O resultado positivo antes de dois testes negativos (e outro, uns dias depois) do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, devolveu ao quotidiano um tema e uma expressão que foi ouvida várias vezes sobretudo no início da pandemia mas que entretanto deixara de ser abordada: os “falsos positivos”. Para começar, porque é bem mais provável encontrar um “falso negativo” do que um “falso positivo”. Depois, porque é raro que aconteça. E foi isso que se percebeu das opiniões dos vários especialistas ouvidos pelo Observador nesse âmbito. “A probabilidade de um falso positivo é muitíssimo pequena. É mais provável um falso negativo do que um falso positivo. É por isso que não recomendamos fazer um novo teste depois de se ter tido um teste [PCR] positivo, porque aumenta o risco de ter um teste falso negativo”, explicou então Vasco Ricoca Peixoto, médico interno de Saúde Pública.
Esta semana, mais concretamente esta segunda-feira à tarde, o tema voltou à discussão pelos casos de Sporar e Nuno Mendes, do Sporting. João Pedro Araújo, diretor clínico dos leões, explicou em conferência de imprensa os passos de todo o processo que levou à conclusão de que existiam “falsos positivos”, sendo que, sabe o Observador, no domingo já eram conhecidos esses resultados negativos – tanto é que, na manhã de segunda-feira quando houve o teste positivo de Bruno Tabata, algumas fontes já abriam a porta à possibilidade de pelo menos Nuno Mendes poder entrar nas contas de Rúben Amorim. No entanto, existem ainda pontas soltas nesta “novela”.
A versão do Sporting e a ameaça deixada pelo FC Porto
“Ambos os atletas [Nuno Mendes e Sporar] testaram positivo na passada quarta-feira, no teste PCR que antecedeu a jornada 14 da Primeira Liga. O Sporting sempre cumpriu e cumprirá os planos de testagem protocolados, tendo até implementado medidas adicionais, com a introdução de rastreios internos, com testes rápidos. Em virtude da dissonância dos testes realizados internamente e os testes PCR, foram realizados mais dois testes PCR noutros dois outros laboratórios distintos, dia 15 e dia 16. Ambos os resultados foram negativos, pelo que se pode concluir que os resultados que antecederam a partida com o Rio Ave foram falsos positivos”, começou por dizer João Pedro Araújo, diretor clínico, na conferência de imprensa realizada no Estádio José Alvalade.
“A direção clínica quer deixar bem claro que reconhece o extremo valor destes testes no combate à pandemia. Errar é bastante raro. Pode haver contaminações da amostra, quer durante a recolha, quer durante o processamento da mesma. É com mágoa que registamos este erro, porque obrigou, de forma errada, a privar a sua equipa técnica de privar o seu plantel do jogo frente ao Rio Ave. Quero agradecer às autoridades de saúde e laboratórios pela célere resposta, esperando que ambos possam estar disponíveis para serem utilizados”, acrescentou.
Na sequência de duas críticas de Francisco J. Marques, diretor de comunicação do FC Porto, na sua conta oficial do Twitter, onde chegou mesmo a levantar a possibilidade de haver um “boicote” dos dragões ao encontro caso Nuno Mendes e Sporar fossem mesmo a jogo, o clube azul e branco reagiu também em comunicado oficial. “Em causa o atentado à saúde pública anunciado pelo Sporting (…) Esta tarde [de segunda-feira], o Sporting anunciou que os dois atletas estarão em condições de enfrentar o FC Porto já amanhã, em jogo da Taça da Liga, o que significa que não cumprirão os dez dias de isolamento que são obrigatórios para quem testou positivo para Covid-19, de acordo com o protocolo da Direção-Geral da Saúde assinado pela diretora-geral Graça Freitas”, referiu.
“Esta antecipação em seis dias do fim do isolamento dos dois jogadores do Sporting é um crime público, inaceitável numa altura em que Portugal é líder mundial do número de novos casos de Covid-19 por milhão de habitantes e numa fase em que todos os dias se bate o recorde nacional de mortes por esta doença. E é ainda mais incompreensível por ser cometido por um clube presidido por um médico. O FC Porto comunicou esta situação à Liga e à Direção-Geral da Saúde e vai participá-la à Ordem dos Médicos, na expectativa de que as autoridades façam cumprir a lei, sob pena de ter de repensar a participação na Final Four da Taça da Liga, para defesa de todos os intervenientes. É uma questão de saúde pública”, acrescentou ainda a missiva dos dragões.
