A disparar para todo o lado. Foi assim que Alfredo Casimiro, o acionista maioritário da Groundforce, iniciou a sua audição na Comissão de Economia e Infraestruturas, esta quinta-feira no parlamento.

Ladeado por um dos maiores criminalistas portugueses, o advogado Paulo Saragoça da Matta (que se manteve quase sempre calado, mas com uma honrosa exceção a que já iremos) e por Marta Pinto da Silva, especialista em direito societário, fusões e aquisições, Alfredo Casimiro tinha outro trunfo para lhe dar descanso. É que horas antes, pela manhã, foi noticiado um princípio de acordo entre a Groundforce e a TAP que desbloqueia – pelo menos por dois meses – o pagamento de salários dos 2.400 trabalhadores da empresa de handling.

TAP recusou proposta “não compaginável” para aumentar capital da Groundforce que exigia contrato a 10 anos

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Mas este acordo, que ainda tem de ser oficializado esta sexta-feira, só permite ganhar tempo — dois meses — para encontrar uma solução estrutural que ainda ninguém  sabe qual é.

Miguel Frasquilho, presidente do conselho de administração da TAP, deixou claro que a transportadora não vai aceitar as condições que o “capitalista” Alfredo Casimiro referiu para investir num aumento de capital da Groundforce: um contrato de prestação de serviços de handling a 10 anos e atualização de uma avaliação feita em 2018 que já nada terá a ver com o real valor da empresa no quadro da pandemia. Apesar de a TAP não viver sem a Grounforce, nem viceversa, Miguel Frasquilho deixou também o aviso: o corte de custos que a transportadora está a fazer terá de chegar aos serviços cobrados pela Groundforce. E não será dispeciendo.

Ainda assim, Alfredo Casimiro entrou a disparar. Pediu mais tempo do que os cinco minutos a que tinha direito, quis projetar e usar gráficos (que não conseguiu) e decidiu desmontar o que classificou como “as 4 mentiras” que têm surgido na comunicação social.

1ª Mentira. Casimiro transferiu participação da Groundforce da Urbanos para outra empresa. As ações da Pasogal não foram transferidas para os bancos, foram desde o início compradas pela Pasogal. A Urbanos só avançou com a aquisição porque o Governo de então (Passos Coelho) queria ter os contratos fechados no final de 2011.

2ª Mentira. As ações da Pasogal na Groundforce não podem ser hipotecadas porque já estão hipotecadas. Um bem hipotecado pode ser dado em garantia múltiplas vezes, depende do valor. E diz que assumiu o compromisso de libertar as ações para as dar como garantia do financiamento da TAP.

3ª Mentira. Alfrego Casimiro não pagou pela empresa. Diz que pagou o preço no contrato de três milhões de euros acrescido dos resultados brutos de 2011 e 2012. A empresa tinha prejuízos de 152 milhões de euros e dava prejuízo de 30 milhões de euros. “Assumi a Groundforce nestas deploráveis condições.”

4ª Mentira. Não há um cêntimo da Groundforce que tenha ido para Malta. Pago todo os impostos no meu país.

Ou seja, disse que apenas assumiu o controlo da empresa porque “em 2011 o ministro das Obras Públicas” lhe telefonou a pedir que o fizesse. O ministro em causa seria Álvaro Santos Pereira, ministro da Economia que, no governo de Pedro Passos Coelho, assumiu a tutela sobre as obras públicas e os transportes.

E salientou que a sua entrada na empresa significou uma viragem. Se entre 2007 e 2011 – com gestão pública, ainda que através da TAP – a Groundforce acumulou quase 152 milhões de euros em prejuízos, desde a sua entrada, em 2012, a empresa de handling registou lucro em todos os anos seguintes.

“O próprio ministro [Pedro Nuno Santos], no passado mês de julho referiu-se à Groundforce, em diferentes reuniões, como a única empresa participada do Estado sob a sua tutela que não lhe dava dores de cabeça e elogiou este modelo de parceria e a gestão da mesma”, disse.

Está ou não em incumprimento? Em duas ocasiões, Casimiro evitou responder

Chegado o momento das perguntas, Alfredo Casimiro deixou muita coisa por responder: em duas ocasiões evitou responder sobre se está ou não em incumprimento junto do Montepio ou do Novo Banco, entidades bancárias que têm pelo menos três penhores sobre as suas ações na Groundforce. E também não respondeu aos deputados quando estes lhe fizeram a pergunta óbvia: “E depois do acordo de hoje, como é? Daqui a dois meses como é que se paga salários na empresa?”. Na verdade, também o presidente do Conselho de Administração da TAP, Miguel Frasquilho (que seria ouvido duas horas mais tarde), não deu resposta cabal a isso.

