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Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal, quer as importações a pagarem também a taxa do IVV.
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Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal, quer as importações a pagarem também a taxa do IVV.

KIMMY SIMÕES/OBSERVADOR

Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal, quer as importações a pagarem também a taxa do IVV.

KIMMY SIMÕES/OBSERVADOR

"Há um risco grande de muita uva ficar na vinha", diz o presidente da ViniPortugal

Excesso de stocks, importações a aumentar, e consumo a cair. O setor do vinho vai para a quarta destilação de crise em cinco anos. A ViniPortugal está preocupada e faz alertas.

Há uva que pode ficar na videira sem ser apanhada. O excesso de vinho no mercado está a condicionar o setor. Ainda assim estima-se que na campanha que está a decorrer a produção acabe por cair, o que poderá beneficiar o controlo de stocks, elevados, e que levaram já à determinação da medida temporária de destilação de crise, em que é enviado vinho para produção de álcool de fins industriais.

Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal, em entrevista ao Observador, realça o facto de ser a quarta destilaria de crise em cinco anos. “O que está a fazer com que muitos produtores de uva estejam a ponderar se vão continuar com esta atividade e, sobretudo este ano, muitos estão com problemas para vender as uvas porque não têm adegas que as recebam e as comprem. Há muitos produtores de uva com problemas”.

O responsável salienta, por outro lado, a necessidade, para equilibrar o setor, de se diminuir as importações. E estas deviam, no seu entender, pagar as mesmas taxas ao Instituto da Vinha e do Vinho, reforçando as verbas para a promoção do setor.

Além do excesso de vinho, Frederico Falcão ainda lamenta os preços a que são vendidos, em alguns restaurantes, as garrafas. O que afasta o consumidor, especialmente os mais jovens.

"Nós já temos tanto vinho nas adegas que não precisamos importar."
Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal

Há excesso de vinho em Portugal?
Eu diria que não, mas há.

Como assim?
Portugal tem défice de vinho na medida em que consumiu, em 2023, 550 milhões de litros e exportou cerca de 320 milhões. Estamos a falar em 870 milhões de litros no total entre consumo e exportação. E nós produzimos muito menos do que isso — em 2023, produzimos 750 milhões. Portanto, temos um défice de vinho entre aquilo que são as nossas necessidades de consumo e de exportação. Ou seja, precisamos de importar vinho. Agora, estamos a importar muito mais do que aquilo que precisamos. O que está a levar a excesso de stocks nas adegas. Não pela produção, mas pela importação excessiva.

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O que importamos consumimos tudo e ficam retidos os stocks que são produzidos cá?
As contas não podem ser feitas assim porque são bastante mais complexas. Porque há muito vinho que é importado e depois é exportado de Portugal. Portanto, tem um valor acrescentado. Aí também há um ganho para o país. Nem tudo é negativo aqui. A parte negativa é que se importou demasiado e neste momento as adegas estão cheias de stocks e não há mercado para tanto vinho.

A maior parte das importações é de vinho a granel, mas também há importação de vinho embalado que o consumidor quer por isso é que o compra?
Sim, nós consumimos algum vinho, pouco, embalado de outros países. De França, algum de Itália, sobretudo destes dois países. Importamos algum vinho engarrafado que é consumido no mercado nacional, mas algum também é reexportado. Nós exportamos, por exemplo para Angola, algum do vinho que importamos embalado, nomeadamente de França.

"O vinho que vem de Espanha a granel para ser embalado em Portugal vem com um preço muito baixo. No caso das importações, este ano, estamos a falar num preço médio de 58 cêntimos."
Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal

Na componente de vinho a granel que é importado…
Essa é a maior parte.

Também não exportamos a granel para outros países, onde é embalado com valor acrescentado?
Nós exportamos muito pouco vinho a granel. Nós, aliás, somos dos países produtores e exportadores, aquele que tem maior exportação de vinho engarrafado ou embalado. Eu diria embalado porque algum é expedido em bag and box, naquelas caixas. Mas mais de 95% daquilo que nós exportamos é embalado. O mesmo não acontece com Espanha, com França ou com Itália. Sobretudo Espanha exporta muito vinho a granel.