“O doutor João Pedro Araújo disse que o Sporting tomou medidas adicionais. É com estranheza que, quando recebemos os testes, havia jogadores infetados e sem sintomas. Fomos pedir segundas e terceiras opiniões e não pedimos passados dois e três meses; pedimos no imediato. Os resultados demoram a chegar. Não é preciso o FC Porto ir falar com a DGS ou com a Liga, porque o Sporting já o fez, já deu os elementos a quem de direito. Para além das pressões e ameaças pública… Existiu um erro, o laboratório já admitiu esse erro, temos a prova, mas alguém no Norte quer que continuemos a ser prejudicados porque acordou mal disposto. Continuam a incendiar o futebol português, um chorrilho de mentiras, a adotar uma posição irresponsável. O FC Porto quer continuar a insistir na mentira, com um comunicado que é um atentado à inteligência”, respondeu o Sporting numa primeira reação de Miguel Braga, diretor de comunicação dos leões, ao canal do clube.
Unilabs recusa “falsos positivos”, Sporting pede todos os testes na Liga
Numa primeira reação à conferência de imprensa, em declarações ao jornal O Jogo, António Maia Gonçalves, diretor clínico da Unilabs, empresa responsável pelas centenas e centenas de testes feitos na Primeira Liga, começou por dar uma outra versão dizendo que “não há nenhuma assunção de erro, porque não há erro”.
“Assinei os testes como positivos. Tudo o que se passou depois daí não faço ideia. Não fomos contactados. O controlo epidemiológico é tão importante que quando sai o resultado, entra logo na base de dados. Quando há erro numa análise, há a obrigatoriedade de uma declaração num formulário da DGS, o SINAV LAB. Quando um laboratório comete um erro tem de pedir à DGS para alterar. Não houve nenhum pedido de alteração na base de dados para os casos do Sporting que declaramos como positivos. O que costuma acontecer, e é eticamente correto, é que quando uma entidade que tem médicos ao barulho, como o Sporting, desconfia de um positivo, seja porque o jogador é assintomático, pelo contexto, porque o resultado foi inesperado, o médico do clube liga a dizer para se repetir o teste. Ninguém no Sporting o pediu”, começou por referir numa crítica aos leões.
“O Sporting tem feito os testes connosco. Sei que foram positivos e depois foram fazer testes noutros laboratórios distintos. Da nossa parte não há nenhuma assunção de erro, porque não há erro. Assinei os testes como positivos. Tudo o que se passou depois daí não faço ideia. Não fomos contactados. Os problemas que há não são das colheitas. O teste tem uma sensibilidade à volta dos 90%. Há 10% de falsos negativos e há 2/3% de falsos positivos. Os testes nunca têm fiabilidade de 100%. Na medicina, só o raio-x tem 100% de fiabilidade. Temos 170 pessoas a morrer por dia, tudo o que temos para lutar contra este vírus é a vacina, os testes e o confinamento. Estar a pôr em causa a fiabilidade dos testes é muito mau. Não imaginam o que é ver pessoas a morrer, algumas sem poderem ser visitadas pelos médicos. Colocar isto em causa é muito mau”, completou Maia Gonçalves.
“Os resultados desses testes foram negativos, o que confirmou a convicção do Sporting de que os primeiros resultados seriam ‘falsos positivos’. Na posse desses resultados, o Sporting contactou, nos termos regulamentares, a Autoridade de Saúde Territorialmente competente e o laboratório responsável pela realização daqueles exames. Tanto o laboratório em causa como a Autoridade de Saúde Territorialmente competente reconheceram que, em função dos novos exames, os dois atletas em causa estavam em condições de ser considerados aptos para o jogo, sendo que, no momento atual, nenhum dos jogadores em causa consta da Plataforma oficial de identificação de casos positivos à Covid-19. A atuação célere e responsável da Autoridade de Saúde deve ser enaltecida, pois permitiu repor uma flagrante injustiça – à semelhança, aliás, do que já havia sucedido com situação idêntica com outro jogador participante na Liga NOS”, defendeu a formação verde e branca.
