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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Presidente do Supremo sobre a Operação Lex e o caso Rangel. "A macieira da Justiça não foi infetada por quatro ou cinco maçãs podres"

O líder dos juízes critica falta de celeridade da Justiça na área económico-financeira, mostra-se aberto à revisão do sistema de recursos e à criação de instrumentos de colaboração premiada.

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“Quando me surge um problema, procuro enfrentá-lo e arranjar imediatamente uma solução.” Foi com este lema que António Piçarra, presidente do Supremo Tribunal de Justiça, liderou o movimento que levou o Conselho Superior da Magistratura a expulsar Rui Rangel da magistratura e enfrentou as consequências nefastas do envolvimento de cinco juízes desembargadores, dois deles ex-presidentes do Tribunal da Relação de Lisboa, na Operação Lex. E é também com o mesmo lema que vai ter de encontrar soluções, em conjunto com o Governo, para os tribunais recuperarem o tempo perdido durante os quase dois meses de confinamento em que já estamos devido ao coronavírus e enfrentarem a avalanche de processos de insolvência e de direito do trabalho que deverá surgir com a crise económica que se avizinha.

Para já, o líder dos juízes não só admite reduzir ao mês de agosto as férias judiciais, como também revela que o Conselho Superior da Magistratura está a concentrar os recursos humanos nos juízos centrais de trabalho, família e menores, execuções e comércio — as áreas que sentirão os efeitos mais pesados da crise económica —, como também o próximo movimento dos magistrados judiciais será “bastante restrito.” Os próprios presidentes de comarca estão a ser sensibilizados para estenderem os seus mandatos.

Com 69 anos, e a um ano de se jubilar e terminar o seu mandato, António Piçarra tem cuidado ao emitir opinião sobre as propostas do Governo para combater a corrupção, mas não deixa de sinalizar uma abertura para rever velhos dogmas da justiça portuguesa, para que seja mais célere e justa.

Pode ouvir a entrevista na íntegra aqui.

A reabertura plena do Supremo Tribunal de Justiça ocorreu no dia 23 abril, tendo sido retomada a distribuição de processos com duas regras: as diligências que não necessitem de produção de prova são executadas por videoconferência, enquanto que os diligências presenciais são realizadas com o devido distanciamento social. Os tribunais têm condições para reabrir nas mesmas condições já em maio?
O Supremo tem condições para garantir essas regras e creio que os tribunais da Relação também disporão de condições para isso. É natural que alguns tribunais de primeira instância não disponham das mesmas condições, mas estou confiante em que o Governo — que se tem empenhado em proporcionar as condições necessárias — irá certamente muito em breve fornecer tudo o que é indispensável para poder garantir o funcionamento da Justiça, a saúde dos que lá trabalham e do resto dos intervenientes que tenham que ir aos tribunais.

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[O essencial da entrevista ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça:]

Dizem vários advogados que os direitos de defesa poderão ficar em causa com a realização de julgamentos por vídeoconferência. O Governo deve ter especial atenção a este tipo de problemas?
Caberá a cada um dos presidentes dos coletivos ou a cada um dos juízes que está a realizar a diligência, aferir se tem ou não condições de que possam salvaguardar não só os direitos de defesa do arguido como também o direito à saúde de todos os intervenientes processuais. Os tribunais não podem fazer correr riscos desnecessários aos cidadãos e os juízes devem ser prudentes.

A pandemia de Covid-19 levou ao cancelamento de 47.832 diligências nos tribunais de primeira instância entre 11 de março de 27 de abril. Entende que, no que diz respeito ao poder judicial, as férias devem resumir-se apenas ao mês de agosto para recuperar o tempo perdido?
Essa hipótese está em cima da mesa e é matéria da exclusiva competência da Assembleia da República. Creio que o mês de agosto é insuficiente para que todos possam gozar férias. Se o poder político entender que essa é a medida adequada para rapidamente recuperar os processos que estão atrasados, não haverá da parte do poder judicial objeções de maior. É natural que surja alguma contestação por parte de alguns senhores magistrados mas creio que…

É razoável…
… é razoável que se avance com essa medida.