Mas é então a nossa produção excedentária que fica em stock?
Não é tão linear, mas eu diria que sim que é a nossa produção. Os nossos produtores, quando estão a importar vinho, é porque à partida têm necessidade dele e é alguma da nossa produção que acaba por não ser embalada e vendida. Eu diria que a maior parte dos stocks será de vinho que foi produzido em Portugal, embora deva haver também stock de vinho comprado fora de Portugal e que não se conseguiu escoar, porque no ano passado houve uma quebra de consumo no mercado nacional.

Quando se importa a granel é para embalar diretamente ou é para determinados segmentos de mercado que nós não temos? O que é que se importa?
Essencialmente 96% vem de Espanha do que é importado a granel.

São castas específicas que nós não tenhamos?
Não. A maior parte do vinho vem de regiões da Extremadura e da La Mancha espanhola e, muitas delas, das castas que existem cá. Em Espanha chamam-lhe Tempranillo, em Portugal chama-se Aragonês ou Tinta Roriz. Também se importa vinho de outras castas. A questão não é tanto essa, é uma questão de preço. O vinho que vem de Espanha a granel para ser embalado em Portugal vem com um preço muito baixo. No caso das importações, este ano, estamos a falar num preço médio de 58 cêntimos.

E a produção cá?
É mais cara. O nosso custo de produção é mais alto. Espanha produz volumes muito grandes, a preços relativamente baixos, aliás demasiado baixos, e, portanto, torna-se muito atrativo para alguns produtores comprarem vinho a granel fora de Portugal, a preços mais baixos, para embalar, a maior parte nos bag and boxes, e ser vendido no mercado nacional, muitas vezes na grande distribuição ou até na restauração, que é servido a jarro às mesas. Mas algum também é embalado e depois é re-exportado para outros países. Muitas vezes é misturado com vinho nacional.

Esse vinho não pode servir para as denominações de origem.
Não, não pode servir.

Há fiscalização para que isso não aconteça?
Há alguma fiscalização, mas não é suficiente. Isso é algo que tem vindo a ser levantado pelo setor. Se calhar não está a haver a fiscalização que devia e, portanto, não vou excluir a hipótese de haver algum vinho comprado a granel fora de Portugal e depois acaba por usurpar, ou seja ser misturado com vinho das denominações de origem ou indicações geográficas. Nalgum, pode acontecer isso, mas a grande quantidade é embalada e depois leva escrito na embalagem a célebre frase do Mistura UE, que é uma frase estabelecida na legislação nacional e comunitária.

Porque é que os espanhóis conseguem um preço de produção muito mais baixo? É só pelo fator quantidade ou é pelos métodos de produção?
Não, os métodos de produção são iguais, é pelo fator quantidade. Espanha é o país que tem a maior área de vinha do mundo, não é o maior produtor de vinho do mundo — é o terceiro maior produtor de vinho do mundo –, mas tem grandes extensões de vinha e consegue produzir vinho a preços muito mais baixos. Portugal é um país de minifúndio. Especialmente do Tejo para cima a área média é muito pequenina, nomeadamente no Douro, Bairrada, região dos vinhos verdes, Dão, a área média é muito pequena, muitas vezes pouco acima de um hectare. Vamos ao sul de Espanha e estas regiões da Extremadura e da La Mancha são vinhas a perder de vista, portanto os custos de produção também são muito mais baixos. Espanha tem vindo, não diria que é estratégia porque hoje em dia Espanha também tem tido problemas com isso, a centrar-se muito na produção massiva de vinhos para depois vender a granel para Portugal, França, Itália, Alemanha.

Terão menor valor acrescentado.
Muito menor valor acrescentado. O preço médio de exportação de Espanha é menos de metade do nosso.

Qual é o nosso?
No ano passado foram 2,90 euros. O preço de exportação médio de Espanha é muito abaixo. Quase metade do que os espanhóis exportam é a granel a preço baixo.

"Que não foi só este ano, de facto. Nós em cinco anos já temos quatro destilações preventivas para retirar vinho do mercado. É algo que nos preocupa."
Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal

Stocks em Portugal aumentam desde 2018, mas não há dados

Qual é o volume atualmente do stock em Portugal?
Não há dados concretos, ou muito fidedignos, sobre as quantidades stockadas em excesso. Nós precisamos, entre consumo e exportação, de 870 milhões de litros e produzimos 750. Portanto, temos aqui um défice de 120. Importamos 300 milhões. Portanto, em contas de merceeiro, temos um excesso de 200 milhões de litros. Já vi várias vezes algumas pessoas a falar sobre isto e falam na casa dos 150 milhões, mas não há números concretos.

