A Provedora de Justiça alertou o Governo para a “manifesta urgência” em resolver a penalização nos subsídios de que estão a ser alvo trabalhadores que estiveram em layoff ou abrangidos pelo apoio extraordinário à família, criado devido ao encerramento das escolas. O organismo liderado por Maria Lúcia Amaral já recebeu cerca de 50 queixas relativas a penalizações no subsídio de gravidez de risco, no subsídio parental, de doença e de desemprego.

Num ofício enviado ao secretário de Estado da Segurança Social, assinado pelo Provedor-adjunto, Joaquim Cardoso da Costa, é referido que a Provedora de Justiça “tem vindo a receber um significativo número de queixas a respeito da omissão de registos por equivalência à entrada de contribuições nos períodos de layoff”, a que acrescem reclamações devido “ao impacto negativo que o pagamento do apoio excecional à família teve na carreira contributiva dos respetivos beneficiários”. Também têm sido recebidas queixas quanto à proteção social de trabalhadores que ficaram sem prestações de desemprego em 2020.

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No primeiro caso, o Provedor-adjunto diz que há trabalhadores que estiveram em layoff e que no registo de remunerações relativo a esse período ficou refletido, ao contrário do que dita a lei, não o salário habitual, mas o ordenado com os cortes daquele regime. “Na maioria dos casos reportados à Provedora de Justiça”, essa omissão levou a que as prestações sociais que entretanto foram pagas a esses trabalhadores, como prestações de parentalidade, doença e desemprego, “tivessem sido calculadas com base em valores inferiores aos corretos, resultando na atribuição de prestações de valor também inferior ao que lhes seria efetivamente devido”.

A Provedora de Justiça já tinha alertado o Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social para essas queixas, tendo sido informada de que o sistema automático atual “não se adequa às atuais situações de layoff simplificado” e que iria ser alterado para retificar a carreira contributiva dos trabalhadores em causa e recalcular o valor das prestações. Porém, Joaquim Cardoso da Costa lamenta que, embora esta explicação já tenha sido tornada pública em novembro, a situação continue por regularizar. “Importa não esquecer que estamos perante prestações sociais substitutivas da perda dos rendimentos do trabalho – máxime, subsídio por risco clínico durante a gravidez, subsídio parental, subsídio de desemprego, subsídio de doença – cuja salvaguarda, num contexto de crise como a atual, emerge como uma prioridade inquestionável”, afirma.

Quanto ao apoio à família, alguns beneficiários podem receber dois terços da remuneração base, tendo sido esse o valor registado (e não o total) na carreira contributiva. Esta situação também se refletiu nas prestações sociais entretanto pagas a estes trabalhadores e faz com que os pais sejam “duplamente penalizados”: “por um lado, pelo facto de o valor do apoio ser calculado por referência apenas à remuneração de base normalmente auferida, e, por outro, pelo facto de, não havendo registos por equivalência à entrada de contribuições relativamente à diferença entre a remuneração normal do trabalhador e o apoio pago, as remunerações registadas nas respetivas carreiras contributivas, durante o período em causa, corresponderem a um valor significativamente inferior ao da remuneração normal do trabalhador”.

As situações de “manifesta injustiça” nas prestações de desemprego

A Provedora de Justiça também mostra preocupação com a situação de desproteção social em que ficaram os beneficiários de prestações de desemprego cujos subsídios terminaram no final de dezembro de 2020 e os que já tinham ficado sem subsídio entre 30 de junho e 30 de dezembro e não tenham acedido ao subsídio social de desemprego subsequente por falta de condição de recursos. A Provedora tem recebido um “número crescente e muito significativo” de cidadãos que se encontram numa dessas situações. E aponta para situações de “manifesta injustiça”.

Em primeiro lugar, pede que o Governo clarifique na lei que os desempregados que ficaram sem subsídio de desemprego ou subsídio social de desemprego em 31 de dezembro de 2020 possam aceder ao novo apoio extraordinário ao rendimento dos trabalhadores (AERT), como o Governo já sinalizou.

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Além disso, considera que os beneficiários do subsídio de desemprego que ficaram sem prestações entre 30 de junho e 30 de dezembro “parecem de algum modo ter sido esquecidos”. É que, no Plano de Estabilização Económica e Social (PEES), foi determinado o prolongamento, até 31 de dezembro de 2020, do subsídio social de desemprego, mas a medida não abrangeu os beneficiários do subsídio de desemprego. Se, para o organismo, “é certo que os desempregados a quem foi reconhecido o direito ao subsídio social de desemprego estão, por natureza e objetivamente, numa situação de maior vulnerabilidade económica que os desempregados a quem, por não preencherem a necessária condição de recursos, foi indeferida tal prestação”, por outro lado, “importa ter em consideração que a situação económica e social se agravou no final de 2020”.

O Provedor-adjunto escreve que o facto de condição de recursos para acesso ao subsídio social de desemprego subsequente ser avaliada com efeito à data da cessação do subsídio de desemprego “obsta a que estas situações possam ser objeto de reavaliação, a qual, a verificar-se no atual contexto de agravamento, determinaria, em muitos casos, o reconhecimento do direito à prestação“.

Em terceiro lugar, o organismo liderado por Maria Lúcia Amaral constata que é “patente a disparidade da proteção social” entre os beneficiários cujos subsídios de desemprego tenham terminado até 30 de dezembro de 2020 com a dos beneficiários cuja prestação venha a terminar em 2021.

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Por exemplo, um trabalhador que viu o subsídio de desemprego terminar entre 30 de junho e 30 de dezembro e que não tenha acedido ao subsídio social de desemprego por não reunir a necessária condição de recursos, “poderá, quando muito e ao que parece, aceder ao apoio extraordinário ao rendimento dos trabalhadores (AERT) nas condições menos favoráveis estabelecidas para acesso ao mesmo (duração de 6 meses e com a obrigação de vinculação ao regime dos trabalhadores independentes durante o período de concessão do apoio e nos 30 meses subsequentes, com o valor mínimo mensal de valor de prestação de serviços equivalente ao valor do apoio)”. Mas um trabalhador cujo subsídio de desemprego termine em 2021, “é automaticamente prorrogado o subsídio de desemprego por mais seis meses, findos os quais poderá recorrer ao subsídio social de desemprego subsequente e/ou ao AERT por 12 meses, se reunir as respetivas condições de recursos”.

“A apontada disparidade na proteção social conferida a trabalhadores que materialmente se encontram em situações em tudo idênticas – apenas separadas por um curto lapso temporal – carece, ao que parece, de justo fundamento“, conclui o ofício enviado ao secretário de Estado da Segurança Social.