"Essa hipótese [de restringir as férias judiciais ao mês de Agosto] está em cima da mesa. Se o poder político entender que é a medida adequada para rapidamente recuperar os processos que estão atrasados, não haverá da parte do poder judicial objeções de maior a esse aspecto. É razoável que se avance com essa medida."
Conselheiro António Piçarra

Se somarmos às diligências anuladas a avalanche de processos de insolvência e na área laboral derivados da crise económica que se avizinha, os tribunais vão ter que enfrentar diversas frentes de batalhas. Que medidas já tomou o Conselho Superior da Magistratura para preparar a Justiça para esses tempos difíceis que se avizinham?
O impacto da situação pandémica e os efeitos económicos e sociais dela decorrentes sentir-se-ão, em primeiro lugar, a nível da primeira instância. Em especial, nos juízos centrais de trabalho, família e menores, execuções e comércio. Neste contexto, considerou prudente manter a estabilidade dessa instância, concentrando aí os recursos humanos disponíveis. Assim, o próximo movimento será bastante restrito e está em curso a sensibilização dos atuais presidentes de comarca em ordem a garantir a manutenção do seu exercício de funções durante mais algum tempo.

Esta pandemia acabou por promover uma maior urgência na adoção de novas medidas que permitam uma justiça digital também na área penal.
Não tenho a mínima dúvida sobre isso. Esta pandemia veio colocar a nu algumas das fragilidades do funcionamento do sistema e dos equipamentos informáticos. O Governo tem feito um esforço extraordinário nos últimos tempos, equipando os tribunais com as salas virtuais mas também se veio a demonstrar que alguns dos equipamentos dessas salas são incompatíveis com a plataforma informática disponibilizada, o que implica alguns ajustamentos. Mas há boa vontade do Governo e há boa vontade dos conselhos [dos magistrados judiciais e do Ministério Público] para melhorar.

Operação Lex. A macieira da Justiça e as “4 ou 5” maçãs podres

Vamos abordar a Operação Lex. A juíza Fátima Galante já tinha sido acusada em 1997 de corrupção passiva mas o Tribunal da Relação de Lisboa nem sequer a pronunciou então para julgamento, ao contrário de um solicitador seu cúmplice que foi condenado. Agora vê-se envolvida num novo caso com o seu ex-marido Rui Rangel. O que mudou na Justiça para só agora ser possível esta ação do Conselho Superior da Magistratura?
O Conselho Superior da Magistratura (CSM) teve durante muitos anos a seguinte orientação: sempre que houvesse um processo-crime, os processos disciplinares ficavam a aguardar a decisão criminal. A formação atual do CSM teve um entendimento diverso: os processos disciplinares têm autonomia relativamente aos processos-crime por terem objectos completamente distintos. Nos processos disciplinares visa-se apurar se há uma uma violação dos deveres funcionais dos juízes — e não qualquer responsabilidade criminal. Portanto, atenta a gravidade da situação, o Conselho entendeu que neste caso muito particular não seria de ficar a aguardar a decisão do processo penal e avançou com os processos disciplinares.

Havia sinais exteriores de riqueza de Rui Rangel que eram muito comentados nos bastidores da Relação de Lisboa. Houve alguma proteção da magistratura em relação ao juiz Rui Rangel?
Nunca exerci funções na Relação de Lisboa e nunca tive nenhuma relação com o juiz Rui Rangel. Enquanto estive no CSM, e esta já é a terceira vez que faço parte do Conselho, posso garantir que não me chegou nenhuma referência sobre esse aspeto.

Nunca lhe chegou nenhuma queixa?
Nunca. Ouvia falar, ouvia falar…

"Se houver acusação [da Operação Lex], não tenho a mínima dúvida que os juízes, sejam eles quem forem, assegurarão a realização da justiça com toda a isenção e imparcialidade. Aliás, o dr. Rui Rangel já nem pode invocar a qualidade de magistrado. Apenas por ser a demissão é executada de imediato e já foi publicada em Diário da República. É um ex-magistrado"
Conselheiro António Piçarra

É expectável que exista uma acusação na Operação Lex. O senhor pode garantir que os tribunais serão exemplares em termos de celeridade na apreciação deste processo, tendo em conta que estão envolvidos vários juízes?
Não sei se haverá acusação. Se houver acusação, não tenho a mínima dúvida que os juízes, sejam eles quem forem, assegurarão a realização da justiça com toda a isenção e imparcialidade. O facto de arguidos serem magistrados não vai interferir absolutamente em nada. Apenas por ser uma demissão é executada de imediato e já foi publicada em Diário da República. Portanto, ele já nem pode invocar a a qualidade de magistrado.