O excesso de stocks é uma coisa recente? Ou vem ainda da pandemia?
Começou um bocadinho antes da pandemia. Nós demos um salto grande, crescemos muito na importação de vinhos em 2018. Até aí as importações rondavam os 200 milhões, passaram a rondar os 300 milhões. Portanto, houve um acréscimo de 100 milhões de litros nas importações. E também tivemos as duas últimas campanhas com produções um bocadinho acima das médias. Tendo duas campanhas grandes, tendo havido um aumento em 2018 das importações e tendo havido no ano passado uma redução de consumo em termos nacionais, isto levou a problemas nas adegas. Que não foi só este ano, de facto. Nós em cinco anos já temos quatro destilações preventivas para retirar vinho do mercado. É algo que nos preocupa, mas o setor tem capacidade de se autorregular. Basta, por exemplo, deixar de importar tanto vinho, e este ano estamos a assistir a uma quebra grande das importações a granel.

Está já a haver quebra?
Sim, no primeiro semestre quebrámos 38/39% as importações a granel em relação ao mesmo período do ano passado.

A produção lá fora foi menor?
Não, porque nós já temos excesso de vinho e, portanto, não é necessário estar a importar mais vinho. Nós já temos tanto vinho nas adegas que não precisamos importar.

Estava a referir que é a quarta campanha de destilação de crise. Já está em vigor, as verbas já estão disponíveis?
O Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) já abriu as candidaturas aos produtores para essa destilação de crise. Já recebeu essas candidaturas. Estão em processo de análise. Neste momento, as informações que tenho é que não haverá 100% das candidaturas que terão a destilação, mas que andará perto disso.

Qual é o volume que vai ser destilado?
Não se sabe ainda.

Mas as verbas correspondem a um determinado volume?
O senhor ministro da Agricultura conseguiu 15 milhões de euros de verbas comunitárias e, depois, no caso do Douro, vai haver um complemento de verbas do Instituto de Vinhos do Douro e Porto. No caso dos outros vinhos, resta saber se a tutela, o Ministério da Agricultura, vai querer juntar alguma verba para contemplar todas as candidaturas, ou se vamos ficar pelas 15 milhões.

Podem ser estabelecidas quotas por região?
Não foram estabelecidas as quotas por região.

Essa destilação de crise vai para quê?
Não pode ir para aquilo que nós chamamos de álcool de boca. Não pode ser álcool para consumo, ou seja, não irá parar a vodka, gins, ou coisas do género. Tem de ser para fins industriais — álcool-gel, tintas, enfim há tantos usos que podem ser dados ao álcool que não o consumo humano.

Nós temos indústria para absorver toda a destilação de crise?
Temos. Isso não tem problema. Esse escoamento está garantido. Onde estávamos a criar um problema era na capacidade para destilar todo este vinho em tempo. O que o setor pretendia era que a destilação ocorresse até à vindima que está a acontecer agora, mas não haveria capacidade nem para montar o sistema, receber candidaturas, analisar e decidir quais é que seriam contempladas, nem tão pouco para retirar os vinhos das adegas e poder destilar a tempo. Isso não daria tempo.

Então já vai tarde?
Sim. Até abril o vinho tem de ser todo retirado das adegas e destilado para que possamos usar as verbas europeias.

Vinhas não estão a ser arrancadas, mas há quem possa mudar de negócio

Em outros países, vemos casos de destruição de vinha. Portugal poderá ter de chegar a esse ponto?
Eu espero que não. Nós assistimos, de facto, a esses problemas sobretudo em França. A França, sobretudo a região de Bordéus, teve um problema grande porque centrou-se muito, em termos de exportação, no mercado da China, que tem vindo a cair desde 2017 e, portanto, a criar um problema grande a alguns países. Em Portugal nem tanto, mas em França está a criar um problema grande. Em França, a região de Bordéus o que fez, no imediato, foi disponibilizar verbas para a destilação de vinhos e tem previsto o arranque de uma área substancial de vinha. Em Portugal, como disse há pouco, nós não temos nem excesso de produção, nem excesso de vinha. O nosso problema é a importação excessiva.

