Quando o jovem Pedro Mogo deixou a povoação de Estói, em Faro, para estudar, a sua família de agricultores estava longe de pensar na sustentabilidade da sua produção de citrinos. Voltaria à terra-natal alguns anos mais tarde, apostado em mudar radicalmente a mentalidade, a cultura e a produção da agricultura familiar em que cresceu — sobretudo no que respeita ao uso da água. Hoje, Pedro faz parte de um pequeno grupo de agricultores que estão a liderar a revolução tecnológica e sustentável na agricultura portuguesa e considerado um caso de sucesso pela Fundação Calouste Gulbenkian, que apresentou nesta quinta-feira um estudo sobre o futuro da água em Portugal e que terá os recursos hídricos como prioridade estratégica em 2021.
A investigação foi realizada pelo laboratório C-Lab, especializado nos comportamentos dos consumidores, e incluiu mais de um ano de trabalho de campo, com inquéritos a 460 agricultores e a 500 consumidores.
De acordo com a investigadora Filipa Dias, do C-Lab, o setor agrícola é responsável por 75% de toda a água usada em Portugal. “É o setor que mais pode sofrer em cenários de escassez de água”, explicou a investigadora, durante uma sessão virtual organizada pela Fundação Calouste Gulbenkian para debater o estudo com jornalistas e agricultores na manhã desta quinta-feira. Segue-se o consumo urbano, responsável por gastar 20% da água usada em Portugal, e por fim a indústria, que consome 5% deste recurso.
Uma comparação com as percentagens observadas noutros países permite identificar um padrão de diferença entre os países mediterrânicos e os países do norte da Europa. Por exemplo, em Espanha a agricultura é responsável por 79% dos gastos de água no país, e na Grécia o valor é de 81%. No Reino Unido, por seu turno, a percentagem cai abruptamente para 15%, enquanto na Alemanha o valor é ainda menor: 4%. “Há países em que a água chega naturalmente às culturas”, exemplificou Filipa Dias. Outros, como Portugal, estão mais dependentes da agricultura de regadio.
Esta diferença é bem visível dentro do próprio território português: quanto mais a sul, mais se nota a falta de água. Nas regiões Norte e Centro, 50% dos inquiridos disseram sentir claramente a escassez da água; no Alentejo o número subiu para 64% e no Algarve para 71%. “Portugal sempre foi um país sujeito a secas. Sabemos que a chuva acaba por vir, mas sabemos que vamos ter períodos em que teremos mais tempo de espera“, salientou Filipa Dias, apontando, por isso, a agricultura como fator-chave para a gestão sustentável da água em Portugal no futuro.
Alguns agricultores, como Pedro Mogo, estão na frente desta mudança.
O algarvio sentiu na pele a falta de água, vital para o negócio familiar. Depois dos estudos, a passagem por uma empresa onde a gestão rigorosa da água era essencial, decidiu revolucionar o sustento da família. Em 2003, instalou nos pomares do avô os primeiros sensores de humidade, destinados a perceber quais os momentos adequados ao regadio e a calcular a quantidade de água necessária. Aquele primeiro recurso à tecnologia permitiu-lhe uma redução de 25% a 30% nos gastos de água para a produção da mesma quantidade de fruta.
A implementação do sistema de rega gota-a-gota, em vez do recurso a grandes quantidades de água, também foi fundamental — mas expôs as diferenças geracionais. “Com o sistema antigo, havia perdas enormes de água e plantas morriam por encharcamento. Quando mudei para o gota-a-gota, ele às vezes a seguir ia regar por excesso, porque queria ver a água na superfície“, recordou o agricultor na sessão organizada pela Gulbenkian. Com esse sistema, que hoje é usado de modo genérico na agricultura portuguesa, é possível colocar a água diretamente na terra, junto às raízes das plantas, na quantidade necessária, o que se traduz numa considerável poupança de água.
Todavia, Pedro Mogo não ficou por ali. Transformou os pomares de citrinos, que não eram economicamente viáveis, em plantações de pêra-abacate, expandiu a propriedade e instalou sondas tecnologicamente mais avançadas, que medem em permanência a humidade e a temperatura em todos os pontos da plantação e transmitem os dados remotamente para as instalações centrais, o que lhe permite fazer uma gestão dos gastos de água ao segundo.
“Sem água, não se produz”, resumiu o agricultor.
O modo como revolucionou uma plantação familiar, tornando-a mais sustentável e capaz de produzir mais com recurso a menos água, valeu a Pedro Mogo a entrada no grupo dos 3% de agricultores portugueses que o estudo encomendado pela Gulbenkian classifica como “mentores” — aqueles que têm uma visão de longo prazo e pró-sustentabilidade e que estão a ajudar a dar forma à agricultura do futuro.
“Grande parte dos agricultores tem acesso privado à água, através de furos ou charcas, e nem tem contadores”, sublinhou a investigadora Filipa Dias, detalhando que 71% dos agricultores portugueses não têm um contador de água. De acordo com a autora do estudo, a primeira prioridade na transformação da agricultura em Portugal reside precisamente na mudança de mentalidade: dois terços dos agricultores precisam de apoio direto na sua transformação para uma realidade tecnologicamente mais avançada, uma vez que “têm uma visão de curto prazo, querem poupanças imediatas e olham para a sua campanha numa perspetiva anual, sem a noção de integração de custos“.
Este apoio, defendem os autores do estudo, deve passar por uma demonstração concreta dos benefícios ajustada à escala e à cultura de cada um — que pode passar, por exemplo, pela relação com consultores técnicos ou pelo agrupamento em associações de agricultores, que permitam aos pequenos produtores ganhar uma maior escala no acesso à tecnologia.
Ao mesmo tempo, sugere a investigadora Filipa Dias, impõe-se “valorizar a água em toda a cadeia” de valor. “85% dos agricultores não têm de cumprir qualquer exigência em relação à água junto dos clientes”, explica. “Se já demos um passo relativamente aos pesticidas e aos resíduos, a água também tem de entrar.”