“Ao, ameaçar, bem sabendo que se trata de ameaça vã, ‘repensar a participação na Final Four da Taça da Liga’, a FCP SAD apenas pretende que dois falsos positivos continuem a falsear a verdade desportiva. A Sporting SAD não cederá a essas pressões e apela à Direção da Liga de Portugal para que faça o mesmo. Simultaneamente, a Sporting SAD exigirá à Direcção da Liga para que, tanto de ora em diante, como relativamente aos jogos já disputados, solicite a todos as SAD participantes o envio de cópias de todos os exames efetuados a todos os jogadores convocados por cada uma das SAD. Só com essa centralização se assegurará a transparência do sistema”, acrescentou ainda o comunicado emitido ao final da noite de segunda-feira.
O email recebido pelo Sporting e um novo esclarecimento da Unilabs
As declarações de António Maia Gonçalves já tinham sido refutadas pelos responsáveis leoninos no comunicado emitido ao final da noite de segunda-feira mas o clube continuava a querer mais esclarecimentos, sobretudo uma explicação depois de ter recebido um email, recebido pelos leões como foi confirmado pelo Observador. que terminava da seguinte forma. “Assumiu-se por isso clínica e laboratorialmente que se trataram de falsos positivos, num trabalho conjunto entre as equipas clínicas do Sporting CP, da Unilabs e com a DGS”. No entanto, e mais uma vez, a versão do laboratório, desta vez ao jornal Record, acabou por não ser bem na mesma linha.
“Os testes efetuados pela Unilabs Portugal são executados com os mais elevados padrões de qualidade internacional, sendo o nosso laboratório em Portugal uma das referências a nível europeu, fazendo testes em Portugal para vários países europeus. O processo utilizado, RT-PCR, possui marcação CE-IVD, aprovação FDA e pesquisa os genes Rd, Rp e N do vírus, exclusivas do SARS-COV-2. A metodologia é avaliada por controlo interno da amostra, controlo positivo e controlo negativo, como forma de controlar a qualidade do processo. Regularmente o laboratório realiza testes de controlo de qualidade externa promovidos pelo Instituto Ricardo Jorge (INSA) e pelo INSTAND (Alemanha) obtendo sempre a classificação máxima”, reforçou fonte da Unilabs.
“No caso trazido a público pelo Sporting, mantemos que não houve qualquer erro laboratorial nas amostras processadas pela Unilabs Portugal, que tem vindo a trabalhar com o SCP há vários meses. Recordamos que os falsos positivos, bem como os falsos negativos, são uma realidade estatística decorrente da sensibilidade e especificidade inerente aos testes. Os falsos positivos são raros e esporádicos mas mais frequentes em indivíduos alvo de testagem regular. Um resultado que possa ser considerado com um falso positivo não é um erro laboratorial é uma decisão clínica, que envolve diversas variáveis e informação médica para lá dos resultados laboratoriais”, acrescentou a mesma fonte que falou ao jornal desportivo ao início da tarde.
No entanto, e apesar de nunca ter havido uma informação oficial que dissesse que Nuno Mendes e Sporar não podiam jogar com o FC Porto, o email pedido pela DGS à Unilabs (que não tinha sido requerido antes, neste caso pela autoridade regional) pedindo para que, em vez de “falsos positivos”, houvesse o reconhecimento de um erro no resultado acabou por nunca aparecer e a dupla voltou a ficar fora das opções de Rúben Amorim.
Varandas anuncia queixa à Ordem do diretor clínico da Unilabs
No final da partida, e depois de algumas fontes contactadas pelo Observador terem apenas confirmado que Nuno Mendes e Sporar não jogaram por estarem impedidos pela DGS, Frederico Varandas, presidente do Sporting e também ele médico (agora no ativo porque o país está em estado de emergência), explicou outros pormenores de todo o filme e anunciou que vai apresentar com os restantes médicos da formação verde e branca uma queixa à Ordem dos Médicos do diretor clínico da Unilabs depois de várias “coincidências” que foi registando.
