A 48 horas de se conhecer a decisão instrutória do caso que envolve José Sócrates, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça diz que é “insustentável” e incompreensível que uma decisão instrutória demore dois ou três anos a ser proferida e que os processos se arrastem no tempo. Mais: Piçarra faz questão de dizer que houve uma “deturpação” da fase de instrução, por a mesma se ter transformado numa “pré-julgamento”. Esta fase processual visa apenas a “comprovação judicial da decisão de levar os arguidos a julgamento ou do arquivamento do processo”.
O que não deixa de ser uma censura ao juiz Ivo Rosa e à forma como liderou a fase de instrução, aceitando produção de prova (audição de uma parte das testemunhas requeridas pelas defesas) concretizada em sede de audiência. A instrução criminal da Operação Marquês já dura há mais de dois anos.
Assim, aquele que é considerado o líder dos juízes (por liderar o STJ e, por inerência, o Conselho Superior da Magistratura) vai levar ao órgão de gestão dos juízes uma proposta que visa extinguir com a fase de instrução criminal como a conhecemos hoje.
O conselheiro António Piçarra propõe que seja criada uma fase de instrução em que “nos casos de arquivamento o ofendido pudesse exigir que o juiz se prenunciasse” e nas situações em que haja lugar a uma acusação “o processo iria diretamente para julgamento e aí os arguidos produziam a prova em sua defesa e contraditavam as provas do inquérito”.
Contudo, entre as modificações que preconiza, o magistrado admite a possibilidade de os arguidos poderem pedir a abertura desta fase processual, “mas exclusivamente para um juiz apreciar se as provas que foram recolhidas num inquérito são ou não suficientes para os levarem a julgamento“, estando vedada a produção de prova, audição de arguidos ou testemunhas.
A proposta que vou apresentar ao CSM é no sentido de a instrução ficar limitada apenas ao arquivamento. Nos casos de acusação ou não haveria instrução ou limitar-se-ia a que o juiz avaliasse as provas que foram produzidas e decidisse se aquele caso era ou não de levar a julgamento”, contou à Lusa.
No entender do juiz conselheiro, a sua proposta impedirá que haja “processos a arrastar-se três ou mais anos na justiça”.
A morosidade processual, diz, é inadmissível e “mina a confiança dos cidadãos, pois nenhum cidadão confiará numa justiça que demora tantos anos a decidir quem é ou não culpado e os arguidos também beneficiariam porque não ficariam tantos anos com a espada sobre eles”.
“A morosidade é incompreensível para mim, portanto imagino para outro qualquer cidadão que não percebe que um processo demore tanto tempo a ser investigado e muito menos o tempo que demora a ser instruído e haver uma decisão”, observou.
“É incompreensível e insustentável” o longo tempo que demoram alguns processos, criticou António Piçarra, dizendo não compreender como é que esta fase tem tanta projeção no espaço mediático e nos cidadãos.
“O tribunal é de instrução, esta fase é facultativa e qualquer decisão que dai provenha é sempre provisória”, lembrou.
Em entrevista à Rádio Observador, o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público também defendeu que a lei de instrução tem de ser reestruturada. António Ventinhas deixou criticas à má interpretação que é feita pelos juízes, assegurando que “existe uma deturpação da finalidade da instrução”, que se transformou num pré-julgamento e numa investigação paralela.
Apesar disso, António Ventinhas considera que o debate lançado pelo Supremo Tribunal de Justiça não irá influenciar a Operação Marquês. “Esse risco não existe”, adianta o magistrado, que relembra que a questão da amplitude da fase de instrução “é já uma discussão muito antiga”.
Acabar com Tribunal Central de Instrução Criminal? “Não há risco de condicionar a operação Marquês”
Piçarra diz que Tribunal Central só se justifica se tiver um ‘tribunal irmão’ de julgamento
Em entrevista à Agência Lusa, que será divulgada na integra na manhã de quinta-feira, António Joaquim Piçarra alegou que o Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) “está, na sua génese, mal concebido” e só faria sentido “se existisse também uma audiência nacional [tribunal central de julgamento] como existe em Espanha” para julgar a criminalidade mais complexa.
Esta é uma ideia que o presidente do STJ já tinha defendido em entrevista ao Observador. A novidade nestas declarações à Agência Lusa passam pela defesa implícita que António Piçarra faz da criação de um tribunal de competência especializada e nacional para a fase de julgamento — como acontece em Espanha com a Audiencia Nacional.
Texto alterado às 16h02m