A porta está aberta. Através de uma visita virtual, cortesia do Palácio do Correio Velho e, claro, dos próprios anfitriões, é possível, por estes dias, entrar na casa de Manuel Alves e José Manuel Gonçalves, a célebre dupla de designers de moda portugueses que, em meados dos anos 80, iniciou uma profícua colaboração. A “Colecção Alves/Gonçalves” é agora a principal atração da leiloeira, também ela convidada a entrar neste rés-do-chão lisboeta e a inventariar 286 peças de arte, mobiliário e decoração do século XX, resultado de uma vida de viagens, interesses e paixões.
“Já estava planeado há algum tempo”, admite Manuel Alves, em conversa com o Observador. “Esta pandemia fez-nos passar mais tempo no espaço e olhar para o que fomos amontoando. A verdade é que não faz sentido ter tantas coisas e, a certa altura, surge a necessidade de mudar. Como designer, tenho de inventar novas soluções — a nível de vestuário, de estilo de vida e da minha própria casa. Não sou o tipo de pessoa que nasce e morre no mesmo sítio, com os mesmos objetos”, assinala.
Divisão após divisão, a residência contém peças de design singulares, como as cadeiras e mesas em cartão canelado de Frank Gehry. “Foi em 1984 ou 1985, quase não tinha possibilidades para comprar aquilo. Já eram bastante caras na altura, hoje são peças de colecionador. Mas lembro-me que foi uma emoção tê-las”, resume o designer.
Mas as memórias por trás de cada peça não impediram o designer de se desapegar de dezenas de peças. A vontade de fazer “um refresh, com novos objetos e novas emoções” facilitou a seleção, embora a coleção represente uma vida de aquisições. Manuel Alves destaca uma mesa art déco, a sua primeira aquisição, em 1978 — “tinha uns 22 ou 23 anos”. “Comprei-a no Porto, ao Fernando Marques de Oliveira, e paguei-a em três vezes. Sei exatamente quando, como e a quem comprei cada uma destas peças”, conta.
Outras peças merecem menções especiais — o centro de mesa e o candeeiro, ambos em bronze, do francês Hervé van der Straeten, a mesa de aço e vidro da Oitoemponto ou os dois candeeiros colorida, produzidos em Portugal na década de 60 — peças que o criador garante serem únicas e que, apesar de serem quatro, só um par vai a leilão.
Porcelanas da alemã Rosenthal, vidro de Murano, as célebres Lounge Chair e Ottoman de Charles Eames, um sofá de Jasper Morrison e um segundo assinado por Amanda Levete, a arquiteta que projetou o MAAT — uma viagem no tempo e por diferentes estilos, dentro de uma casa que, como o próprio designer contextualiza no catálogo, foi palco de festas e dias de celebração entre amigos.
Seja por inquietude ou por aversão à monotonia, o casal já pensa no próximo leilão, daqui a “quatro ou cinco anos”. Manuel Alves revela que há muito deixou de viajar. Prefere investir em “coisas bonitas” e o capricho não há-de dar tréguas. Parafraseia Karl Lagerfeld — “É mais fácil ser desapegado quando se tem excesso de tudo”.
“Dentro de uns dois meses, já vai haver novos objetos em casa. Talvez seja da idade — já estou nos sessentas –, faz-me impressão ver as casas sempre com as mesmas coisas”, remata. O leilão online acontece no dia 24 de março, mas já é possível licitar — os valores base variam entre os 15 e os 30.000 euros.