Neste momento, Rui Rangel já não tem estatuto de magistrado. É um ex-magistrado.
É um ex-magistrado. Ao contrário da dra. Fátima Galante, que teve a pena disciplinar de aposentação compulsiva e continua a ter direito à pensão que lhe foi atribuída pela Caixa Geral de Aposentações, de acordo com os descontos que realizou.

A Operação Lex também investiga mais três juízes desembargadores: Luís Vaz das Neves, ex-presidente da Relação de Lisboa, Orlando Nascimento, que sucedeu a Vaz das Neves e foi obrigado a demitir-se, e Rui Gonçalves. O processo disciplinar contra o Rui Rangel e Fátima Galante demorou três anos a produzir resultados. Consegue assegurar uma maior rapidez na decisão do CSM sobre estes três desembargadores?
Não lhe posso adiantar absolutamente nada sobre isso. O processo disciplinar tem um prazo de instrução máximo de 60 dias — que é prorrogável. Os processos foram instaurados numa deliberação de 3 de março mas o prazo só começa a contar após a nomeação do inspetor que o vai dirigir. Ainda está a decorrer o prazo até porque o prazo foi suspenso também com esta crise pandémica.

António Piçarra é o presidente do Supremo Tribunal de Justiça

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Na mesma conferência de imprensa de 3 de março anunciou também uma extensa averiguação aos procedimentos de distribuição de todos os tribunais superiores para deteção de eventuais irregularidades. Já tem mais conclusões desse trabalho que possa divulgar?
Não estou em condições de divulgar absolutamente nada porque o inspetor que está encarregue de fazer essas averiguações tem um prazo de 30 dias. Ele pediu a prorrogação desse prazo por mais 30 dias — o que eu deferi — e, portanto, está dentro do prazo. O inspetor é um homem muito trabalhador, logo creio que garantidamente teremos resultados antes das férias judiciais.

Já foram detetados mais casos de irregularidades?
Não tenho nenhuma informação sobre isso. Aquilo que sei é que há muitos casos que as pessoas pensam que são irregularidades mas que representam apenas o cumprimento da lei. Muitos dos processos são atribuídos manualmente porque é a própria lei que manda atribui-los e não podem ser sujeitos a distribuição automática.

Se foram detetadas novas irregularidades, o Conselho agirá exatamente…
Não tenha a mínima dúvida! O Conselho levará até ao fim todas as investigações — e doa a quem doer. Espero que não haja, mas se houver o Conselho não terá pejo absolutamente nenhum em ordenar que tudo seja investigado até às últimas consequências.

"A macieira continua a ter boas maçãs. Não são quatro ou cinco maçãs podres que irão contaminar todas as outras. A grande maioria dos juízes é isenta, proba, dedicada, empenhada e séria em quem os cidadãos podem confiar. Um juiz é acima de tudo um homem sério."
Conselheiro António Piçarra

Como já reconheceu várias vezes, a imagem da Justiça ficou seriamente abalada com o caso.
Continuo a confiar que a macieira continua a ter boas maçãs. Não é o facto de existirem quatro ou cinco maçãs podres que irão contaminar todas as outras. Posso garantir que os juízes são, na grande maioria pessoas, pessoas isentas, probas, dedicadas, empenhadas, séria e honestas em quem os cidadãos podem confiar. Aliás, aprendi isto com um juiz muito antigo com quem tive o privilégio de trabalhar: um juiz é acima de tudo um homem sério.