Mas face à conjuntura do mercado, pode haver quem queira ir para outro negócio.
Esta instabilidade que nós estamos a viver no setor e que já levou a quatro destilações em cinco anos está a fazer com que muitos produtores de uva estejam a ponderar se vão continuar com esta atividade e, sobretudo este ano, muitos estão com problemas para vender as uvas porque não têm adegas que as recebam e as comprem. Há muitos produtores de uva com problemas.

Pequenos produtores?
Pequenos, mas atenção que no Alentejo também há alguns grandes. No Alentejo há alguns produtores de uvas com alguma dimensão que não têm onde vender as uvas. Estou a falar dos que não têm adega. Isto cria um problema para os produtores e, portanto, é provável e até expectável que alguns decidam abandonar a atividade. Mas, uma vez mais, saliento que não é por haver um excesso de vinho ou um excesso de produção em Portugal, os problemas são outros. Mas é natural que isso leve alguns produtores a desistir da atividade, dada a instabilidade que temos assistido nos últimos anos.

Fala muito do problema das importações, mas não se pode impedir que elas aconteçam, até porque grande parte são comunitárias.
Naturalmente, as importações são legais e nós não queremos nem podemos impedir. O nosso foco, enquanto ViniPortugal e enquanto setor, é conseguir exportar cada vez mais. Portanto, nós também não queremos que os países para onde nós exportamos vinho digam ‘vamos fechar as importações’. Não queremos que comecem com medidas protecionistas de impedir importações. Portanto, as importações são legais. Aquilo que nós defendemos é que haja informação aos consumidores sobre o que é que estão a consumir. Porque muitas vezes isso não acontece. Muitos consumidores são iludidos em erro ou com as marcas ou com o aspeto da embalagem porque o tamanho das letras de Mistura UE é muito pequenino. O consumidor acha que está a beber um vinho português e é um vinho espanhol que está embalado. É legal e legítimo que as pessoas consumam vinhos que sejam importados a granel ou embalados cá ou comprados fora — importados e embalados. Tudo isso é legal. O que nós defendemos é que o consumidor deve ser informado sobre aquilo que tem e não seja enganado.

Quem é deveria fazer essas campanhas de informação? A ViniPortugal poderia ser o elo para fazer isso?
Todo o setor tem de se empenhar nisso. Tem de haver mais controlo na rotulagem. Nós temos vindo também a pressionar o Ministério no sentido de aumentar o tamanho das letras de origem do produto, como solução possível. Estou na ViniPortugal há quase cinco anos, estive no IVV seis anos, e durante estes anos todos, em quase todos os meus discursos para o setor, lembro a importância de pôr o nome Portugal na rotulagem. Eu vejo países que põem o país na frente da rotulagem e em tamanho grande. Os chilenos até dizem proudly produced in Chile, orgulho de produzir no Chile. É uma coisa que às vezes nos envergonhamos de pôr o nome Portugal nas garrafas.

Já temos marca para isso?
Temos marca para isso. Portugal hoje em dia tem marca para isso e é bem visto lá fora e estamos a crescer. Nós somos dos países que mais cresce nas exportações — no ano passado caímos, mas foi o país que menos caiu nas exportações. Começamos a ganhar quota de mercado e a ter algum prestígio lá fora. Mas temos que usar o nome Portugal, não temos que ter vergonha do nome Portugal.

Isso não depende dos produtores e de quem faz a rotulagem, ou seja, não é uma imposição de rotulagem?
O país é obrigatório e é imposto, só que é muitas vezes escondido em tamanhos pequeninos na parte de trás do rótulo. E aquilo que eu tenho vindo já há muitos anos a alertar o setor é nós temos que pôr o nome Portugal na frente das embalagens.

A rotulagem teve agora alterações, em dezembro, por determinação europeia.
Dos ingredientes e da parte calórica.

