Anunciado como decisão final há três anos — e depois de mais de 50 anos de discussão, como destacou António Costa — o projeto de um aeroporto complementar no Montijo para reforçar a capacidade do aeroporto de Lisboa, caiu esta terça-feira às mãos do regulador. Mas voltou poucas horas depois pela mão do Governo e inserido numa avaliação ambiental estratégica que recupera a opção do Campo de Tiro de Alcochete. E desta vez, com o apoio do PSD, podem estar reunidas as condições que faltavam para avançar com a estrutura no Montijo, que até pode vir a ser o principal aeroporto da capital,

Porque “chumbou” o projeto no regulador?

Ao final da manhã, a ANAC (Autoridade Nacional de Aviação Civil) anuncia que indeferiu o pedido de apreciação prévia da viabilidade da construção do aeroporto na base militar do Montijo pedida pela ANA — Aeroportos de Portugal, numa solução que tinha sido acordada e apoiada pelo Governo. Esta foi a consequência dos pareceres negativos dados por duas das cinco câmaras que o regulador considerou que seriam as diretamente atingidas pela estrutura, quer em termos operacionais, quer em termos ambientais. Com esses pareceres, o regulador não tinha margem para fazer outra coisa. Das outras três, Barreiro e Montijo (do PS) disseram sim, Alcochete não fez parecer.

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O pedido da ANA chegou à ANAC depois de o projeto ter recebido uma Declaração de Impacte Ambiental (DIA) favorável, mas condicionada, e com muitos ataques.

O chumbo era esperado?

Sim. Tinha sido pré-anunciado, se bem que o timing do anúncio possa ter surpreendido. As autarquias lideradas pelo Partido Comunista — Moita e Seixal — disseram claramente que iam votar contra o Montijo porque reivindicavam, tal como os comunistas sempre fizeram, a construção de um novo aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete. O ministro das infraestruturas começou por dizer que se fosse preciso mudava-se a lei que dá a uma autarquia o poder para vetar infraestruturas que envolvam outros concelhos. Mas o PSD — que não se opõe ao Montjo, foi no Governo de Passos Coelho que a solução foi definida — tirou o tapete ao Executivo, recusando a viabilizar a alteração de um diploma, à medida de um caso concreto. António Costa ainda chamou os autarcas relutantes para negociar contrapartidas, mas a pandemia parou esse processo.

O projeto do Montijo é uma vítima da pandemia?

Não de forma direta. É certo que o processo negocial com as autarquias travou e que a crise profunda que se instalou no setor do turismo, e na aviação em particular, tiraram o projeto da agenda e a urgência tantas vezes invocada deixou de se fazer sentir. Mas o Governo nunca deixou de defender publicamente o projeto, tendo inclusive, desmentido um comunicado falso que anunciava o seu cancelamento. No entanto, já mais para o final do ano, Pedro Nuno Santos admitiu no Parlamento fazer aquilo que antes o Executivo sempre recusara: uma avaliação ambiental estratégica para comparar  o Montijo com outras alternativas. Esta obrigação foi mesmo imposta ao Governo numa votação do Orçamento do Estado para 2021, mas só agora é materializada.

Após o chumbo como regressa o Montijo?

O Ministério das Infraestruturas anunciou esta tarde que vai promover uma avaliação ambiental estratégica, que há anos era pedida por organizações ambientais e partidos, tendo definido três soluções a comparar. E se uma delas é o Campo de Tiro de Alcochete, as outras duas são Montijo e Montijo. Uma como aeroporto complementar, projeto que estava em curso e para o qual havia uma DIA favorável, e outra como solução dual alternativa “em que o Aeroporto do Montijo adquirirá, progressivamente, o estatuto de aeroporto principal e o Aeroporto Humberto Delgado o de complementar.”

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Ou seja, aproveitando a oportunidade criada pela avaliação ambiental estratégica, o Governo coloca em cima da mesa um novo modelo em que o Montijo evolui para se transformar a prazo no principal aeroporto de Lisboa, com a atual estrutura na Portela a operar como complementar. Esta solução não tinha sido antes estudada e só podia avançar com uma avaliação ambiental estratégica, condição que, segundo o Governo não era indispensável para o aeroporto complementar no Montijo.

Campo de Tiro de Alcochete volta ser opção. Tem hipótese?

Ao incluir o Campo de Tiro de Alcochete na avaliação ambiental estratégica, o Governo parece acolher os apelos e as críticas que ignorou na decisão anterior sobre o reforço da capacidade aeroportuária de Lisboa. Mas há que ter em atenção alguns fatores que podem jogar contra o Campo de Tiro de Alcochete. A começar pela DIA, a autorização ambiental favorável que foi dada há dez anos e que caducou no final do ano passado.

Por outro lado, se no Montijo o Executivo assume sempre o cenário de dois aeroportos, mantendo a Portela, no Campo de Tiro de Alcochete será avaliada a apenas a construção de um novo aeroporto para substituir a atual estrutura do Humberto Delgado. Ora este investimento será muito mais elevado e o Estado pode ser obrigado a entrar com fundos, para além da fatura que esta solução única teria nos acessos a Lisboa — seria provavelmente necessária uma nova travessia no Tejo para o transporte ferroviário, pelo menos.

O tempo de execução, o custo e distância da capital serão fatores que vão contar na comparação. Outro elemento a pesar é a oposição da ANA, detida pelos franceses Vinci, à construção de um novo aeroporto, o que poderá, no limite, acabar no resgate da concessão. Na reação emitida esta terça-feira, a concessionária ANA mostrou-se confiante de que a avaliação ambiental estratégica vai mostrar que “a solução do Montijo será aquela que melhor responderá aos interesses do país.”

Quem vai fazer a comparação? E tomar a decisão final?

Essa é talvez a pergunta importante para a qual não há resposta ainda. Caberá ao Governo escolher a entidade, em princípio uma entidade pública com credibilidade, independência e qualificações técnicas, que vai promover essa avaliação ambiental estratégica. Pode voltar a ser o LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil) que em 2008 fez a avaliação ambiental estratégica que deu numa nota melhor ao Campo de Tiro de Alcochete face à Ota e que levou o Governo a mudar o projeto. O relançado Conselho Superior de Obras Públicas também é hipótese.

Tal como na altura, o Ministério das Infraestruturas sublinha que o Governo se compromete “a respeitar a solução que vier a ser identificada na Avaliação Ambiental Estratégica”. Ainda não se sabe quanto tempo demorar vai este processo, mas poderá ser um ano.

E se ganhar o Montijo?

Essa é claramente a expetativa da ANA — e será também a do Governo, ainda que não a assuma. Com uma avaliação ambiental estratégica independente e fundamentada, muitas das críticas ao Montijo perdem força. As autarquias comunistas ficam com menos argumentos para dar parecer negativo, mas a lei ainda lhes dá esse direito de veto. Só que o Governo fez também saber que vai rever a legislação para “eliminar aquilo que configura, na prática, um poder de veto das autarquias locais sobre o desenvolvimento destas infraestruturas de interesse nacional e estratégico”. E desta vez, o líder do PSD, Rui Rio, já admite viabilizar no Parlamento essa alteração, caso seja posta em causa por pedidos de apreciação parlamentar de outros partidos.

Rui Rio admite dar a mão ao Governo para ultrapassar veto ao novo aeroporto