O calendário parisiense vai a meio e no alinhamento de eventos surgem três nomes portugueses dispostos a dar provas de talento. Fruto da união de esforços da ModaLisboa e do Portugal Fashion, Constança Entrudo, Maria Carlos Baptista e Ricardo Andrez apresentaram, esta sexta-feira, as suas propostas para o próximo outono-inverno. Através de um vídeo coletivo, previamente gravado e exibido nas plataformas digitais da Semana da Moda de Paris, é sobre Portugal que as atenções de debruçam por breves instantes.
“É uma coleção que fala sobre um caos moderno, mas também desta posição de vulnerabilidade em que estamos hoje”, começa por explicar Ricardo Andrez ao Observador, ele que apresentou sobretudo coordenados femininos, embora o género seja uma questão menor em muitas das peças desenhadas pelo criador. “Diria que, acima de tudo, é o DNA da marca”, assinala.
A silhueta evolui, com Andrez a justapor estrutura e fluidez, elementos de streetwear a formas clássicas do guarda-roupa feminino. A sustentabilidade continua a ser uma preocupação — o criador da ModaLisboa voltou a usar tecidos provenientes de stocks parados, mas também incluiu novos materiais reciclados, incluindo um tecido que incorpora fibras de cortiça.
“Acho que nenhum de nós estava à espera disto, sobretudo agora”, admite. Fala nesta participação como um passo lógico, depois de dois anos a apresentar-se perante buyers de todo o mundo em showrooms de Paris. “Vejo-o como um prolongamento do trabalho que já tenho vindo a desenvolver, até porque é importante ver a marca numa apresentação”, remata.
Para Maria Carlos Baptista, a oportunidade surgiu no início do caminho. Vencedora do concurso Bloom powered by Sonae Fashion do Portugal Fashion, em outubro do ano passado, a jovem designer, que no currículo mistura moda e dança, recebeu o convite com surpresa. “Não estava de todo à espera. Estou há três anos nesta área, terminei o curso em fevereiro, é uma excelente oportunidade de internacionalização”, partilha, em conversa com o Observador.
A ideia para a coleção já estava definida, foi só uma questão de acelerar a produção — fala de “dias passados na máquina de costura”. A coleção surge intimamente ligada a questões como o isolamento e a privação do toque. Para refleti-lo, Maria apostou na diversidade de cores, texturas e materiais, em sobreposições e numa linguagem (a sua) marcada por polaridades: “feminino e masculino”, “rigidez e fluidez”.
Voyeurismo, solidão e paisagem. O ano de Constança Entrudo
Constança Entrudo faz o balanço de um ano de pandemia — tem sido um período de efervescência criativa para a jovem criadora, mas também de sucesso comercial. Em setembro, marcou presença no calendário da Semana da Moda de Londres, com uma apresentação em vídeo. Seis meses depois, repete a dose em Paris. “Fiquei logo com algumas ideias para o próximo”, admite Constança ao Observador. “Sinto que esta minha aposta no digital está a dar frutos. Está a ser um ano bom para a minha marca — a expansão que tinha projetado, e que achava que não ia acontecer, acelerou e estou a falar de projeção, mas também de vendas”, explica.
Crescimento e reflexão estão por trás da coleção do próximo outono-inverno, um processo contínuo que teve início há um ano, quando o vírus nos confinou, oferecendo, como contrapartida da liberdade perdida, um novo ângulo de observação — do mundo e de nós próprios. “É uma coleção diferente, não tanto em termos de técnica, mas no que diz respeito à escolha das cores, dos estampados. Há uma ligação à natureza muito maior”, defende Entrudo.
O isolamento e a solidão pós-modernos, que Edward Hopper profeticamente pintou em meados do século XX, foram um dos pontos de partida. “Ele antecipou o que estamos a viver agora. Então comecei a explorar esta ideia de observar de dentro para fora: um voyeurismo, mas sem a componente sexual”, explica. “Narciso em Férias”, o documentário que revisita os dias de reclusão de Caetano Veloso (em plena ditadura militar no Brasil), abre o segundo capítulo da pesquisa.
“Passou em dezembro na Culturgest e foi uma das melhores coisas que vi na vida. Na prisão, ele deixou de distinguir a realidade da ilusão. Mais tarde, quando viu as imagens da Terra vista da Lua, sentiu a mesma sensação. Foi também isso que senti durante este período no meu atelier”, recorda. O prazer da observação fê-la folhear as páginas da revista Life nos anos 50 e recriar aquilo a que chama “paisagens mortas” em várias peças da coleção. Tarefa na qual se valeu do Bordado Madeira, técnica que tem incorporando nas suas coleções nas últimas estação, mas também da tapeçaria madeirense.
Constança acusa crescimento. A coleção exibe uma maior variedade de peças e eleva o grau de versatilidade do vestuário Entrudo. “O processo de pesquisa é tão intelectualizado que, muitas vezes, a coleção acaba por ser o resultado disso e não algo que usaria. Houve também essa evolução”, acrescenta. Além da apresentação a três divulgada esta sexta-feira, com conceção de Miguel Flor, a criadora está a produzir, juntamente com o fotógrafo Igor Pjörrt, uma curta-metragem. A narrativa será em torno da vida de uma bordadeira com a nova coleção em destaque. O objetivo é levar a fita até às salas de cinema.
Na fotogaleria, veja as coleções que os três criadores apresentaram em Paris.