Não se avançou, aliás como o setor quis, e Portugal apoiou, com as declarações na rotulagem de alertas de saúde, como aliás a Irlanda aprovou em janeiro deste ano. Qual era o prejuízo de ter elementos de saúde, de prevenção ou de alertas de saúde na rotulagem?
Faço a pergunta ao contrário. Qual o benefício de passar uma mensagem errada ao consumidor? Todos os estudos que são conhecidos apontam para os benefícios do consumo moderado de vinho, associado a uma dieta mediterrânea, uma dieta saudável, naturalmente associado a um estilo de vida saudável. Não é só beber vinho e depois fazer o que se quiser. Todos os estudos que existem referem as vantagens e os benefícios do consumo moderado de vinho. O problema aqui é: o que é o consumo moderado. A OMS, numa linguagem errada mas simplista porque é mais difícil explicar o que é o consumo moderado, e por isso num sentido completamente errado e sem base científica usa uma mensagem de que nenhum consumo é que é seguro e associa isto a outros disparates como os aumentos dos cancros, o que não é verdadeiro. Em geral os países produtores na Europa, e não só produtores, não concordam com isso. Infelizmente a Irlanda  avançou por esse caminho, com queixas de praticamente todos os países da Europa, porque é transmitir uma mensagem errada aos consumidores, e isso nós não queremos. Que é diferente da parte calórica e dos ingredientes, que essa nós adotámos. O vinho era o único alimento que estava excluído dessa obrigatoriedade de escrever na rotulagem os ingredientes e a parte calórica, e agora foi incluído e nós não contestámos. Conseguimos, de alguma uma forma, não ter rótulos demasiado extensos, porque conseguimos passar muita informação para meios digitais através de um QR Code, em que qualquer consumidor clica e tem acesso à informação.

Em relação às mensagens relativamente à saúde, acha que já é um caminho travado?
Nós gostávamos que o caminho estivesse travado, não tenho a certeza se está. De facto a Irlanda avançou, neste momento ainda nenhum outro país avançou, pelo menos aqui na Europa, nós gostaríamos que esse caminho não seguisse, porque é enganar o consumidor, é uma mensagem errada e que não tem base científica.

Tem um grande apoiante dessa decisão, que é o atual ministro da Agricultura que é contra esse tipo de rotulagem. Está respaldado e tem segurança de que pelo menos em Portugal…
Em Portugal não acredito que isso aconteça e como não acredito que aconteça na maior parte dos países europeus. Porque é errado e não faz sentido nenhum estar a passar essa mensagem errada ao consumidor.

Tem sentido neste governo alguma aproximação ao setor? Têm tido conversas com o governo e têm conseguido passar as vossas mensagens?
Nós somos uma associação privada que representa o setor interprofissional e portanto é a associação reconhecida pelo Estado que representa o setor de vinhos, privada, e naturalmente a nossa interligação é muito mais com o Ministério da Agricultura, que tutela o Instituto da Vinha e do Vinho e que acaba por tutelar o setor. A nossa proximidade é maior com o ministro e com secretário de Estado da Agricultura.

E qual é o vosso caderno reivindicativo?
Eu não diria reivindicativo, mas aconselhamento do Ministério da Agricultura.. passam por algumas alterações legislativas no que toca à rotulagem, algum reforço de fiscalização pelo próprio setor, e aqui refiro o Instituto da Vinha e do Vinho, as Comissões Vitivinícolas, o Instituto de Vinhos do Douro e do Porto, que devem fazer mais fiscalização, mas também a ASAE e a GNR ou as patrulhas na estrada a fiscalizar o trânsito de vinhos. Depois, no que concerne à ViniPortugal em si, o que nós queremos é que continuemos a ter apoios comunitários à promoção dos vinhos em mercados externos, países terceiros, porque em tempos havia uma linha dentro da Comissão Europeia que não gostava desta medida e queria acabar com estes apoios comunitários à promoção dos vinhos europeus fora do espaço comunitário. E com toda esta situação que se passa agora na Europa, não só com Portugal, mas Espanha, França e outros países, que têm excesso de vinho, esperemos que essa medida continue.

No PT 2030 não continua?
Continua. Mas 2030 é amanhã.

Está já a pensar no próximo quadro plurianual?
Nós temos vindo a crescer muito em termos de exportações, temos vindo a crescer muito em termos de notoriedade da marca Portugal e queremos que estas medidas não tenham um fim tão próximo para nos permitir cimentar mais a marca Portugal. De alguma forma, é sensibilizar o Governo para  manter em Bruxelas esta pressão sobre a importância desta medida até para vender os vinhos europeus em mercados que estão a crescer. O Brasil é um deles, está a crescer muitíssimo, e a Coreia, e o Japão e muitos outros mercados. É importante promovermos os vinhos europeus, no nosso caso os portugueses. Depois, há também a parte das taxas. O setor paga umas taxas ao Instituto da Vinha e de Vinho que os vinhos importados não pagam, estão excluídos do pagamento. E, portanto, aqui também há alguma concorrência desleal.

