“Perante todos os acontecimentos que decorreram durante o dia de hoje, das buscas nos escritórios do clube à detenção do antigo presidente do Barcelona e de alguns executivos, desde a candidatura ‘Estimem al Barça’ queríamos dizer que temos o máximo respeito pelas ações judiciais e policiais, assim como o máximo de respeito pela presunção de inocência. Lamentamos profundamente que tenham existido estes acontecimentos que prejudicam e muito a imagem e a reputação do nosso clube”.
Explodiu o “Barçagate”: ex-presidente Bartomeu e CEO do clube detidos depois de buscas em Camp Nou
De fato sem gravata, microfone na lapela e o autocarro da candidatura em fundo, Joan Laporta, antigo presidente dos catalães entre 2003 e 2010 que surge agora como um dos três possíveis líderes a sufrágio este sábado no ato eleitoral do Barcelona (os outros são Victor Font e Toni Freixa), não demorou a deixar uma nota sobre um dos dias mais complicados na história do clube nos últimos anos. Ele, mais do que ninguém, sabe a importância do respeito pela presunção de inocência – algo que não teve por muitos quando foi chamado pela Justiça. Porque ele é mais um dos antigos números 1 do Barça que foi alvo de uma acusação por parte das autoridades e teve de ir a julgamento (e ganhou, após recurso). Mais um nos últimos 50 anos, onde só os líderes interinos “resistiram”.
Agustí Montal Costa: fraude fiscal num grupo de quase 100 empresários
Comecemos por Agustí Montal Costa, economista e empresário catalão ligado à indústria têxtil falecido em 2017 que era também filho de um antigo líder do clube. Após ter sido vice-presidente, assumiu a presidência do clube em 1969, tendo mantido cargo durante oito anos. Ganhou apenas um Campeonato e uma Taça do Rei, ficando mais conhecido por ter sido o líder que contratou Johan Cruyff, o génio que marcaria para sempre a história do futebol blaugrana, e que promoveu o lema Més que un club. Crítico das arbitragens que na sua ótica continuavam a fazer uma discriminação ao clube, demitiu-se e deu lugar a Raimon Carrasco durante alguns meses até haver eleições. Mais tarde, Montal Costa, que liderou várias organizações ligadas aos têxteis, teve uma incursão pela política.
Em 1986, foi acusado enquanto responsável da empresa Montalfita com o irmão e mais 97 empresários catalães de fraude fiscal. O Ministério Público pedia seis anos de prisão para o economista e, no final do julgamento (1994), aceitou a culpa para ficar com apenas 11 meses, evitando cumprir essa mesma pena na cadeia.
Josep Lluís Núñez: suborno de funcionários públicos com pena efetiva
Seguiu-se Josep Lluís Núñez, falecido em 2018, o presidente do Barcelona que esteve mais anos no cargo e que colocou o clube no topo do desporto mundial, não só no futebol onde ganhou 27 títulos (sete Ligas, seis Taças do Rei, duas Taças da Liga, cinco Supertaças, uma Taça dos Clubes Campeões Europeus, quatro Taças dos Vencedores das Taças e duas Supertaças Europeias) mas também nas modalidades de pavilhão. Aumentou de forma muito exponencial o número de associados, fez o Mini Estadi, abriu o Museu, expandiu o Palay Blaugrana onde jogam basquetebol, andebol, hóquei em patins e futsal, comprou os terrenos para a Cidade Desportiva que se tornaria uma das maiores fábricas de talentos a nível mundial e sobretudo deu outra robustez financeira. A saída de Johan Cruyff do comando técnico foi o primeiro sinal de que as coisas não estavam bem, acabando por sair em 2000 após 22 anos na liderança do clube e numa fase onde já tinha de responder a “votos de não confiança” da oposição.
Morreu Josep Lluíz Núñez, o presidente do Barcelona com mais anos no cargo
Em 2011, foi condenado a seis anos de prisão como o filho, José Luis Núñez Navarro, e a pagar uma multa de dois milhões de euros por suborno de funcionários públicos, mais 36.000 euros por falsificação de documentos no Caso Hacienda. O presidente dos catalães declarou-se sempre inocente mas foi considerado culpado de subornos por um milhão de euros para deixar de declarar às finanças um total de mais de 13 milhões. Ainda recorreu ao Supremo Tribunal mas teve mesmo de cumprir pena de prisão, reduzida para pouco mais de dois anos.