“O Sporting segue escrupulosamente o protocolo acordado pela Liga, que por sua vez foi feito com a DGS, e o Sporting vai mais além e faz testes diários de controlo antigénio. Pela primeira vez, desde agosto, que os resultados não bateram certo com os testes PCR. Recebemos a notificação e os jogadores [Nuno Mendes e Sporar] ficaram privados de serem utilizados com o Rio Ave. Os jogadores fizeram mais dois testes, mais dois de antigénios e deram sempre negativos. Eu sou médico e posso afirmar que os jogadores não têm Covid. Entrámos em contacto com o laboratório Unilabs, foi enviada toda a documentação e o próprio diretor clínico afirmou que se tratavam de falsos positivos, mostrando-se disponível para enviar a documentação. Numa amostra de 30 testes, o Sporting teve dois positivos. É muito azar mas aceitamos isso, acontece. Quando falámos com o diretor clínico do laboratório, a possibilidade de 1% quer dizer que em cada 100 testes existe, pelo menos, um falso positivo. Consequência disso, frente ao Rio Ave, fomos privados de usar os dois jogadores”, começou por dizer.
“Para espanto meu, no dia seguinte de manhã, já com a informação de todos os testes documentados, com o email do diretor clínico onde afirma que os jogadores tiveram dois testes falsos, remetemos toda a documentação e a Autoridade Regional de Saúde [ARS] autorizou a utilização dos jogadores. Com o número de casos a aumentar, é normal que hajam mais falsos positivos. Mas, dentro de muitos azares, existem coisas estranhas também. A delegada da ARS quando vai para liberar os jogadores do SINAVE deteta que o Nuno Mendes nem sequer esteve inserido no SINAVE. Por isso, nunca houve razão nenhuma para Nuno Mendes não ter sido convocado para o jogo com o Rio Ave, ao contrário de Sporar que tinha sido registado”, pormenorizou.
“A ARS assumiu que o caso foi muito estranho mas aconteceu. Temos provas documentais de que isto aconteceu, de que Nuno Mendes não estava inserido no SINAVE. Posto isto, a ARS liberta o Sporar e temos a notificação de que os jogadores podem treinar e jogar. Acontece que, a partir de hoje [terça-feira] de manhã, o documento que era necessário, onde o laboratório afirmava que falsos positivos, já não chegava para a DGS. Queriam que o laboratório emitisse um documento onde tivesse escrito que tinha havia um erro. A DGS enviou então um email a pedir para mudar o conteúdo, a palavra, de falso positivo para erro. Até agora a resposta não chegou. O jogo já decorreu”, explicou, a propósito do motivo que levou à ausência dos dois jogadores no clássico.
“Há só um pormenor que eu não tolero nem admito. Podem dizer que o Sporting joga mal ou que joga pouco mas há uma coisa que não admito: porem em causa a honestidade do corpo clínico e dos médicos que trabalham no Sporting. Vamos fazer uma queixa na Ordem dos Médicos do diretor clínico da Unilabs que, infelizmente, li que disse que não havia problema nenhum e que nem sequer tinha sido contactado. Pena que temos um email às 17 horas de hoje desse mesmo senhor. Volto a dizer, eu não negoceio valores, sejam presidentes, colegas, seja quem com for. Por fim, que já é tarde, vou abandonar este patético mundo de Covid porque dentro de poucas horas vou entrar num banco durante 24 horas para tratar doentes de Covid reais”, concluiu.
“A Direção-Geral da Saúde (DGS) informa que, à data, a investigação epidemiológica de COVID-19, incluindo os inquéritos epidemiológicos e a avaliação de risco no que respeita a clubes de futebol, é da responsabilidade da Autoridade de Saúde territorialmente competente, tal como previsto na Norma 015/2020, na Orientação 036/2020, e demais enquadramento técnico-normativo da DGS. Concretamente no que respeita aos dois jogadores do Sporting que terão tido um resultado positivo, a Autoridade de Saúde territorialmente competente, a quem cabe determinar as medidas, solicitou por escrito ao diretor médico da Unilabs-Portugal informação sobre se os resultados analíticos dos dois jogadores que estavam a ser avaliados constituíam falsos positivos, não tendo obtido resposta em tempo útil”, esclareceu a DGS na manhã de quarta-feira seguinte em comunicado.