O Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN), que integra o Hospital Santa Maria, em Lisboa, anunciou esta segunda-feira ter submetido ao Infarmed cinco pedidos de “Autorizações de Utilização Excecional (AUE) de um tratamento inovador para doentes com fibrose quística”. A informação foi avançada pelo CHULN em comunicado.
A submissão dos pedidos foi revelada após uma onda de apoio nas redes sociais às queixas de Constança Braddell, uma jovem de 24 anos que sofre de fibrose quística (uma doença crónica e hereditária) e que lançou um apelo na internet para que fosse aprovado em Portugal um novo medicamento — o Kaftrio — que pode melhorar a sua qualidade de vida. “Tenho vindo a morrer lentamente”, revelava a doente.
Constança é uma das cinco doentes elegíveis a quem o Santa Maria quer dar o medicamento, revelou entretanto o diretor clínico do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN), Luís Pinheiro. O medicamento não será aconselhável a todos os doentes com fibrose quística, mas é aconselhado a alguns doentes — como Constança, uma das pacientes que desesperava pelo fármaco. Quem o receber não terá de pagar por ele, já que o custo será assegurado pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Medicamento pode chegar a mais 25 doentes do CHULN
O Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN) começou por não revelar o nome de nenhum doente para o qual foram feitos os cinco pedidos de aprovação do uso do referido “tratamento inovador” para a fibrose quística. Ou seja, não se sabia se um dos doentes para os quais a autorização do uso do medicamento tinha sido pedida era Constança Braddell até o diretor clínico do CHULN o ter confirmado.
Na sexta-feira à tarde, o Infarmed tinha comunicado que estava a acompanhar o caso específico de Constança Braddell. A autoridade do medicamento confirmava que fora contactado pela jovem e vincava que tinha explicado à doente que o medicamento só poderia ser aprovado através de uma Autorização de Utilização Especial (AUE) submetida ao Infarmed pelo hospital onde é seguida — neste caso, pelo Hospital Santa Maria.
Esta segunda-feira, além de anunciar que submeteu ao Infarmed cinco pedidos para que a autoridade do medicamento aprovasse o uso do Kaftrio em doentes seus, o CHULN — que engloba o Hospital Santa Maria — garantiu estar a “fazer uma avaliação rigorosa dos perfis clínicos de outros 25 doentes acompanhados no seu Centro de Referência para a Fibrose Quística, no sentido de aprofundar a análise dos critérios e indicações para tratamento com o fármaco modulador mais indicado para cada situação individual”.
Posteriormente, o diretor clínico do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN), Luís Pinheiro, afirmou em conferência de imprensa no Hospital de Santa Maria que o CHULN começou a utilizar o fármaco há cerca de um mês. Nessa altura foi completada a primeira fase do programa de acesso precoce ao medicamento, a nível nacional. Numa fase inicial o medicamento foi usado em dez doentes, dois dos quais do CHULN.
Depois dos primeiros dez doentes que receberam o medicamento, foram identificados a nível nacional mais cerca de 20 doentes que preencheriam critérios para o “Kaftrio”, sendo que o processo de extensão do programa de acesso precoce está em curso, explicou o diretor clínico do CHULN.
O post de Constança: “Tenho vindo a morrer lentamente” e “o Infarmed culpa o S. Maria”
Na sua conta pessoal na rede social Instagram, Constança Braddell deixou há três dias um longo testemunho sobre o que é a doença, como vive com ela e a necessidade aguda que sente de um medicamento que lhe garanta maior qualidade de vida e mais anos de vida. Esse relato teve um enorme alcance: às 18h15 desta segunda-feira, tem mais de 220 mil likes.
Começando por descrever o seu estado recente e presente, apontou: “Desde Setembro de 2020, a minha vida mudou drasticamente”.
Tenho vindo a morrer lentamente. Perdi 13 kg no espaço de 3 meses e estou ligada a oxigénio 24/7, e a um ventilador não invasivo para dormir porque é a única maneira de eu conseguir continuar a respirar. Uma simples ida à casa de banho parece impossível. Uma simples chamada ao telefone deixa-me exausta. Tenho experienciado ver a minha vida a terminar lentamente”, apontava.
Porém, escrevia Constança, “há uma solução” que passa pelo medicamento Kaftrio/Trifakta — “o único que me pode salvar” e um medicamento que “já está disponível em vários países”. O medicamento em causa “não é a cura mas tem a capacidade de prolongar a vida de um paciente com Fibrose Quística. Pode prolongar a minha vida”, explicava a jovem.
Seguiam-se queixas desesperadas pela espera interminável pela aprovação do medicamento em Portugal: “O Kaftrio não está disponível em Portugal. O Infarmed está ciente da eficácia deste medicamento e continua em negociações intermináveis para aprovação do financiamento do mesmo. Já enviei varias cartas a inúmeras figuras políticas do país e também para a farmacêutica em questão”.
O Infarmed culpa o Hospital de Santa Maria instruindo-me a pressioná-los para a toma do Kaftrio. Joguei várias vezes à ‘batata quente’ quando era criança mas não era a minha vida que estava em jogo”, lia-se ainda na publicação da doente de 24 anos.
Constança Braddell descrevia-se mesmo como “uma cidadã portuguesa entregue à morte com apenas 24 anos” e acrescentava: “Há 400 pessoas que sofrem de fibrose quística em Portugal, 400 vidas! Quatrocentas vidas a que o Infarmed deliberadamente optou por virar as costas”.
Ficava ainda uma promessa: “Enquanto estiver viva, eu, Constança Braddell, e todos os que realmente zelam por mim e pela minha sobrevivência iremos lutar incessantemente para que as autoridades competentes sejam capazes e tenham a decência de dar resposta ao meu apelo e ao de mais 400 cidadãos do nosso país”.