Numa região marcada pela instabilidade e pela violência, o reino da Jordânia apresentava-se como uma espécie de oásis de estabilidade no Médio Oriente, um aliado do Ocidente fundamental para qualquer solução diplomática. No entanto, no passado fim de-semana, uma intriga palaciana, com acusações de tentativa de golpe de Estado, expôs as divisões na família real e aumentou as preocupações quanto ao futuro de Amã.
Numa ação que apanhou o mundo de surpresa, as autoridades jordanas detiveram entre 14 a 16 pessoas, entre elas Hamzah bin Hussein, meio-irmão do rei Abdullah II, no trono desde 1999, e Bassem Awadallah, ex-ministro das Finanças e antigo enviado especial da monarquia hachemita para a Arábia Saudita. Segundo as autoridades, bin Hussein estava um envolvido numa conspiração para derrubar o seu irmão, em conluio com forças estrangeiras.
Hamzah bin Hussein gravou então um vídeo a dizer que estava em prisão domiciliária e, negando qualquer envolvimento numa conspiração para derrubar o seu meio-irmão, garantiu que não se iria calar e que iria desobedecer às ordens das autoridades.
Príncipe da Jordânia em prisão domiciliária promete desobedecer às autoridades
Na terça-feira, no entanto, Hamzah bin Hussein, de 41 anos, jurou fidelidade ao rei Abdullah II, 59 anos, após um encontro com membros da família real, entre eles o príncipe Hussein, filho mais velho do rei, que terá conseguido apaziguar as relações. Depois de vários dias de intriga, a crise no seio da família real jordana parece ter chegado ao fim e o poder do rei Abdullah II não parece estar em causa, apesar de permancerem muitas questões sobre o que realmente levou às detenções do último fim de semana.
As intrigas da família real jordana
Durante 47 anos, mais concretamente entre 1952 e 1999, a Jordânia foi governada pelo rei Hussein, que se casou quatro vezes ao longo da sua vida e teve 12 filhos. O filho mais velho é, precisamente, o atual monarca, Abdullah II, nascido em 1962 do casamento de Hussein com a princesa Muna, a sua segunda mulher.
Adbullah foi, um ano depois do seu nascimento, designado como sucessor ao trono, mas, em 1965, o rei Hussein decidiu que seria mais seguro designar um adulto como sucessor, e por isso deixou a tarefa ao irmão Hassan.
Do quarto casamento (1977) do antigo monarca jordano, com a rainha Noor, viria a nascer, em 1980, Hamzah bin Hussein, o filho mais novo de Hussein, considerado como o favorito do pai, que várias vezes se referiu ao príncipe como a “delícia dos seus olhos”. À medida que o rei Hussein foi envelhecendo e percebendo que a sua morte estaria iminente, deixou claro que gostaria que um dia Hamzah bin Hussein viesse a chegar ao trono.
Conflitos com o seu irmão Hassan levaram o monarca a retirar-lhe a sucessão e, chegado o momento de apontar o seu sucessor, semanas antes de morrer, em 1999, optou por escolher Abdullah, uma vez que bin Hussein, apenas com 18 anos, ainda estava a estudar no Reino Unido.
É neste contexto que Abdullah II assume o trono e, de imediato, aprova um decreto a designar o seu meio-irmão como herdeiro do trono, fazendo cumprir o desejo do falecido pai. Contudo, esta decisão viria a ser revertida cinco anos depois, em 2004, afastando Hamzah bin Hussein da linha de sucessão. Em 2009, designou o seu filho mais velho, Hussein (que na altura tinha apenas dez anos), como seu sucessor.
Meio-irmão do rei era conhecido pelas críticas ao governo
Estas divisões na família real, no entanto, foram passando despercebidas perante uma monarquia que tem passado a imagem de estabilidade e de união. Contudo, ao longo dos anos, o meio-irmão do rei Abdullah II foi assumindo uma postura cada vez mais crítica em relação à família real e ao governo jordano, denunciando a corrupção nas esferas do poder de Amã, e criando uma vasta rede de relações com críticos do governo.
Essa postura crítica é, aliás, apontada como um dos possíveis motivos que levaram à detenção de Hamzah bin Hussein. Dias antes do alegado golpe de Estado, o meio-irmão do rei esteve reunido com vários líderes beduínos jordanos, em encontros que, segundo a imprensa internacional, as críticas ao rei Abdullah II foram muito duras.
Outra figura-chave nesta história é o ex-ministro das Finanças e antigo enviado especial da monarquia hachemita para a Arábia Saudita, Bassem Awadallah.
Países do Médio Oriente expressam apoio a Abdullah II da Jordânia
Conforme nota a BBC, Awadallah tem dupla nacionalidade jordana e saudita e é muito próximo do príncipe herdeiro saudita, Mohammad bin Salman, não sendo certo qual a dimensão da sua proximidade com Hamzah bin Hussein.
No entanto, a proximidade de Bassem Awadallah a Riad, e as acusações das autoridades jordanas de que haveria uma ligação entre a tentativa de golpe de Estado e ligações a forças estrangeiras, fez aumentar as suspeitas de que o reino saudita pudesse estar envolvido.
Nesse sentido, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Arábia Saudita, o príncipe Faisal bin Farhan, voou como uma delegação para Amã para expressar solidariedade ao rei Abdullah II, em linha com o apoio demonstrado por outros países do Médio Oriente.
Divisões na família real e fragilidade nas estruturas sociais
Mas, se, a nível interno, a detenção de Bassem Awadallah não teve tanto impacto, a prisão domiciliária de Hamzah bin Hussein veio agitar toda a sociedade jordana, e a tensão na família real pode não ter chegado ao fim, como comprovam as declarações da rainha Noor, madrasta do rei Abdullah II, que fez uma publicação no Twitter a dizer que o seu filho foi “vítima de uma calúnia perversa”.
Praying that truth and justice will prevail for all the innocent victims of this wicked slander. God bless and keep them safe.
— Noor Al Hussein (@QueenNoor) April 4, 2021
Estas declarações, que expuseram publicamente divergências no seio da família real, conforme escreve o jornal espanhol El Confidencial, são apontadas por alguns analistas como sinal de as detenções do passado fim de semana estão relacionadas com as divisões dentro da monarquia hachemita. Por outro lado, existe também a tese de que as detenções foram uma forma de o rei Abdullah silenciar vozes mais críticas do seu regime.
Apesar da estabilidade governativa, as autoridades jordanas são conhecidas por ser pouco tolerantes em relação a vozes dissidentes ou a manifestações críticas do poder, e a pandemia de Covid-19 veio exacerbar as dificuldades económicas e sociais no país, onde o desemprego está a aumentar e a recuperação económica a avançar a passos lentos sobretudo devido à paragem no setor do turismo.
Nesse sentido, escreve o The New York Times, o confronto entre o rei e o seu meio-irmão expôs as fragilidades das estruturas sociais da Jordânia, um país de nove milhões de habitantes, dos quais mais de 1,5 milhões são refugiados palestinianos, além dos mais de 400 mil refugiados sírios.
Acresce que a Jordânia faz fronteira com Arábia Saudita, Israel, Cisjordânia ocupada, Síria e Iraque, pelo que a sua localização é fundamental em termos estratégicos para a região. Daí que um cenário de instabilidade no país é encarado com grande preocupação pela comunidade internacional, que teme que uma crise possa levar ao crescimento da influência de grupos jihadistas que operam na região.