Pagarão na terra onde são produzidos, não?
Não na comercialização. A interprofissional de Espanha recebe as verbas que são pagas nos vinhos que são comercializados no território nacional ou exportados. Mas, em Portugal, os vinhos que são produzidos aqui e comercializados ou no mercado interno ou exportados pagam uma taxa ao Instituto. A maior parte dessa taxa vem para a ViniPortugal para promover os vinhos no espaço nacional, comunitário e mundial. Mas os vinhos importados não pagam. E, portanto, aqui também há alguma concorrência desleal. É algo que temos vindo a sensibilizar o Ministério da Agricultura para legislar no sentido dos vinhos importados também pagarem taxa, à semelhança do que acontece em Espanha. Os vinhos em Espanha que são importados e que sejam consumidos em Espanha ou exportados também pagam taxa. Em Portugal os vinhos pagam uma taxa de 0,00675 euros por litro, todos pagam menos os vinhos importados. Aqui pode haver alguma concorrência desleal por um lado. E, por outro, pormos esses vinhos a pagar taxa também nos ajuda a ter mais verbas para poder promover melhor os nossos vinhos lá fora.

Qual é o montante de verbas anual que a ViniPortugal tem?
A ViniPortugal tem um orçamento anual de 8,4 milhões de euros. De verbas que vêm desta taxa de promoção estamos a falar em cerca de 3,5 milhões.

O resto é de fundos comunitários?
O resto são fundos comunitários e fundos do próprio setor. Nós temos as ações comparticipadas até um máximo de 80%, com fundos desta taxa ou comunitários, e a restante verba são os produtores que pagam.

Um balde com uvas nas vindimas numa quinta em Monção, Viana do Castelo, 27 de setembro de 2022. Segundo dados da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes (CVRVV), a sub-região de Monção e Melgaço tem uma área total de 45 mil hectares, 1.730 dos quais cultivados com vinha, sendo que a casta Alvarinho ocupa cerca de 1.340 hectares. (ACOMPANHA TEXTO DA LUSA DO DIA 28 DE SETEMBRO DE 2022). JOSÉ COELHO/LUSA

Há em alguns locais excesso de uva tinta, que está a ter menos consumo

JOSÉ COELHO/LUSA

Rússia está a consumir muito vinho e do português

Portugal tem crescido nas exportações, mas há pouco referiu que a China travou um bocadinho a sua importação. Houve uma altura que os produtores portugueses estavam a olhar muito para a China até pela dimensão do mercado. Portugal sofreu com isso e qual foi a alternativa de exportação?
Portugal naturalmente sofreu com isso, mas não foi um dos países mais afetados. Por exemplo, França e Austrália foram fortemente afetados com estas quebras na China. Portugal não foi porque a China era o nosso 20.º ou 22.º mercado, não era um mercado estruturalmente importante para as nossas exportações, e, portanto, naturalmente tivemos algumas quebras de exportação para a China de um modo geral. Alguns produtores, de facto, tinham apostado muito neste mercado, e esses produtores tiveram problemas. Mas em termos globais, não causou um problema grande a Portugal, e, de alguma forma, foi compensado pelo crescimento de outros mercados. Os Estados Unidos estiveram a crescer durante muito tempo, infelizmente no ano passado caíram — os Estados Unidos e o Canadá caíram em consumo e em importações no ano passado, mas tinham vindo a crescer nos últimos anos. O Brasil está a crescer muito, o Japão, a Coreia do Sul, aqui mesmo na Europa vários países, como a Polónia, estão a crescer. Curiosamente, temos dois países que estão em guerra e que estão com um crescimento muito grande nas importações e no consumo de vinho, que é a Rússia e a Ucrânia.

As importações da Rússia estão a aumentar?
A Rússia está a aumentar muito, aliás, no ano passado e no primeiro semestre deste ano, percentualmente, foi o país que mais cresceu.

