Moçambique está entre os países do mundo que registaram um maior recuo nos direitos políticos e liberdades dos seus cidadãos ao longo da última década, indica esta quarta-feira o relatório anual da Freedom House, referindo-se ao total de 49 países analisados.
O documento, intitulado “Liberdade no Mundo 2021 – Democracia sob Cerco”, indica que a pontuação de Moçambique recuou 16 pontos na última década, sendo Mali, Turquia e Tanzânia os países que registaram maiores recuos, respetivamente de 39, 31 e 30 pontos.
Incluído na categoria de “parcialmente livre”, Moçambique é o 16º dos 27 países que mais recuaram na listagem da Freedom House desde o início da década de 2010.
A Freedom House irá divulgar os relatórios-país de Moçambique e outros países lusófonos nas próximas semanas.
A organização não governamental (ONG) sem fins lucrativos, com sede em Washington, adianta que apenas 16% dos 49 países africanos subsaarianos têm o estatuto de “livre”, 43% o de “parcialmente livre” e 41% o de “não livre”.
Para definir o relatório, a Freedom House baseou-se em seis critérios – processo eleitoral, participação e pluralismo político, funcionamento do Governo, liberdade de expressão e de religião, direitos associativos e organizacionais, Estado de Direito e Autonomia Pessoal e Direitos Individuais.
A Freedom House, que realça a violência que se tem registado no norte de Moçambique, destaca sobretudo os acontecimentos em três Estados subsaarianos, cujo percurso deve ser acompanhado com maior atenção ao longo de 2021, como a Costa do Marfim, Etiópia e Malauí.
A África Subsaariana tem registado alguns ganhos “isolados” nos direitos políticos e nas liberdades civis, mas agravou os retrocessos democráticos.
Segundo o relatório, dos 12 países considerados “os piores dos piores”, a África Subsaariana inclui 5 — Eritreia (o segundo pior), Sudão do Sul (terceiro), Guiné Equatorial (quinto), Somália (sétimo) e República Centro Africana (RCA, décima) -, com um Estado norte-africano a entrar também na tabela — Líbia (12.º).
Na Costa do Marfim, o documento realça que o Presidente marfinense, Alassane Ouattara, desafiou o limite constitucional de mandatos presidenciais e conquistou um terceiro mandato como chefe de Estado, num processo marcado por desqualificações de outros candidatos, por um boicote da oposição e por uma violência política generalizada.
Na Etiópia, prossegue-se no documento, o Governo, inicialmente reformista, respondeu à agitação política e étnica com prisões em massa e uma ofensiva militar na região de Tigray, levando a violações generalizadas e flagrantes dos direitos humanos.
No Malauí, um dos poucos destaques pela positiva, após as eleições realizadas em 2019 terem sido anuladas pelo Tribunal Constitucional, a repetição da votação decorreu sem incidentes e o Governo daí eleito tem feito, desde então, “progressos no combate à corrupção”.
Na referência a Moçambique, a Freedom House regista no relatório o aumento da violência e o deslocamento forçado de populações na província nortenha de Cabo Delgado, onde se vive uma “crescente insurgência”.
No documento, a ONG destaca também a evolução positiva no Sudão, cujas reformas em curso têm melhorado a liberdade académica, e em que foi proibida a mutilação genital feminina e revogada uma lei que restringia as viagens das mulheres ao exterior.
“No entanto, um número cada vez maior de países registou declínios devido a novos limites à liberdade de movimento, bem como a eleições violentas e fraudulentas que prolongaram os mandatos já longos dos presidentes em exercício”, lê-se no documento, que dá como exemplo o caso da Costa do Marfim, mas também na Tanzânia e na República Centro Africana (RCA), onde as eleições foram caracterizadas pela repressão e violência governamental.
No Togo, a eleição presidencial foi marcada por acusações de fraude, com apenas um pequeno grupo de observadores autorizados a monitorar um processo dúbio que deu ao Presidente Faure Gnassingbé um quarto mandato.
Acusações de fraude e o uso de restrições da pandemia de Covid-19 para impedir o registo de eleitores lançaram dúvidas sobre as eleições presidenciais na Guiné-Conacri, onde Alpha Condé garantiu um terceiro mandato depois de planear um referendo para suspender os limites de mandato.
Os líderes democraticamente eleitos do Mali foram derrubados por um golpe militar e, como resultado, o estatuto do país caiu do “parcialmente livre” para “não livre”.
O deslocamento forçado de populações e as restrições à liberdade de movimento contribuíram para o declínio da pontuação em cinco países, incluindo a Etiópia.
Nos Camarões, o conflito entre o Governo e grupos separatistas também expulsou as pessoas das suas comunidades, com os separatistas a aplicar as suas próprias restrições de movimento e tendo como alvo alunos e professores nas regiões anglófonas.
O Burkina Faso também esteve sob ataque de insurgentes islâmicos, com a população a ter de lidar com paramilitares pró-governamentais ostensivos e também com restrições desproporcionais por causa da pandemia.
As regras de saúde pública de Ruanda foram implementadas de forma agressiva, com dezenas de pessoas presas e torturadas sob custódia.