A instabilidade provocada pela pandemia atinge o mundo da moda há quase um ano. Ainda assim, foi com relativa certeza que Miguel Vieira, veterano do design português com mais de 30 anos de carreira, fez planos para voltar a marcar presença no calendário oficial da semana da moda masculina de Milão. A região pode não fazer manchetes como em março e abril de 2020, mas as restrições para conter a propagação do vírus continuam a condicionar a indústria — o desfile da Dolce & Gabbana não aconteceu, enquanto outras marcas optaram por transmitir apresentações pré-gravadas.

Também Vieira assegurou a participação com um desfile gravado em Milão, durante a última semana. Na manhã deste sábado, a coleção foi por fim revelada. Para o próximo inverno, o criador dá continuidade à fluidez de género que tem explorado nas últimas estações, combinando-a com os moldes clássicos da alfaiataria. Nesta proposta rica para o guarda-roupa masculino — onde predomina o preto e tonalidades noturnas de verde e azul — o designer encontra várias peças que podem também ser usadas por mulheres.

“Fazer um desfile é algo que me seduz”, começa por admitir em conversa com o Observador, em vésperas de gravar o desfile, no centro da cidade. Por essa altura, a coleção tinha acabado de chegar, empatada pela tempestade Filomena quando atravessava Espanha. “Gosto de receber as pessoas, de seccionar os convidados pelas filas, de fazer uma festa no final… Neste momento, não é possível e isso torna tudo muito mais trabalhoso”, continua.

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Condicionado no casting — as restrições nos voos fazem com que muitos manequins não possam viajar até Itália –, avançou como pôde, conciliando regras impostas de distanciamento e uso de máscara. Curiosamente, nenhuma delas enfraquece o feito. Miguel Vieira é o único criador português a integrar o calendário. Rodeado de marcas e designers italianos, sente falta do reconhecimento do seu país. “Luto para levar o nome de Portugal além fronteiras. Muitos já teriam desistido, outros aguentam dois, dez, 20 anos. No mínimo, devia haver um cumprimento”, desabafa.

David Catalán, um designer com sorte

No dia em que Miguel Vieira apresentou as suas propostas para o outono-inverno 2020/21, seguiu-se o desfile virtual de David Catalán, designer espanhol radicado em Portugal que pegou naquelas que são as linhas mestras da marca homónima e fez da nova coleção uma espécie de best of. “Melhorei alguns moldes e selecionei cores neutras e tecidos mais acolhedores”, explica ao Observador, refletindo sobre os efeitos do próprio confinamento na construção e acabamento das peças. O workwear e o clássico fundem-se, por esta altura com atenção redobrada ao conforto. Tempo também para novos detalhes — apontamentos de veludo nas gangas e tie-dyes feitos à mão.

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Também no caso de Catalán, os contratempos acumularam-se. “Tem sido difícil, uma das fábricas entrou em isolamento profilático, tivemos de trabalhar no sábado e no domingo, antes de virmos. Mas no final conseguimos tudo”, relata. Ainda assim, a marca tem contornado as dificuldades que assolam o mercado. “Tive sorte, as minhas encomendas não foram canceladas”, remata. Com Estados Unidos, China e Coreia do Sul na lista de principais clientes, o designer voltou a Milão com o apoio do Portugal Fashion, o primeiro passo para assegurar que a “sorte” dura até ao próximo inverno.

Na fotogaleria, veja as imagens dos desfiles de Miguel Vieira e David Catalán em Milão.