Os produtores não têm problemas em exportar para a Rússia?
Não, nós estamos a exportar vinho e a trazer dinheiro da Rússia, exportamos vinho e trazemos dinheiro. Não vejo nenhum problema político aí e, por outro lado, o povo russo que consome vinho, nem toda a gente tem culpa das políticas estratégicas dos países, ou das orientações estratégicas dos líderes dos países. Muita gente, seguramente na Rússia, que não concorda com nada disto, e não vamos privar os cidadãos russos ou ucranianos de consumirem vinho, portanto, se eles estão a consumir mais vinho, ainda bem que estão a consumir mais vinho e ainda bem que estão a consumir mais vinho português.

Qual é o maior mercado de exportação neste momento para Portugal?
Curiosamente, e ao contrário do que a maior parte das pessoas pensam, o nosso maior mercado de exportação é a França.

Engarrafado?
Nós praticamente só exportamos vinho engarrafado, mas aqui há uma influência muito grande de vinho do Porto. Se retirarmos a influência de vinho do Porto, França é o sétimo mercado e o nosso maior mercado é o Brasil, depois os Estados Unidos.

No Brasil, o consumo está a crescer?
O consumo está a crescer muito no Brasil. O consumo no Brasil está a crescer, mas Portugal está a ganhar muita quota de mercado no Brasil. O líder de mercado no Brasil em consumo é o Chile, com quase 40% de quota de mercado, segue-se a Argentina, com um bocadinho acima dos 16%, e depois Portugal com 15,9%. Somos o terceiro em termos de quota de mercado no Brasil, mas nós estamos a crescer muito no Brasil, enquanto o Chile e a Argentina estão a cair. Temos vindo, por isso, a ganhar muita quota de mercado no Brasil, e eu tenho uma forte esperança que este ano, 2024, terminemos o ano acima da Argentina em termos de quota de mercado. O Brasil está a crescer de tal forma que, historicamente, nos últimos sete ou oito anos, foi o nosso quarto maior mercado em termos de exportações globais, portanto, França número um, depois os Estados Unidos, o Reino Unido e o Brasil, e no primeiro semestre deste ano o Brasil ultrapassou o Reino Unido e já é o nosso terceiro maior mercado global, e o maior sem Porto.

É verdade que o Brasil produz pouco.
Produz pouco vinho, produz algum vinho na região do Rio Grande do Sul, mais a sul, produz alguns espumantes. E mais a norte também há alguma produção.

Mas está já a fazer algumas experiências. Pode vir a ser um desafiador?
Eu acho que não. O nosso consumo per capita em Portugal está acima dos 60 litros por ano em média — mercado nacional não é só os portugueses, aqui conta tudo, inclui o turismo. No Brasil é 2,1 litros, portanto, se o Brasil em vez dos dois litros consumisse quatro eram mais de 200 e tal milhões de litros por ano. Há muito mercado a explorar no Brasil, nós estamos também empenhados em fazer campanhas para promover o consumo geral do vinho no Brasil, substituir o consumo de outras bebidas por consumo de vinho, de maneira a fazer crescer o consumo per capita, porque, se conseguirmos, fica o problema em Portugal resolvido.

Consumo diminui. Fator preço é determinante

Porque é que o consumo em Portugal está a diminuir, é por causa dos jovens estarem a optar por outro tipo de bebidas? É o fator preço?
Em termos mundiais, temos sentido uma baixa de consumo por parte dos jovens, as novas gerações não consomem tanto vinho. Tenho estado a trabalhar com muitos países, com a França, com a Áustria, com os Estados Unidos, com o Chile, com a Austrália, com a Suíça, para perceber porque é que os jovens não estão a consumir.

É uma questão mundial?
É um problema mundial. Fizemos um primeiro ensaio nos Estados Unidos e nós achávamos que havia alguma influência das mensagens de saúde da OMS, e não é nada disso, os jovens consomem produtos bem piores, que todos sabemos que não são benéficos para a saúde. Neste caso dos Estados Unidos, nem era uma questão de gosto, era uma questão de preço. Não tinham dinheiro para consumir vinho. Li um artigo sobre Napa Valley, que é a região mais conceituada de produção de vinho da Califórnia, e não há garrafas de vinho abaixo dos 50 dólares. Isto para um jovem é muito complicado, então se for à restauração custa-lhes muito mais. É muito complicado para os jovens, que têm normalmente os orçamentos mais baixos e pouca disponibilidade financeira para consumirem vinho e, por isso, procuram outras bebidas. Eu creio que em Portugal nós não sentimos tanto esse problema dos jovens não consumirem vinho, é um problema mundial. A baixa que tivemos no ano passado, de uma redução de consumo de cerca de 50 milhões de litros, passámos de 600 para 550 milhões, prendeu-se muito, a meu ver, e há poucos estudos sobre isso, com alterações na economia portuguesa. Nós tivemos uma grande subida das taxas de juros e o aumento das taxas de juros impacta muito no bolso dos portugueses. Quase toda a gente deve dinheiro ao banco da casa em Portugal, é uma coisa muito comum.