Presidente do Supremo vê “com bons olhos uma atenção particular no combate à corrupção”

Se não fosse esta crise sanitária, a agenda do setor da Justiça estaria a ser marcada com as propostas do Governo para combater a corrupção. Entre as várias propostas que estão em cima da mesa, há a possibilidade de criar um juízo especializado dentro dos tribunais judiciais para julgar os casos mais complexos, como a Operação Marquês, o Universo Espírito Santo ou caso Tancos. Em termos abstratos, a justiça portuguesa tinha a ganhar em termos de eficiência e de economia processual, se os juízes tivessem um conhecimento mais especializado?
Há algum equívoco na sua pergunta porque os tribunais portugueses estão já especializados. O que se passa é que há um problema do ponto de vista constitucional: é possível criar tribunais especiais para julgar determinados crimes? A seu tempo, esse problema será discutido. Se eventualmente a opção do legislador for no sentido de criar uma espécie de Audiência Nacional, como acontece em Espanha, não haverá problemas da parte do poder judicial em implementar essa solução.

Criar uma Audiência Nacional em Portugal pode levantar um problema constitucional?
Pode levantar um problema constitucional. Não quero estar a antecipar cenários e, portanto, não gostaria de emitir a minha opinião sobre essa matéria. Sei que é uma matéria muito controversa. Veria com bons olhos que o fenómeno da corrupção tivesse uma atenção particular porque porque são os processos que combatem esse fenómeno que estão permanentemente a descredibilizar a Justiça. O cidadão não percebe como é que esses processos se arrastam tantos anos sem terem uma solução. A justiça quer-se célere porque se não for célere não é justiça.

"Tenho apenas cumprido o meu dever de cidadão e de juiz", diz

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Há muitos outros exemplos mas vou dar um concreto: o caso BPN. Foi investigado durante dois anos, teve um julgamento de primeira instância que durou quase sete anos e os recursos na Relação de Lisboa demoraram cerca de dois a serem apreciados. Entretanto, morreu Oliveira Costa, o principal arguido do processo. Como é possível um julgamento durar quase sete anos? Das 150 testemunhas, só uma foi ouvida durante sete meses. A lei não oferece instrumentos aos juízes para impedir que tal aconteça?
Pode existir algum abuso da parte da defesa mas, nesse caso concreto, houve tolerância excessiva da parte do tribunal. Eu cheguei dizer: como é possível que os juízes demorem cinco anos para se licenciar em Direito e demorem mais tempo para realizar um julgamento. Tive oportunidade de acompanhar esse caso na altura em que era vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura. Chamei o presidente desse coletivo, chamando-lhe a atenção para isso.

Qual foi a justificação do juiz-presidente?
Não me recordo agora. Creio que me terá dito que estava a julgar o sistema financeiro português. Portanto, necessitava de muito mais tempo. Devo dizer-lhe que recebi a informação hoje [dia 29 de abril] de que esse processo vai chegar ao Supremo talvez na segunda [4 de maio] ou na terça-feira [5 de maio]. Não há cidadão que possa compreender como é que um processo destes chega agora pela primeira vez ao Supremo.

Quando já passaram quase dez anos depois do início do julgamento em primeira instância.
Isto é a descredibilização do sistema.

"No julgamento em primeira instância do caso BPN houve tolerância excessiva da parte do tribunal. Como é possível que os juízes demorem cinco anos para se licenciar em Direito e demorem mais tempo para realizar um julgamento? Não há cidadão que possa compreender como é que um processo destes chega agora pela primeira vez ao Supremo. Isto é a descredibilização do sistema."
Conselheiro António Piçarra

Os contribuintes já gastaram quase 5 mil milhões de euros na nacionalização daquele banco e a justiça ainda não tomou uma decisão sobre sobre a matéria.
Isso é na parte criminal porque há muitas decisões na área cível que já foram tomadas pelo Supremo relativamente às obrigações da Sociedade Lusa de Negócios e que têm a ver com a violação do dever de informação do intermediário financeiro: o BPN. As decisões são contraditórias e está em discussão a fixação de jurisprudência sobre essa matéria. Se não fosse o estado de emergência, penso que teríamos uma fixação jurisprudência sobre essa matéria até às férias de verão.

