O Parlamento continua a aprovar com uma larga maioria, tendo em conta o número de deputados, a renovação do estado de emergência; mas fá-lo cada vez mais a contragosto e por entre uma chuva de críticas à estratégia do Governo, dos apoios sociais à testagem (supostamente) massiva. Desta vez, a 14ª que o quadro de exceção é prolongado, o aviso ficou feito: boa parte dos deputados — incluindo os do PS — espera que esta votação tenha mesmo sido a última e que em maio o país já não se encontre, legalmente, em “emergência”.
Pela voz do ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, o Governo reconheceu precisamente o “desejo genuíno”, nas várias bancadas, de que o estado de emergência esteja para acabar — uma vontade que Marcelo Rebelo de Sousa também tem assumido. E foi Cabrita quem pôs o ónus no esforço que é preciso fazer nos próximos 15 dias — e que colocou “nas mãos dos portugueses” –, defendendo que em fase de desconfinamento há bons indicadores a registar: as reduções de casos ativos e internamentos até se têm vindo a consolidar e não se têm registado mortes em lares.
Há ainda assim, e mesmo perante esse quadro de otimismo, sinais de alerta. Por isso mesmo, o ministro reforçou a ideia que António Costa tinha anunciado logo com o plano de desconfinamento: as medidas podem aplicar-se de formas diferentes a locais diferentes, e esta quinta-feira, em Conselho de Ministros, o Governo poderá decidir por uma “eventual pausa deste nível de desconfinamento onde tal seja necessário”. Com Cabrita a dizer que é preciso olhar para “fenómenos locais”, um dia depois de os especialistas terem, durante a reunião do Infarmed, mostrado modelos de análise que afinam a análise local, poderá ser essa a solução a aplicar na próxima fase de desconfinamento, que arranca na segunda-feira.
Testes, vacinas e apoios sociais, os três “irritantes”
Ora foi sobre esses próximos passos que os partidos mostraram apreensão, no Parlamento. Com três focos de preocupação mais visíveis: testagem, vacinação e apoios sociais. Foi o caso do Bloco de Esquerda, que acusou o Governo de prometer testagem massificada e não cumprir, provocando a irritação da ministra da Saúde, Marta Temido, que mostrou um gráfico para provar que “não é verdade” que Portugal seja dos países que menos testam e rematou: “Como podem os outros confiar em nós quando dizemos mentiras?”.
A desconfiança em relação à testagem, sobretudo numa altura em que Portugal avança para mais uma fase de desconfinamento, foi uma constante — PSD, PAN e CDS pediram um reforço nas escolas, por exemplo — assim como à vacinação. Se vários partidos se mostraram preocupados com os avanços e recuos quanto a vacina da Astrazeneca e a “velocidade de caracol” (PEV) com que o plano está a ser executado, o PCP foi o mais violento e acusou o Governo de deixar que Portugal “se arraste” para as guerras das farmacêuticas, que se “digladiam” nos “lóbis na comunicação social”, pela venda de vacinas, prejudicando assim a população.
Terceiro ponto a causar preocupação: os apoios sociais e económicos, que foram referidos um pouco por todas as bancadas, semanas depois de o Governo ter travado os apoios aprovados pelo Parlamento e promulgados por Marcelo Rebelo de Sousa, enviando-os para o Tribunal Constitucional. “Uma guerra pública, um jogo político desnecessário”, classificou o Bloco de Esquerda. Já o PCP lembrou que o próprio Governo alargou outros apoios: “Registamos que isso foi feito por decisão do próprio Governo sem necessidade de qualquer orçamento retificativo ou suplementar”, ironizou João Oliveira.
Votos a favor, mas convicção é pouca
Foi assim, com críticas de todos os lados e desconfianças em relação à forma como o vai executar, que o Governo acabou com mais um estado de emergência aprovado (por PSD, PS, CDS, PAN e a deputada não inscrita Cristina Rodrigues), que agora terá de regulamentar.
Houve apenas um partido a sair do guião: o Chega, pela voz de André Ventura, trouxe para o debate o fantasma de José Sócrates, acusando o juiz Ivo Rosa de “gozar” com “um país incrédulo” e chamando à Justiça “a verdadeira emergência” que é preciso resolver. Mas o assunto não pegou e Ventura ficou a falar sozinho.
No final do 14º debate sobre o estado de emergência, de alguns partidos, o Governo recebeu críticas à utilidade do instrumento (o PEV questionou a “credibilidade” do estado de emergência, o CDS disse não valer mais do que “um papel”). De outros, recebeu um voto a favor, mas pouco convicto: o PSD justificou a aprovação com a necessidade de “estabilidade política”, garantindo que abrir uma crise nunca foi “opção”, mas acusou o Governo de “mentir” e enganar os portugueses. E por fim, de outros ainda, o Executivo ouviu o tal “desejo genuíno” de que Cabrita falava: “Este é o último estado de emergência de que o país precisa nesta fase”, sentenciou o BE, acompanhado nesse desejo por PS e PAN. Daqui a quinze dias se verá se há condições para isso.