Não é muito normal encontrar no discurso de Jorge Jesus a palavra “impotência”. Seja na palavra, seja na atitude, o treinador foi aprendendo ao longo de 30 anos da carreira iniciada no Amora a transformar fraquezas em forças, carências em abundância, problemas em soluções. Nem sempre ganhava, é certo, mas conseguia através da parte tática e das adaptações montar equipas que não só potenciassem os seus pontos fortes como fizessem disso a melhor forma de disfarçar eventuais fraquezas. Nas últimas duas semanas, e por mais do que uma vez, o treinador utilizou a palavra “impotência” que quis disfarçar na atitude. Sem sucesso. Até porque, ao longo de 30 anos da carreira iniciada no Amora, nunca teve de enfrentar problemas e desafios como aqueles que teve agora.
Primeiro, e numa fase inicial, os casos que se foram sucedendo entre o final de dezembro e o início de janeiro. Aí, o treinador não contou com o máximo de sete jogadores ao mesmo tempo mas, mais do que isso, frisou sempre que a paragem por dez dias dos infetados “obrigava” a que houvesse depois um período de retoma até à plenitude do ponto físico que tinham até à paragem. Depois, e mais recentemente, o surto que assolou o Seixal, com mais dez jogadores infetados entre quase 30 elementos de presidente a equipa técnica, passando por vários elementos do staff – e também a incerteza criada com a possibilidade de haver mais casos e a necessidade de haver treinos com o grupo separado. Agora, a situação do próprio Jesus, que após vários dias com sintomas como febre, alguma tosse e dores no corpo testando sempre negativo à Covid-19 viu confirmada uma infeção respiratória ainda com origem por determinar que o afastou do banco (contra a vontade do próprio) depois dos treinos.
Era neste contexto que, à semelhança do que já tinha acontecido no Flamengo numa deslocação à Bahia, João de Deus ocupava o lugar de Jesus como treinador principal (na altura por castigo). E tinha, também de acordo com as informações passadas pelo número 1 da equipa técnica, a missão de corrigir os erros cometidos frente ao Nacional para quebrar uma série de três jogos seguidos sem ganhar, entre Liga e Taça da Liga. Tão ou mais importante do que isso, a missão de garantir uma outra estabilidade em vantagem que faltou nos últimos jogos na Liga.
“Precisávamos muito de ganhar este jogo com o Nacional, por vários motivos. Não só para não ficarmos atrás dos nossos rivais mas também todo o ambiente que tem girado à volta da equipa. A equipa fez o suficiente para ter vencido, sem fazer um grande jogo, porque também não esperava um grande jogo, mas fez o suficiente (…) O futebol é cruel. Estás a ganhar, tens de matar o jogo, não podes sofrer golos fáceis como este. A inexperiência paga-se caro e foi isso que aconteceu no jogo”, comentou Jesus no final da igualdade com o Nacional, projetando também aquilo que falhou frente aos insulares e que teria de ser corrigido. E que não ficava apenas por aí.
Mesmo sem vários jogadores que potencialmente seriam titulares, incluindo Vlachodimos e Everton que estariam a treinar até à véspera do jogo com os titulares mas que saíram das opções após testarem positivo à Covid-19, os encarnados conseguiram ter uma entrada asfixiante, a jogar no meio-campo dos insulares, a marcarem dois golos com um a ser anulado pelo VAR, a condicionarem por completo as saídas dos insulares. Depois, e passados apenas 15 minutos, tudo mudou: o ataque criou apenas uma ocasião flagrante e já no final, houve pouca velocidade, má exploração da profundidade e incapacidade de criar espaços entre linhas para os falsos alas ou um dos avançados. O Nacional empatou apenas na sequência de um canto mas se a defesa e a transição defensiva estiveram num bom plano, foi no habitualmente mais forte ataque que a máquina emperrou. E desbloquear esse ponto surgia como a chave para o Benfica chegar às meias-finais da Taça de Portugal, onde iria defrontar o Estoril.