Joan Gaspart: indemnização por retardar insolvência da Spanair
Joan Gaspart teve um dos mandatos mais complicados da liderança do Barcelona, entre 2000 e 2003, tendo ficado para a história recordado como um dos melhores vices de sempre e um dos piores presidentes de sempre, numa visão também moldada pela falta de títulos no futebol numa era que começou com a polémica transferência de Luís Figo para o Real Madrid e que esteve sempre marcada pela contestação do grupo de associados que já tinha antes feito sombra a Josep Lluís Núñez. Empresário de sucesso no ramo da hotelaria, líder do grupo HUSA (Hostelaría Unida Sociedad Anónima) e do consórcio Turismo de Barcelona, esteve também na liderança da Real Federação de Futebol de Espanha, sendo hoje vice-presidente com a pasta Internacional e Institucional.
Na sequência do encerramento por falência da companhia aérea Spanair, foi acusado com os nove membros que faziam parte do Conselho de Administração de retardar de forma propositada um concurso voluntário de credores numa altura em que já se sabia em termos internos que o processo de insolvência era inevitável e irreversível (a dívida era superior a 300 milhões de euros e continuava a subir sem solução à vista), tendo sido condenado a pagar com os outros ex-responsáveis 10,8 milhões de multa mas o único que nada desembolsou.
Joan Laporta: o processo por irregularidades nas contas (que ganhou após recurso)
Advogado, empresário e político que nunca escondeu ter mais ambições a nível regional, Joan Laporta assumiu a liderança do Barcelona em 2003 após ter sido a face mais crítica da parte final da gestão de Josep Lluís Núñez e ficou sete anos como número 1 do clube, onde conseguiu ganhar 12 títulos no futebol (quatro Campeonatos, uma Taça do Rei, três Supertaças, duas Ligas dos Campeões, uma Supertaça Europeia e um Mundial de Clubes) com dois dos treinadores mais importantes do século no clube, Frank Rijkaard e Pep Guardiola, contratações sonantes como Ronaldinho, Deco ou Eto’o que se juntaram a Puyol, Xavi, Iniesta, Valdés ou Messi. Os resultados, que se alargaram às modalidades (ganhou tudo o que havia para ganhar no plano interno e europeu em todas), não só mitigaram a resistência da ala mais radical da claque Boixos Nois no início como deram outra tranquilidade na gestão mas as constantes demissões de membros da direção, as acusações de “ditadura”, o alegado envolvimento num caso de espionagem interna e o “voto de não confiança” precipitaram a saída em 2010.
Quando Sandro Rosell assumiu a presidência e pediu a realização de uma auditoria às contas, um grupo de sócios acabou por avançar com uma ação de responsabilidade civil: ao contrário do que Laporta tinha dito, não saiu com um resultado de 11,1 milhões de euros positivos mas sim 47,6 milhões negativos. Numa primeira instância, a Justiça deu razão à queixa, admitindo que tinham existido irregularidades nas contas e obrigando Laporta e restantes dirigentes a pagarem um total de 23,2 milhões, 2,9 milhões cada. No entanto, e após recurso, essa decisão foi revertida, tendo por base a análise detalhada das contas e algumas receitas não atribuídas ao antigo líder entre vendas de terrenos e contratos de direitos televisivos. Foi a primeira vez em Espanha que um ex-presidente de um clube de futebol teve de responder pelos resultados financeiros na sua gestão e acabou por ser absolvido.
