Qual é a coisa qual é ela que dispensa saca-rolhas, garrafa ou copo? O conceito do vinho em lata parece ter finalmente aterrado em Portugal. Depois do lançamento do primeiro vinho português numa embalagem de alumínio, em 2016, a tendência está a crescer e são várias as marcas a embarcar nesta viagem cujo trajeto, ainda desconhecido, passa por captar um público-alvo mais jovem (gerações millennial e Z) e novas ocasiões de consumo, sobretudo num ano ainda marcado pela pandemia onde o convívio social tende a ser preferencialmente ao ar livre. De repente, na geleira da praia podem estar latas de vinho, ali a roubar espaço à habitual cerveja — a edição internacional da Forbes, a título de exemplo, fala até na expressão “beerification of wine”.

As marcas Gatão e Gazela funcionaram como uma espécie de gatilho, ao anunciarem em meados de março as novidades enlatadas. Tanto uma como outra seguem as pisadas de uma tendência que já existe há alguns anos lá fora, com particular expressão nos EUA, mas que ainda procura espaço para vingar em Portugal. Ao Observador, Ana Montenegro, diretora de comunicação da Sociedade dos Vinhos Borges, explica que o Gatão em lata (250 ml; 9% de álcool e 1,29 euros a unidade) começou a ser pensado há cerca de dois anos, após o pedido de um cliente no mercado de exportação.

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“Começámos a estudar que tipo de latas existiam no mercado internacional e percebemos que tínhamos o vinho certo, com baixo teor alcoólico, fácil de beber e com um bom ataque aromático”, explica Montenegro, assumindo desde o início que o target é o consumidor jovem e mencionando a tendência de consumo ao ar livre impulsionada pela crise sanitária. A isso acrescem outros fatores promissores: a funcionalidade, o consumo moderado dado o tamanho da lata por oposição à garrafa de vidro e a vertente sustentável — a taxa global de reciclagem da lata de alumínio é cerca de três vezes superior ao vidro, sendo que esta precisa de menor refrigeração e gasta menos energia no seu transporte. A aparente cereja no topo do bolo de alumínio? “Esta é uma forma descomplicada de beber vinho”, assegura.

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O Gatão em lata tem um pouco mais de gás do que aquele engarrafado: o gás é importante para conservá-lo no interior da lata e para que o mesmo tenha “um melhor desempenho ao nível aromático e qualitativo”. A lata, lembra Montenegro, protege o vinho de uma maior oxigenação e também da luz. Por enquanto, no mercado está o vinho branco frisante (não é espumante), mas, se tudo correr bem, a experiência alargar-se-á a outras referências do Gatão — e a ideia é chegar a um total de 70 mercados em cinco continentes, com especial enfoque nos EUA, no Canadá, no Brasil e na Europa Central. Apesar de não terem histórico, dada a novidade do produto, a previsão para os próximos 12 meses é chegar a 3 milhões de latas vendidas. O mercado do vinho em lata, diz ainda Montenegro, está a crescer a nível mundial de ano para ano a dois dígitos, e prevê-se que haja um consumo de 400 milhões de latas por ano em todo o mundo.

Durante anos, o vinho em lata — para o qual a família Coppola deu um grande contributo em 2003 — não era considerado uma categoria, explica a Forbes, acima citada. Com o tempo, o conceito passou a moda e mais recentemente ganhou o lugar que pretendia no universo do vinho, continuando a crescer. Num artigo de agosto de 2020, a reputada Wine Spectator falava num mercado prestes a chegar aos 200 milhões de dólares. E se antes da Covid-19 o produto já era um sucesso em estádios e concertos — em locais onde o vidro não é permitido —, restaurantes e bares parecem estar a apanhar o mesmo barco, com a publicação a referir-se, então, ao segmento que mais crescia no mercado.