Aberto à revisão do sistema de recursos e à colaboração entre a Justiça e os arguidos

É necessário rever o nosso sistema de recursos para que a pena seja executada após uma decisão da segunda instância e melhorarmos a eficácia do nosso sistema penal?
Só após o trânsito em julgado é que é possível executar a decisão. Há presunção da inocência do arguido até a essa altura.

Isso obrigaria a uma revisão da lei. Mas a ideia de executar a pena de prisão após a confirmação em segunda instância choca-o enquanto jurista?Não me chocaria o cumprimento de pena [antes do trânsito em julgado] se houvesse uma confirmação de um tribunal da Relação.

Aos 69 anos, está a um ano de se jubilar e terminar o seu mandato

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O nosso sistema de recursos foi precisamente revisto a partir da segunda instância. Os recursos para o Supremo Tribunal de Justiça foram restringidos às penas superiores a oito anos e apenas sobre matéria de direito.
Já houve restrições a nível penal e a nível cível com a introdução da dupla conforme. No fundo, se a Relação confirmar a decisão da primeira instância sem voto vencido e sem fundamentação diferente, já não é possível recorrer para o Supremo.

"Não me chocaria o cumprimento de pena [antes do trânsito em julgado], se houvesse uma confirmação de um tribunal da Relação"
Conselheiro António Piçarra

O Governo também quer alargar instrumentos que já existem na nossa lei para permitir uma maior colaboração entre a justiça e os arguidos. Ou seja, permitir que os arguidos forneçam provas documentais à Justiça em troca de uma atenuação ou dispensa de pena. O caso Rui Pinto tem sido muito debatido na opinião pública com essa perspetiva. Vê vantagens que a lei permita essa colaboração entre a Justiça e arguidos?
Isto tem a ver com o direito premial. Tem sido muito discutido e já existe na nossa lei.

Não tem nada a ver com delação premiada.
Exatamente. Já há muitos instrumentos premiais previstos na lei. No que diz respeito ao caso concreto [caso Rui Pinto], direi apenas que, ao contrário do que vi noticiado, não houve um acordo. Houve apenas uma alteração das medidas de coação. A senhora juíza entendeu que as exigências cautelares diminuíram e alterou a medida de coação para uma menos gravosa: a obrigação de permanência na habitação.

Do ponto de vista abstrato, via vantagens em que a nossa lei permitisse que os arguidos pudessem colaborar com a Justiça entregando prova documental e sendo premiados com dispensa ou atenuação de pena proposta pelo Ministério Público e decidida por um tribunal?
Compreendo perfeitamente a sua pergunta mas é uma forma de contornar aquilo que já lhe disse antes: é uma proposta de lei e portanto terei oportunamente…

"Já há muitos instrumentos premiais previstos na lei. No que diz respeito ao caso concreto [caso Rui Pinto], não houve um acordo. Houve apenas uma alteração das medidas de coação. Não me choca enquanto jurista" que venha a existir uma lei que permita a colaboração premiada dos arguidos com a Justiça.

Mas choca-o uma lei com essas características?
Não me choca, não me choca enquanto jurista.

A defesa do desaparecimento do Tribunal Central de Instrução Criminal

Qual é o balanço que faz do Tribunal Central de Instrução Criminal? Acha que era importante reformar o tribunal e alargar o quadro de juízes?
Na altura em que foi criado o Tribunal Central de Instrução Criminal, os juízes de instrução não estavam disseminados pelo país. Mais: quem fazia a instrução normalmente eram juízes em início de carreira. Hoje qualquer juiz de instrução em Lisboa, Porto ou Coimbra terá as mesmas qualificações que os juízes que exercem funções no Tribunal Central de Instrução Criminal. Portanto, se não houver a criação de um tribunal do género da Audiência Nacional espanhola, não vejo interesse na manutenção do Tribunal Central de Instrução Criminal. Poderia, quanto muito, ocorrer uma fusão com o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa e em vez do atual quadro de 10 juízes, este tribunal passaria a ter 12 juízes. Se é certo que me dizem que a especialização e o saber adquirido pelo Tribunal Central de Instrução Criminal perde-se, também é certo que toda a polémica criada pela violação do princípio do juiz natural ficaria automaticamente solucionada.