Entre (demasiados) erros da defesa do Belenenses SAD, o Benfica chegou à vantagem, marcou dois golos em cinco minutos e decidiu praticamente aí um jogo que teve depois pouca história. Recordando uma das várias expressões típicas de Jesus nos treinos que tanto gosta de orientar e nesta fase está impedido de fazê-lo, quando são feitas combinações ofensivas rápidas e ao primeiro/segundo toque e fica a aplaudir dizendo que “parece bilhar”, as águias não tiveram ainda esses momentos de maior inspiração como chegou a haver no início da época (em Famalicão ou em Vila do Conde, por exemplo) mas, aproveitando um lance às três tabelas, partiram para uma exibição segura e com alguma gestão à mistura pensando no dérbi em Alvalade na segunda-feira, carimbando a passagem às meias e quebrando a série de jogos sem vitórias entre FC Porto, Sp. Braga e Nacional de forma natural. Rafa, esse, foi o maior destaque. Porque quando joga assim, em velocidade, aproveitando espaços entre linhas e fazendo aquela diagonais que ou dão assistência ou “tiram” faltas e amarelos, é o melhor intérprete do “bilhar” de Jesus.
Com cinco regressos à equipa, entre os quais quatro recuperados de Covid-19 (Gilberto, Vertonghen, Grimaldo e Waldschmidt) e um por opção (Gabriel), os primeiros dez minutos não tiveram oportunidades mas mostraram o bom e o mau no Benfica frente ao Belenenses SAD: quando os azuis conseguiam bloquear a saída de bola logo à entrada na área, roubando linhas de passe para haver ligação entre setores, os encarnados sentiam dificuldades em posse; quando os encarnados superavam essa fase e conseguiam colocar a bola nas unidades mais avançadas, os azuis sentiam grandes dificuldades perante a mobilidade dos atacantes contrários. Ainda assim, e no seguimento de uma saída atenta de André Moreira, foi Cassierra que deixou o primeiro sinal de perigo, conduzindo um contra-ataque 2×1 com remate em vez de assistência para Miguel Cardoso que Svilar conseguiu defender (13′).
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A partir daí, não mais o Belenenses SAD chegou com perigo ao último terço, caindo depois numa série de erros próprios que vieram materializar o maior domínio do Benfica, com as diagonais em velocidade de Rafa a fazerem a diferença em paralelo com as subidas em posse de Taarabt e os movimentos de Darwin Núñez e Waldschmidt (que no primeiro tempo falhou algumas bolas fáceis depois do mérito de ser o único a pedir bola no espaço e não no pé). O primeiro golo, esse, foi digno dos “apanhados”: Gonçalo Silva atrasou de cabeça com força a menos, André Moreira saiu da baliza para tentar corrigir a situação, o desvio acabou por bater no defesa e Darwin Núñez só teve de encostar sozinho para a baliza (32′). E o segundo, tendo menos de Monty Phyton, foi também consentido pelos azuis, com Jardel a desviar ao segundo poste um canto na esquerda de Grimaldo e Rafa, saindo de trás, a ser mais rápido no lado contrário para tocar na pequena área para o 2-0 com que se chegaria ao intervalo (37′).
Para a segunda parte, João de Deus começou por lançar Pizzi no lugar de Waldschmidt e trocou depois Weigl por Gabriel. Durante 25 minutos, o jogo resumiu-se apenas à incapacidade do Belenenses SAD em chegar à área contrária e aos vários últimos passes do Benfica que não foram entrando para finalização. A primeira vez que isso aconteceu, deu golo: Pizzi abriu na direita para Rafa após mais uma perda dos azuis a meio-campo, o avançado fez a diagonal para dentro, colocou no espaço e Cervi, vindo de trás, picou por cima de André Moreira para o 3-0 (72′). Estava feito o resultado final entre mais uma oportunidade do recém entrado Chiquinho na noite em que Rafa voltou a ser o principal dínamo atacante do Benfica e Cervi pode ter feito a despedida da Luz.