Um dos inspetores da PJ que investigou o furto aos Paióis Nacionais de Tancos disse esta segunda-feira, no Tribunal de Santarém, que o mentor do assalto, João Paulino, “é alguém muito inteligente e teve muitas preocupações a preparar”o crime. O investigador contrariou assim a versão que tem sido avançada pelo próprio em julgamento, de que desconhecia o que estava a furtar e que quando percebeu o que tinha feito se arrependeu de imediato. Atrás de si, João Paulino foi sempre gesticulando para o seu advogado, indignado com o que estava a ouvir.
Quando a sessão de julgamento começou, ja 15.ª, já o inspetor da PJ Fernando Gonçalves estava sentado de frente para o coletivo de juízes e pronto para começar a testemunhar. Foi chamado pelo Ministério Público, que acusa 23 arguidos no caso de Tancos, para falar sobre a sua participação na investigação ao furto de armas de guerra.
Atrás de si, a cerca de um metro, estava sentado João Paulino, o homem que já assumiu ter planeado e assaltos os paióis nacionais de Tancos, que ao longo desta manhã de segunda-feira não parou de gesticular e fazer sinais ao advogado à medida que ouvia o investigador, com 20 anos de carreira, a falar.
Fernando Gonçalves, que integra a Unidade Nacional Contra Terrorismo, disse que ao contrário do que os arguidos têm dito em tribunal — e que soube pela comunicação social — quem esteve em Tancos naquela madrugada de 28 de junho de 2017 sabia exatamente ao que ia. “Quem lá foi teve a preocupação de ver o que estava a levar. E deixou uma caixa no local vazia”, justificou. Por outro lado, João Paulino diz que apenas levou aos Paióis Nacionais de Tancos dois dos arguidos (João Pais, ou Caveirinha, e Hugo Santos) que estão no banco dos réus, e que um nem entrou, ficou a vigiar o exterior das instalações.”A teoria não colhe, só dois desceram aos paióis?”, interrogou o polícia, explicando que havia dois acessos aos paióis e que num crime destes era normal ter um vigia para cada um deles.
“O arguido João Paulino é alguém muito inteligente e teve muitas preocupações a preparar este furto. Não estou a ver a não ter preocupação em ter alguém a vigiar o acesso à casa da guarda onde estava seis militares armados”, disse.
O inspetor participou na investigação a partir de janeiro de 2018 e destacou também algumas das vigilâncias que fez. No entanto, só uma considerou mais importante: aquela em que seguiu João Paulino até Aveiro, e em que ele recebeu um saco do arguido Jaime Oliveira, que o Ministério Público assumiu ser droga. De seguida Paulino encontrou-se também, ainda em Aveiro, com o arguido Valter Abreu — o tio de um militar que trabalhou em Tancos e que durante a investigação acabou por assumir o crime e contar tudo à PJ numa reconstituição feita no local, para depois em julgamento dizer que era tudo mentira.
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O inspetor não viu mais trocas entre Paulino e Valter , no entanto assumiu que, dado o historial de Paulino, o saco continha droga. João Paulino já disse em tribunal que esse saco continha sim amostras de garrafas que colecionava e que o seu amigo guardava para lhe dar, uma vez que trabalhava num restaurante. O inspetor, quando confrontado pelo advogado de Paulino, acabou por confirmar não haver mais nenhuma prova no processo que confirme que aquele saco tinha droga no interior.
Relatório policial esquece arguido: “foi um lapso”. E outros lapsos
Também no relatório assinado pelo inspetor parece terem existido lapsos, como o próprio assumiu. A advogada do arguido Pedro Marques perguntou mesmo ao inspetor porque é que o seu cliente era acusado de tráfico de droga se no relatório policial por ele assinado não constava o nome dele. “Foi um lapso”, admitiu.
Já a advogada de Fernando Santos, que foi sócio de Paulino num bar em Ansião, perguntou como podia o seu cliente estar envolvido no crime de tráfico de droga se não havia provas. O polícia disse que as provas são testemunhas como o de uma funcionária do bar em Ansião. “A funcionária Raquel que só começou lá a trabalhar depois de o Fernando sair?” interrogou a advogada, tentando descredibilizar a PJ.
O polícia lembrou também que os telemóveis de todos os arguidos foram desligados à mesma hora a pedido de Paulino e que, de facto, tanto na casa do mentor do assalto como do arguido António Laranjinha foram encontrados Walkie Talkies nas buscas. Na casa de Paulino o aparelho estava dentro de uma mochila junto com um gorro passa-montanhas.
Outros “lapsos” foram assumidos pelo polícia já na parte da tarde. Por exemplo, é ele que assina dois relatórios de vigilâncias feitas a dois arguidos em Aveiro e em Albufeira. Problema, como é que nos dias 26 e 27 de novembro de 2018, data das diligências, o inspetor estavam simultaneamente nos dois locais — em Aveiro a vigiar o Valter e em Albufeira o Caverinha? “Foi um lapso”, respondeu. Pouco depois daria a mesma resposta a outra advogada que lhe perguntava se tinha a certeza que foi Paulino que recebeu um saco de Jaime, em Aveiro, ou se foi o contrário, como diz a acusação. Fernando Gonçalves manteve o que a sua memória lhe disse e que verteu no relatório. “Foi um lapso”, reiterou.
Os advogados, na generalidade, tentaram também descredibilizar as provas contidas no processo. Mas já a meio da tarde o juiz que preside o coletivo acabaria por interrompê-los para uma espécie de ralhete. Nelson Barra pediu desculpa ao advogado que interrompeu, dizendo que o recado era para todos. “As provas são o que são, o tribunal vai formar a sua convicção. Estamos a perder um tempo imenso com coisas que não têm substância”, disse, tirando a máscara para falar e se fazer ouvir. “Já fui advogado e sei o que é estar desse lado”, assumiu, pedindo também para se cingirem às perguntas diretamente relacionadas com a testemunha.
O julgamento prossegue esta terça-feira com o testemunho de mais um inspetor da Polícia Judiciária.