Quantos são e quanto valem os imóveis do Estado? Para a primeira pergunta há várias respostas possíveis, consoante o registo consultado. Já para a segunda, não há qualquer resposta.

Onze anos depois de ter sido lançado um sistema para fazer levantamento do edificado do Estado (incluindo empresas públicas, fundos e serviços autónomos e autarquias), a maioria dos objetivos não foi alcançada, conclui uma auditoria do Tribunal de Contas à inventariação do património imobiliário do Estado. E uma das áreas mais prejudicadas pela inexistência de uma plataforma eficaz de gestão do imobiliário público, considera o Tribunal de Contas, é a política de habitação, dando como exemplo o Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado (FNRE).

Este instrumento foi criado no primeiro Governo de António Costa para dinamizar o mercado do arrendamento acessível com a mobilização de imóveis do Estado e o investimento do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.  A “seleção de imóveis a afetar ao Fundo Nacional de Reabilitação Urbana, lançado em 2017, não teve em conta a informação residente no sistema, a qual teria revelado, desde logo, que parte desses imóveis não poderiam ser afetos”.

O Governo quis mobilizar património que não estava a ser usado para integrar o Fundo, tendo identificado 62 imóveis nos diplomas que aprovaram os planos de reabilitação para arrendamento e requalificação para habitação de estudantes. A auditoria revela que a Direção-Geral do Tesouro e Finanças, gestora de 44 destes imóveis, não deu aval a esta integração, tendo mesmo “alertado várias vezes para os problemas que poderiam advir da inclusão de imóveis ocupados ou por regularizar”.

O processo de regularização deste património veio a revelar-se muito moroso e com muitos obstáculos: 15 dos imóveis estavam ocupados ou arrendados, apesar de mais de metade estarem registados como disponíveis ou devolutos, 16 eram inadequados ou inviáveis do ponto de vista financeiro e 25 exigiam a reformulação do plano de negócios para serem viáveis.

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O estado de degradação de parte dos património afeto a este fundo –bem como a necessidade de realização de obras significativas – é a principal razão apontada para a inexistência de qualquer imóvel reabilitado e colocado no mercado, pelo menos até ao verão. A necessidade de intervenções profundas elevou os custos da reabilitação, pondo em causa a taxa de rentabilidade que estava comprometida com o investidor, o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, e os projetos caíram ou tiverem de ser revistos.

Imóveis em mau estado, obras caras e a “odisseia de papel” que tramou o Fundo de Reabilitação Urbana

Quantos imóveis tem o Estado? Depende da fonte

De acordo com o Sistema de Informação dos Imóveis do Estado (SIIE), estavam identificados 9.495 imóveis afetos ao domínio privado do Estado no final de 2019. Mas de acordo com a base de dados do registo predial, eram 18.761. Já na inscrição matricial sob a tutela da Autoridade Tributária podem-se contar 62.597.

A criação deste programa de gestão do património imobiliário do Estado, que funcionou entre 2009 e 2012,  foi acompanhada do lançamento de uma plataforma para inventariar os ativos imobiliários para o qual foram definidas metas. “Porém, decorridos 11 anos, os objetivos definidos não foram atingidos: a inventariação dos bens do domínio público não chegou a iniciar-se e a dos bens do domínio privado do Estado e dos institutos públicos apresentou resultados muito aquém das metas definidas”.

O Tribunal refere que a maioria dos objetivos não foram cumpridos, destacando:

  • A inventariação dos bens de domínio público que não chegou a ser iniciada, nem implementado um regime de exploração económica e financeira.
  • A inventariação dos bens de domínio privado do Estado e institutos públicos, com a conclusão prevista para o final de 2012, ficou muito aquém.
  • O inventário dos imóveis militares ficou a aguardar um diploma distinto que não foi aprovado.

Em 2017 (já no Governo liderado por António Costa), refere o Tribunal, entraram em vigor procedimentos extraordinários para regularizar e registar imóveis, mas isso não foi suficiente para regularizar e compatibilizar os vários registos. A auditoria reconhece o esforço das entidades envolvidas — a Autoridade Tributária, o Instituto de Registo e Notariados, a Direção-Geral do Tesouro e Finança e a empresa pública Estamo — mas persistem insuficientes informações sobre o património imobiliário do Estado, para o qual contribui “o nível de escassez de recursos humanos afetados a este processo”. Aliás, o reforço de recursos humanos para a elaborar um inventário geral, bem como as variações ocorridas anualmente, é a primeira recomendação desta auditoria que defende também a revisão dos procedimentos para registar e atualizar e validar os dados sobre o parque edificado do Estado.

Sobre o Sistema de Informação dos Imóveis do Estado (SIIE), o Tribunal de Contas indica ainda que a informação que consta atualmente deste instrumento não permite conhecer o universo de imóveis, dando vários exemplos de falhas:

  • Imóveis vendidos, mas não abatidos ao stock registado
  • imóveis não registados e imóveis que, estando registados não têm identificado o respetivo titular (8,3%).

Para além da informação completa e errada, os procedimentos de controlo são frágeis e por vezes a informação que existe não é utilizada na gestão destes ativos. Entre outras as dificuldades identificadas no processo de regularização jurídica dos imóveis estão a inexistência de títulos que comprovem a propriedade do Estado e a desconformidade entre a caracterização do edifício feitas nos vários registos.

Sobre a valorização dos imóveis, o Tribunal de Contas indica que o SIIE, a plataforma criada para permitir a inventariação não prevê campos para inscrever dados que permitam distinguir os imóveis que têm em curso processos de venda, para classificar o uso e função dos imóveis, nem para identificar o modelo de valorização.

Apesar dos vários campos para tratar de dados relativos ao valor destes ativos, o sistema não permite quantificar imparidades (perdas de valor) nem indicar se o ativo está classificado como para venda. Também não permite ver compromissos contratuais para aquisição, restrições de titularidade e obrigações contratuais de compra, construção, investimento ou reparação. São também sinalizadas falhas no que diz respeito à atualização dos dados relativos a cada imóvel.