Mas houve alvos concretos: em primeiro lugar o Governo, que no início “arrastou os pés” no aval do Estado para um empréstimo de 30 milhões de euros, essencial para a liquidez da empresa devido à crise no setor da aviação, que parou os movimentos nos aeroportos portugueses. Na primeira reunião com o secretário de Estado do Tesouro, Miguel Cruz, recorda Alfredo Casimiro, o tema foi remetido para o Ministério da Economia e para o Banco do Fomento, que estava numa fase embrionária. E isso atrasou. “Caímos no buraco no espaço, em que não conseguimos encontrar um interlocutor válido para o aval”. As negociações com a Caixa para um empréstimo continuaram até que, em fevereiro, se deu a situação de rutura de tesouraria.

Face a esta rotura de tesouraria, a TAP –que tinha vindo a fazer adiantamentos à Groundforce, primeiro de faturas emitidas por pagar e depois por serviços a prestar mais tarde – acabou por exigir uma garantia da empresa de handling para as ajudas adicionais. A companhia aérea queria uma garantia relacionada com as ações de Alfredo Casimiro. E quando percebeu que as ações já estavam dados como penhor em três situações ao Montepio e ao Novo Banco desistiu por completo dessa ideia.

Risco para a TAP seria inexistente com ajuda do Estado. “Concerteza” a Groundforce iria pagar

Alfredo Casimiro não percebe por que razão a TAP o fez. E passou a palavra a Marta Pinto da Silva, advogada. “Aquilo que a TAP ia fazer não era um empréstimo, era um adiantamento, por isso não fazia sentido ter uma garantia que tivesse a ver com as ações da companhia. Ou seja, era uma promessa de penhor sobre as ações que só seria convertida em definitivo num contrato de penhor se mais tarde a Groundforce não conseguisse pagar” o empréstimo. Mas para Alfredo Casimiro, esse era um cenário rebuscado: a ajuda da TAP e o empréstimo de 30 milhões resolveriam tudo e a companhia aérea não corria riscos.

“Ora essas condições [de não pagamento] nunca teriam lugar. Uma vez ajudada pelo Estado, concerteza que a Groundforce iria devolver o dinheiro”, salientou Marta Pinto da Silva. Tal como fez a TAP em fevereiro, os deputados torceram o nariz.

Sendo assim, a TAP desistiu do adiantamento com garantia sobre as ações e sugeriu outra via: um aumento de capital, reservado apenas a si (acionista minoritário), com a emissão de 697 mil ações a 10 euros cada uma. Ou seja, diluindo a posição acionista de Alfredo Casimiro. Para o empresário, esta proposta “era uma nacionalização quase selvagem” ao estilo das de 1975, uma vez que implicaria a redução da posição da Pasogal para 3%.

Para Alfredo Casimiro “não é com aumentos de capital que se resolve problemas de tesouraria imediatos”. Isso faz-se com “empréstimos às sociedades, com prestações acessórias, o que quiser chamar, mas não aumentos de capital. Aquilo que estavam a fazer era um take over, com interesses obscuros”, afirmou.

Mas reafirmou a capacidade de ir a um aumento de capital em que possa participar, desde que a TAP lhe garanta o prolongamento do contrato de serviço entre as duas empresas. “Enquanto investidor não posso meter dinheiro numa empresa cujo contrato com a TAP vence em 2022 e as licenças em 2023 e 2024. Preciso de ter garantias do prolongamento dos contratos com a TAP e de que terei condições técnicas para poder ganhar o concurso para essas licenças” de handling.

Sou um capitalista. Mas só se puder recuperar o investimento

Aliás, foi na sequência desta declaração que Alfredo Casimiro deixou uma das frases mais marcantes da audição: “Tenho capacidade [de ir a um aumento de capital]. Ter capital significa ser capitalista e eu sou um capitalista. Mas só farei o investimento se tiver condições para o recuperar num certo número de anos”.

Nos cálculos que tem, e com base em dados da IATA, Alfredo Casimiro admite que sejam necessários 10 anos para conseguir recuperar o investimento nos aumentos de capital que admite se possa situar entre os sete milhões de euros (propostos pela TAP) e os dez milhões de euros.

O deputado comunista Bruno Dias – que até agradeceu ao empresário os parabéns que este deu ao partido pelo seu centenário – não deixou passar esta curiosa definição de capitalista. E também ele agradeceu: “Obrigado ao senhor Alfredo Casimiro por nos recordar a todos o que é o capitalismo e o que são os capitalistas”.

Uma última nota para a polémica gravação da conversa de Alfredo Casimiro com o ministro Pedro Nuno Santos (sem o seu conhecimento), que chegou a ser divulgada – pelo menos um excerto – publicamente e que motivou uma queixa-crime do governante. Os deputados socialistas insistiram no tema e deram azo à única intervenção de Paulo Saragoça da Matta ao longo das quase duas horas de audiência.

“Havendo o princípio de separação de poderes, sobre essa questão: se há alguma duvida teremos de deixar para a sede própria. Tendo sido anunciado um processo crime, é em sede própria que teremos de debater essa questão”. E mais não disse.