Um dos candidatos afastados do concurso para a Procuradoria Europeia avançou com uma ação de impugnação a pedir a nulidade do concurso promovido pelo Ministério da Justiça para selecionar o magistrado português daquele novo órgão da União Europeia (UE). A ação foi colocada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto pelo juiz desembargador José Rodrigues da Cunha já depois de José Guerra ter sido indicado por Portugal para o cargo de procurador europeu, num processo que tem estado envolvido em várias polémicas.
Aliás, José Guerra, que já se encontra no Luxemburgo desde o final do ano passado, terá já sido citado pelo tribunal como contra-interessado deste processo.
A ação administrativa consultada pelo Observador visa a decisão da ministra Francisca Van Dunem que levou à exclusão do desembargador Rodrigues da Cunha do procedimento que resultou na escolha do procurador José Guerra para a Procuradoria Europeia.
Há ainda uma segunda ação, denominada de ação de intimação para apresentação de documentos, em que o juiz queixoso requer ao tribunal administrativo que intime o Ministério da Justiça a revelar o despacho formal da ministra da Justiça que o excluiu do concurso público para a Procuradoria Europeia.
Rodrigues da Cunha era juiz presidente da Comarca do Porto no momento em que apresentou as duas ações, tendo deixado de o ser a 1 de janeiro deste ano.
Fonte oficial do Ministério da Justiça confirmou ao Observador que já foi citado nos dois processos que correm termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, “estando a decorrer o prazo de oferecimento da contestação”. “O Ministério da Justiça contestará os dois processos, por estar convencido da falta de bondade das pretensões deduzidas pelo Autor [José Rodrigues da Cunha]”, lê-se na resposta enviada ao Observador.
Conselho Superior do Ministério Público não respeitou o prazo do concurso?
Rodrigues da Cunha explica que foi o único candidato indicado pelo Conselho Superior de Magistratura no quadro do processo de candidatura lançado pelo Ministério da Justiça. A par deste órgão, também o Conselho Superior do Ministério Público abriu um processo ao qual concorreram cinco candidatos. Neste caso foram selecionados três, cujos nomes seguiram para o gabinete da ministra da Justiça e onde estava José Guerra e também a procuradora que ficou em primeiro lugar no procedimento efetuado pelo painel de seleção europeu.
Francisca Van Dunem excluiu o nome de José Rodrigues da Cunha do grupo final de três nomes — todos procuradores — que foram enviados para a União Europeia. Mas o desembargador queixoso diz que só o seu nome podia ter sido escolhido pela ministra da Justiça. Porquê?
A ação refere que o procedimento de seleção de candidaturas teria de ficar concluído até 15 de fevereiro de 2019, com comunicação imediata ao Ministério da Justiça, prazo que foi cumprido pelo Conselho Superior de Magistratura.
Mas o Conselho Superior do Ministério Público, diz o autor da ação, só designou os três candidatos a 28 de fevereiro, sem invocar razão de força maior para não cumprir o prazo. Os prazos estabelecidos pelo réu (o Ministério da Justiça), alega Rodrigues da Cunha, são regras procedimentais que se encontra obrigado a cumprir da mesma forma que os impôs. Argumenta ainda o autor da ação que, ao não o fazer, “viola desde logo o princípio da legalidade, da boa-fé da confiança, bem como da imparcialidade/transparência”. Conclui por isso que o ato praticado (e que resultou na indicação do Procurador Europeu) “padece de invalidade”.
A ação pede assim que seja anulado o ato que excluiu a candidatura do juiz do procedimento de nomeação de personalidades indicadas pelo Governo para o cargo Procurador Europeu nacional e, “consequentemente, o ato que designa os três candidatos, bem como os demais referidos com todas as consequências legais”.
Van Dunem reconheceu apenas “ofensa de uma regra de cortesia”
Rodrigues da Cunha invoca na sua ação que nunca foi formalmente notificado da sua exclusão do grupo final de três nomes que a ministra da Justiça comunicou ao Conselho Europeu — o órgão da UE que validou a decisão final da escolha dos procuradores de cada Estado-Membro.
De acordo com o texto da ação, Rodrigues da Cunha diz que só teve conhecimento desta situação pelos esclarecimentos prestados por Francisca Van Dunem no Parlamento — e que foram posteriormente confirmados em carta dirigida pela própria ministra da Justiça ao juiz desembargador.
Na missiva que escreveu ao juiz a confirmar a decisão de exclui-lo, a ministra reconhece que houve a “ofensa de uma regra de cortesia”, pela qual apresenta a mais “sentida compunção”. Mas defende que, “considerando a natureza do procedimento, não houve violação de qualquer regra do processo”.
A explicação não convenceu o juiz para quem a ausência de notificação impediu o exercício do direito de audiência prévia e de pronúncia sobre a sua exclusão. E defende, por isso, que “a ausência de audiência prévia, formalidade essencial, acarreta, desde logo, a ilegalidade dos atos impugnados, sendo assim anuláveis nos termos do disposto no artigo 163 do Código do Processo Administrativo”.
Sublinha, aliás, que até à data da entrada da ação não foi notificado do ato administrativo que levou à sua exclusão, desconhecendo os elementos essenciais que a fundamentaram.
Fonte oficial do Ministério da Justiça afirma ao Observador que “não tinha o dever legal de comunicar aos interessados os passos subsequentes do processo de seleção”. “Admitindo que o poderia ter feito por razões de cortesia institucional”, fê-lo em outubro, “agradecendo a disponibilidade do senhor Desembargador”.
Para além da ação a pedir a nulidade, o juiz desembargador requereu ainda a intimação do Ministério da Justiça para que entregue a certidão relativa a todos os atos administrativos que conduziram à nomeação do Procurador Europeu, incluindo os que sustentam a proposta e decisão de exclusão da sua candidatura.