A designer Tory Burch pediu desculpa, esta quinta-feira à tarde, depois da polémica ter chegado às redes sociais. Em causa está uma camisola poveira, à venda loja online da marca por 695 euros, como sendo de design próprio, sem qualquer referência ao facto de se tratar de uma peça de artesanato portuguesa, ligada à tradição piscatória da Póvoa de Varzim.
Num comunicado publicado no Twitter, Burch admite que foi “um erro” não ter “feito referência às bonitas camisolas de pescador tão representativas da cidade da Póvoa de Varzim”, num texto partilhado em inglês e português.
Minutos depois, a referência à peça foi atualizada na loja online da marca, passando a estar identificada como como “Camisola inspirada na Póvoa de Varzim” e com um pequeno contexto histórico sobre esta camisola tradicional portuguesa, cujas origens remontam ao início do século XIX.
“Pedimos sinceras desculpas aos portugueses”, começa o texto publicado pela designer no Twitter, vagamente traduzido para português. A designer de 54 anos explica que a inspiração mexicana, inicialmente associada à peça, foi erroneamente atribuída. “Estamos a corrigir este erro de imediato e iremos notar e honrar que esta camisola foi inspirada nas tradições portuguesas”, pode ler-se. Burch refere ainda estar a trabalhar com a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim para apoiar artesãos locais.
À Rádio Observador, o presidente da câmara confirmou, entretanto, que a autarquia foi contactada por um representante legal da designer e que está a ser negociado um acordo para a resolução do assunto, mas sem avançar mais pormenores sobre o mesmo.
O caso insólito foi noticiado pelo Público, na última quarta-feira. A designer norte-americana Tory Burch estava a comercializar uma camisola poveira, peça de artesanato histórica ligada à comunidade piscatória da Póvoa de Varzim, como sendo de design próprio e a um preço de 695 euros, dez vezes mais do que o original, segundo esclareceu o mesmo jornal.
Na sua loja online, a marca terá começado por apresentar a peça como uma túnica de inspiração mexicana, mas precisamente numa peça de vestuário típica chamada baja. De acordo com o Público, após tentativas de contacto por parte da autarquia, mas sem nunca responder, a marca alterou a descrição do produto para “camisola túnica”.
As semelhanças são praticamente totais, a começar pelos motivos marítimos que ligam esta peça de artesanato centenária à faina local — caranguejos, remos e boias de sinalização e a coroa da monarquia portuguesa ao centro. O processo de certificação da camisola poveira decorre há seis meses pela mão de Ricardo Silva, um antigo publicitário, também ele entre as vozes que agora alertam para a apropriação feita pela designer de moda.
“É um assunto complexo”, refere Nuno Gama à Rádio Observador. Em 2006, também integrou as camisolas poveiras numa coleção apresentada em plataformas internacionais. Na altura, o criador português assumiu a proveniência das peças. “Hoje, a partir do momento em que lançamos as coisas no mundo, elas seguem viagem. Mas é uma questão de princípios e de valores de cada um — perceber que as coisas não nos pertencem e saber respeitar isso”, continua.
“Quando faço este tipo de coisas tento fazer de forma autêntica e respeitando as fórmulas que foram adquiridas ao longos destes anos todos e, inclusivamente, envolver as pessoas dos locais de forma a falar de nós”, remata o designer.
Já Odete Costa, presidente da Patripove, uma associação de defesa e consolidação do património poveiro, classifica a classificação inicial da peça, como sendo de inspiração mexicana, como “surreal”. “É um aproveitamento indevido, um plágio, de um produto que é marcadamente poveiro, marcadamente português”, afirma. A dirigente detalha ainda que a associação escreveu de imediato à designer norte-americana com o objetivo de “denunciar esta situação”. Odete Costa pede respeito pelo património nacional e pede que o processo de certificação da camisola poveira, já em curso, seja célere.
Na última quinta-feira, ao final do dia, o tema já era destaque na popular conta de Instagram Diet Prada, dedicada a denunciar casos de apropriação e cópias flagrantes no mundo da moda. “Camisola de Tory Burch desperta ira dos portugueses”, escreveram os autores da conta, que soma mais de 2,6 milhões de seguidores. “Quando não está ocupada a colonizar o centro comercial, aparentemente a sua equipa de design está a recolher inspiração no resto do mundo”, lê-se ainda na publicação.
De acordo com o jornal Público, a camisola poveira surge em “Ala-Arriba”, filme realizado por Leitão de Barros em 1942, mas já antes disso, em 1938, tinha sido usada por Grace Kelly, imagem que mereceu destaque na National Geographic.
As referências portuguesas podem não ficar por aqui. Na sua linha de artigos para a casa, a marca Tory Burch tem apresentado peças em cerâmica de inspiração naturalista, que alguns utilizadores das redes sociais Facebook e Instagram têm associado à centenária Bordallo Pinheiro, depois de divulgada a notícia sobre a camisola poveira. Na loja online, a marca comercializa várias peças de mesa que recriam folhas de alface, os preços vão dos 80 euros (um saleiro) aos 360 euros (uma terrina).
Esta não é a primeira vez que a marca é publicamente apontada por imitar trajes tradicionais de outros países. Em 2017, uma outra peça Tory Burch (um casaco) foi destacado pelo perfil de Instagram Give Credit como sendo uma cópia de uma peça tradicional romena, enquanto a designer caracterizou a criação como sendo de inspiração africana. Burch acabou mais tarde por dar crédito à verdadeira referência do casaco.
Artigo atualizado no dia 26 de março, às 10h20.