Alterações climáticas e uma “melhoria significativa” no ambiente terão contribuído para um “crescimento exponencial” das últimas populações ibéricas de caçadores-recoletores junto ao estuário do Tejo, concluiu um estudo das universidades do Algarve e de Alicante (Espanha).
João Cascalheira, investigador da Universidade do Algarve (UAlg), disse à agência Lusa que o objetivo do estudo foi analisar a influência das alterações climáticas na demografia das últimas populações de caçadores-recoletores da Península Ibérica e os dados das datações por radiocarbono mostraram que, após o “último máximo glacial, um dos períodos mais frios”, há 18.000 anos, terá havido “um crescimento exponencial da população”.
O investigador da UAlg disse que o crescimento populacional verificou-se “até há cerca de 12.000 anos” e depois “parece haver um decréscimo na população”, causado “provavelmente” por “um período mais frio, mais árido que teve “reflexos nos recursos disponíveis”, e a população só voltaria a aumentar “com a entrada do holocénico, há volta de 10.000 anos”, devido a “melhorias significativas” no clima e no ambiente.
“E durante esta parte do holocénico temos um dos picos mais importantes, há cerca de 8.000 anos atrás, que está não só relacionado com alterações climáticas, mas também com o tipo de dieta e a própria localização dos sítios onde estas pessoas habitavam”, realçou.
Segundo o investigador, “as alterações climáticas e ambientais levaram a uma maior produtividade dos ecossistemas, principalmente os de água salgada”, e essas populações instalaram-se onde era “mais fácil” a extração de “conchas marinhas ou peixes”, como o estuário do Tejo, “que então estava localizado mais a norte”.
Esta melhoria do clima e disponibilidade de recursos fez com que “a população crescesse significativamente, a um nível estimado à volta de 0,6 por cento por ano, o que para sociedades de caçadores-recoletores é bastante elevado”, quantificou.
João Cascalheira situou este “grande crescimento populacional” de “até há 8.000 anos” na área que hoje está “perto de Salvaterra de Magos” e pertence ao “grande complexo mesolítico dos Concheiros de Muge”, mas sublinhou que então o estuário do rio Tejo “teria água salgada até muito mais a norte” do que acontece na atualidade.
“Após este crescimento de há 8.000 anos, estas populações desaparecem do registo arqueológico”, acrescentou o investigador, frisando que o estudo abre portas para, no futuro, perceber “o que levou ao colapso deste modo de vida e ao aparecimento de outros estilos de vida e culturas” e entender “determinados eventos” que não “gostaríamos de ver repetir” no presente, por influência de alterações climáticas adversas.
O investigador da Universidade do Algarve referiu que o estudo foi realizado com um financiamento atribuído ao investigador Javier Lopez Pablo, da Universidade de Alicante, e permitiu “avaliar o impacto das ações climáticas na adaptação dos últimos caçadores-recoletores na Península Ibérica”, com base em “estudos por cada região (sul, oeste, este, etc)” para “reconstruir” as “dinâmicas demográficas” dessas populações.
“Com essas idades [obtidas pela datação por radiocarbono), o que nós fizemos, utilizando uma série de abordagens estatísticas diferentes, foi calcular as densidades populacionais relativas, porque nunca conseguimos chegar ao número efetivo de pessoas, conseguimos é ver se há mais pessoas num determinado momento e menos noutro, numa determinada região”, referiu o investigador.
João Cascalheira explicou que a análise dos dados de radiocarbono, obtidos em vestígios de lenha, de conchas, restos de animais ou de enterramentos humanos, permitiu ver como os caçadores-recoletores, “que habitaram Portugal entre há cerca de 18.000 anos e 8.000 anos, se comportaram do ponto de vista demográfico, tendo em conta os vários impactos climáticos que foram acontecendo”.
O investigador da universidade algarvia sublinhou que, durante esse período, as alterações climáticas “foram bastante importantes”, na passagem “da idade do gelo para o período holocénico”, e trouxeram “características muito mais amenas”.