Mas não houve nenhuma violação do juiz natural no Tribunal Central de Instrução Criminal. Quem o disse foi o próprio Conselho Superior da Magistratura.
Isso já ficou esclarecido: para mim não há nenhuma violação do juiz natural.

"Se não houver a criação de um tribunal do género da Audiência Nacional espanhola, não vejo interesse na manutenção do Tribunal Central de Instrução Criminal. Poderia, quanto muito, ocorrer uma fusão com o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa."
Conselheiro António Piçarra

Não receia que essa extinção ou fusão do Tribunal Central de Instrução Criminal possa ser visto pela opinião pública como uma…
Eu sei qual é a pergunta que me quer fazer e compreendo-a perfeitamente. Os portugueses têm a perceção de que é no Tribunal Central de Instrução Criminal que estão os grandes lutadores contra o fenómeno da corrupção. Pode ter a certeza que nenhum juiz que esteja no Tribunal Central, ou por lá tenha passado, terá mais vontade do que eu e a maioria dos juízes portugueses em lutar contra a corrupção.

A Operação Marquês vai ter uma decisão instrutória até ao final do ano. Se o juiz Ivo Rosa decidir não pronunciar José Sócrates para julgamento, receia que o poder político aumente a sua capacidade de escrutinar o poder judicial?
O poder judicial não tem receio absolutamente nenhum, seja do escrutínio dos cidadãos, seja do poder político. Qualquer poder tem de ser escrutinado e o poder judicial não foge a essa regra. Também não tenho nenhum receio sobre a decisão que o dr. Ivo Rosa vier a tomar. Ele é um juiz independente e é livre de ter o seu entendimento mas há recurso da decisão que ele tomar.

"Tenho confiança de que quem me suceder saberá dirigir o Conselho Superior da Magistratura quer o Supremo Tribunal da Justiça da melhor forma e encontrar o caminho certo", afirma

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Só o Ministério Público pode recorrer.
O Ministério Público pode recorrer e a Relação de Lisboa decidirá se há ou não motivo para levar os arguidos a julgamentos. Os juízes e os tribunais tanto realizam quando pronunciam ou condenam como quando absolvem ou não pronunciam. Não sei o que que se passa com o processo Marquês, não conheço mas confio plenamente no dr. Ivo Rosa, como confio que o dr. Carlos Alexandre ou qualquer outro juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal tome a sua decisão de acordo com a sua consciência e com as provas que fazem parte do processo.

"Não tenho nenhum receio sobre a decisão que o dr. Ivo Rosa vier a tomar [na Operação Marquês]. É um juiz independente e é livre de ter o seu entendimento mas há recurso da decisão que ele tomar. O Ministério Público pode recorrer e a Relação de Lisboa decidirá se há motivo para levar os arguidos a julgamento."
Conselheiro António Piçarra

Não lhe deve agradar muito que os dois juízes que refere representem o dia e a noite, tão opostas que são as suas visões da lei.
Não sei se eles têm uma visão tão oposta quanto se faz crer mas até nisso revelam que a magistratura não tem apenas uma única visão. São dois juízes com mundividências diferentes. Se isso tem aspetos negativos também tem aspetos positivos, porque demonstra a independência quer de cada um deles quer do sistema judicial, que dá total independência decisória a todos os juízes.

Já disse publicamente que, quando fizer 70 anos, vai encerrar a sua carreira.
Não acha que chega? (risos) São muitos anos dedicados à função e à causa pública. É tempo de dar lugar aos mais novos e de rejuvenescer o lugar e a classe. Porque a idade também pesa.

O senhor tem a expetativa de que o seu trabalho nesta última fase do seu mandato, contra a corrupção e contra os abusos, possa ser continuado? Tenho apenas cumprido o meu dever de cidadão e de juiz. Tenho confiança de que quem me suceder saberá dirigir o Conselho Superior da Magistratura quer o Supremo Tribunal da Justiça da melhor forma e encontrar o caminho certo. Pode não ser coincidente com o meu mas até pode ser melhor.

[Veja a entrevista a António Piçarra na íntegra:]

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