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Também o lançamento do Gazela em lata (250 ml; 9% de álcool e 1,49 euros a unidade) é fruto da curiosidade que a tendência têm despertado e que não é de hoje. A aposta reflete as alterações nos hábitos de consumo que já não se restringem apenas ao copo de vinho à mesa a acompanhar a refeição. João Gomes da Silva, administrador da Sogrape que detém o pelouro do marketing e vendas, fala em “consumo on the go” e diz não se lembrar, pelo menos nos últimos seis anos, de um novo produto no mercado vínico a ser recebido com tanto entusiasmo. Apesar do lançamento ter sido projetado para maio, o vinho enlatado já está disponível em alguns pontos de venda e já foi expedido, por avião, para os EUA. Não está excluído que o enlatamento de vinho chegue a outras marcas do maior grupo vínico no país, mas, após o Gazela branco, um forte candidato é o rosé da mesma marca. “Vai depender do resultado daquilo que forem estes meses. Mercados diferentes evoluem em velocidades diferentes. Em Portugal é novidade absoluta.”

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Apesar das vantagens descritas, é óbvio que o comportamento de um vinho em lata não será o mesmo daquele alojado em garrafa, tanto que João Gomes da Silva garante que um vinho de guarda nunca poderá passar para o recipiente de alumínio. Bernardo Alves, da AdegaMãe é da mesma opinião, ele que conta em primeira mão ao Observador que também a produtora lisboeta está a investir em vinho em lata. “Vai estar no mercado dentro de duas semanas”, garante, explicando que o vinho está a ser desenvolvido há cerca de um ano e que, à semelhança das restantes marcas consultadas, o timing não tem que ver com a pandemia. Em causa estão os Pinta Negra branco e rosé (250 mil; 12,5% de álcool e cerca de 1,25 euros a unidade), certificados pela respetiva CVR enquanto Vinho Regional Lisboa. “O vinho é ligeiramente frisante, abaixo de um 1 bar de pressão, mas gaseificado”, diz. Vai ser possível enlatar um vinho sem gás, mas tal exige outras técnicas — ainda assim, a AdegaMãe espera lançar a versão tinta dentro de aproximadamente cinco meses (está ainda previsto um vinho com menos teor alcoólico). A meta, garante Bernardo Alves, é vender meio milhão de latas em 2021, no mercado nacional e no externo.

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À semelhança da AdegaMãe, a Fiuza está prestes a estrear no mercado nacional o vinho em lata Oceanus (250 ml; 12% de álcool), que será vendido a partir de maio com o lançamento a acontecer através do Pingo Doce, confirma ao Observador Giovanni Nigra. O “vinho branco tranquilo” tem uma pressão até 1 bar, sendo que o gás foi adicionado para conservar o vinho em lata e para trazer mais frescura. “Já temos alguma experiência de vinho em lata no mercado externo e resolvemos avançar em Portugal”, constata.

Ao Observador, Dirk Niepoort também confirma que está a desenvolver uma bebida à base de uva em lata com baixo teor de álcool (4,5%), “completamente natural, vegan e sem aditivos”, explica. A bebida, que o produtor diz não ser vinho, tem gás natural e chamar-se-á Água Viva, deverá estar à venda em junho e a lata será de 250 ml. Questionado sobre se também ele aderiu à tendência em causa, Niepoort esclarece: “Nunca fiz nada baseado nos outros”.

E o que acha de tudo isto Ivan Portela, diretor executivo da PT Wine/Positive Wine, que lançou em 2016 o primeiro vinho português em lata, o Flutt — antes dele, já a Fashion Drinks distribuía o italiano Rich Prosecco no país — ? “Andar sozinho é muito complicado”, garante, pelo que vê com bons olhos a concorrência e promete novidades para breve, com uma nova referência Flutt na calha. Portela, já de si um pioneiro, equipara o vinho em lata ao bag in box: “Quando surgiu nos anos 90 foi estranho, mas hoje em dia é um campeão de vendas”. É por isso que diz que este é “um formato de presente e de futuro”.

Em comum, todas as marcas consultadas falam no potencial do vinho em lata em ambientes de festival, onde tendem a ser proibidas as garrafas de vinho, e num produto que pode servir de rampa de lançamento para as gerações mais jovens no consumo de vinho num sentido mais tradicional. André Figuinha, sommelier no Feitoria, com uma estrela Michelin, mas também consultor e formador reage com curiosidade ao conceito e, embora admitindo as suas limitações, acredita que há espaço para ele. Garante que alguns colegas são completamente contra, mas que o fenómeno pode ser visto como inovação e uma alternativa. Mesmo originando reações adversas, já que vem mexer com um mercado tradicional e conservador, acredita que é tendência para ficar e evoluir mas sempre com limitações. “Vinhos de topo dentro de lata? Não concordo.”