Sandro Rosell: 643 dias de preventiva por branqueamento antes de ser absolvido
Sandro Rosell foi o presidente que se seguiu a Laporta, antigo amigo de quem foi vice antes de apresentar a sua demissão e passar a ser um dos maiores críticos do líder dos catalães. Ganhou tudo o que havia para ganhar no futebol, num total de nove títulos até ao início de 2014 (dois Campeonatos, uma Taça do Rei, três Supertaças, uma Liga dos Campeões, uma Supertaça Europeia e um Mundial de Clubes), foi o primeiro presidente a assumir um patrocínio pago da camisola principal da equipa – antes, no acordo com a UNICEF, as receitas não revertiam para o clube –, foi mantendo contas equilibradas e acabou por demitir-se no âmbito das investigações à sua maior contratação, Neymar. “Se não tivesse sido presidente do Barcelona, nunca teria ido preso. Disso não tenho a menor dúvida, muito menos acredito que os meus negócios empresariais tivessem sido investigados nem que existisse uma perseguição fiscal tão agressiva. Desde que fui eleito presidente do Barcelona houve 72 atuações da Agência Tributária. Antes, nunca tinha sido alvo de nada. Coincidência?”, destacou ao Mundo Deportivo.
A ascensão e queda de Rosell, ex-presidente do Barcelona preso e com família na bancarrota
Na sequência das notícias que davam conta de uma queixa de um sócio do clube, Jordi Cases, que foi aceite pelas autoridades, a propósito de alegados valores que tinham sido omitidos e desviados na transferência de Neymar (que em vez de 57,1 milhões de euros poderia ter chegado aos 94,4 milhões), Sandro Rosell apresentou a demissão da liderança do clube. Mais tarde, o empresário ligado ao ramo do marketing esteve 643 dias em prisão preventiva, naquela que foi a detenção mais longa em Espanha por um alegado crime económica que recusou 13 pedidos de liberdade condicional, mas foi também absolvido (a par dos restantes acusados) das acusações de fraude fiscal e branqueamento de capitais num processo que envolvia 20 milhões de euros de comissões ilícitas pelos direitos televisivos de 24 jogos do Brasil que passariam depois por vários paraísos fiscais e mais um contrato da Nike.
Bartomeu: Neymar e o novo processo por fraude, branqueamento e corrupção
Josep Maria Bartomeu assumiu a presidência do Barcelona com a saída de Rosell, de quem era vice (já tinha sido também de Joan Laporta), sendo depois ratificado em eleições. Antigo jogador de basquetebol na formação dos catalães e empresário ligado à engenharia e às infraestruturas, ganhou 12 títulos no futebol (três Campeonatos, quatro Taças do Rei, duas Supertaças, uma Liga dos Campeões, uma Supertaça Europeia e um Mundial de Clubes) mas deixou-se envolver ao longo de seis anos num autêntico Triângulo das Bermudas de todos os problemas e polémicas: não foi capaz de ir renovando a equipa de futebol, errou na escolha de treinadores e foi vendo a relação com jogadores como Messi ou Piqué cada vez mais deteriorada; foi aumentando sem critério a dívida a curto prazo (que superou agora as receitas) e deixou o clube em risco de bancarrota durante a pandemia; foi somando cada vez mais inimigos internos e baixas no próprio elenco que aumentaram a pressão para que se demitisse.
À semelhança de Sandro Rosell, Bartomeu estava também no lote de pessoas acusadas pelo Ministério Público de fraude fiscal e branqueamento de capitais na transferência de Neymar para o Barcelona, defendendo sempre que nada tinha a ver com os eventuais valores inflacionados. Em 2016, já como presidente, propôs às autoridades um pacto que o ilibava a ele e a Rosell, imputando a culpa ao Barcelona enquanto clube por dois delitos fiscais e pagamento de 5,5 milhões de euros e demais custos judiciais. Agora, foi detido no âmbito do “Barçagate”, um caso levantado pelo contrato assinado pelo clube com a empresa I3 Ventures para atacar jogadores, dirigentes e outras personalidades dos catalães nas redes sociais (defendendo e tentando valorizar a imagem de Bartomeu) mas que, de acordo com o Ministério Público, poderá ter outras irregularidades envolvidas, nomeadamente fraude fiscal, branqueamento de capitais, corrupção e abuso de posição. Exemplo prático: o Barcelona terá pago um milhão de euros à I3 Ventures (muito acima da média de mercado), dividido em tranches de menos de 200 mil euros para outras empresas do mesmo dono para não passar pela Comissão interna do clube. O antigo presidente e o seu ex-conselheiro em Camp Nou, Jaume Masferrer, ficaram detidos na última noite, ao contrário do ex-CEO, Óscar Grau, e do antigo responsável pelo departamento jurídico dos blaugrana, Román Gómez Ponti.