo de 25 pessoas ou mais, cada um com os seus próprios interesses, e tem que competir, manobrar o contexto social e ganhar. Não é o mesmo ser um futebolista preocupado em treinar e jogar bem, há que gerir egos e um entorno que até pode ser hostil. Fixamo-nos nos casos de êxito, que existem, mas 80% dos que começam e acreditam que têm essa vantagem acabam por cair. Ser ex-jogador não dá vantagem para treinar. Tanto que as equipas acabam por recorrer a pessoas com experiência para tomar decisões importantes, para gerir o balneário, o entorno, os empresários”, atira o espanhol, que dá mais à frente o exemplo de Andrea Pirlo e da Juventus, considerando que o italiano tem “mais possibilidades” de ter sucesso porque está num clube forte, com um entorno que o ajuda muito e com “grandes futebolistas” no plantel.