Foi, portanto, o consumo dos residentes que caiu?
Foi o consumo dos portugueses e não o consumo dos turistas. Os turistas continuaram a consumir muito. Falei com alguns distribuidores de vinho no mercado nacional que diziam que em termos de vendas de vinhos para a restauração estavam a ter um ano fantástico, mas depois o consumo global caiu muito por via dos portugueses que se retraíram de consumo, tudo o que não era essencial os portugueses começaram a cortar, porque não tinham bolsa para tudo. Por aí, no mercado nacional acabamos por ter redução de consumo, de 50 milhões de litros, o que é muito. Na Europa tivemos vários países que também reduziram o consumo, como a Alemanha ou a Suíça, o que não tem tanto a ver com as taxas de juros, mas com o aumento da inflação. Sempre que os consumidores nesses países sentem um aumento da inflação, retraem-se nos consumos porque lembram-se tempos passados em que tiveram grandes problemas de inflação. E por isso tivemos algumas quebras em alguns desses países, que felizmente este ano estão a recuperar.

Como é que está a correr este ano, mesmo a nível interno?
O Instituto da Vinha e do Vinho divulgou recentemente o consumo interno no primeiro semestre, com base em dados da Nielsen, e tivemos um aumento grande, acima dos 20%. Saliento que a Nielsen não cobre todo o mercado nacional. A Nielsen cobre muito bem a distribuição, só que a restauração e as vendas diretas das adegas ou as vendas diretas para eventos não são cobertas pela Nielsen. Há muito mercado que não é coberto. Só mais para o final do ano é que vamos ter indicações mais precisas, quando tivermos informação dos stocks das adegas é que conseguimos ter as contas todas, o que é que se produziu, o que é que se importou, o que é que se exportou, o que é que se destilou e o que sobra é aquilo que é consumido e os stocks. Os dados de Nielsen apontam um aumento, mas não cobrem todo o mercado e portanto é difícil saber se de facto está a aumentar.

Estando o turismo a aumentar, a restauração, que vive mais do turismo, à partida não tem problemas.
O turismo é o grande pulmão do consumo de vinho nacional. Portugal lidera o consumo per capita em termos mundiais mas não são os portugueses só a consumir, é um efeito enorme do turismo, porque os turistas chegam a Portugal e são surpreendidos com o preço relativamente baixo dos vinhos, até na restauração. Lisboa já não é tanto assim, mas fora de Lisboa ainda é relativamente fácil consumir bons vinhos a preços razoáveis e com qualidade. Os vinhos têm uma qualidade muito alta a um preço relativamente acessível, coisa que não encontram em lado nenhum, portanto consomem muito vinho em Portugal.

"Lisboa pior que Porto. Mas já se começa a exagerar um bocadinho nas margens que são colocadas nos vinhos."
Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal

O preço lá fora é muito influenciado pelo imposto sobre bebidas alcoólicas.
Muitos impostos, margens mais altas dos importadores e dos distribuidores. Por exemplo os Estados Unidos têm a coisa muito segmentada, quem importa não vende ao consumidor final, quem importa vende ao distribuidor, o distribuidor vende ao retalhista e o retalhista vende ao consumidor final. São três cadeias, todos com margens, isto para além dos impostos, o que faz com que os valores por garrafa de vinho cheguem muito altos aos consumidores. No Brasil acontece a mesma coisa, quer pelos impostos, que muitas vezes são acima de 100%, quer pelas margens de quem importa e quem distribui, e portanto é caro consumir vinho. Em Portugal não é, por isso é que nós temos um grande consumo.

Não é para os turistas. Para a maior parte dos portugueses ir a um restaurante e consumir vinho fica mesmo muito caro.
Em Lisboa sim, se for mais para o interior há vinhos muito acessíveis na maior parte da restauração. Em Lisboa e no Porto, de facto nos grandes centros, e eu diria que Lisboa pior que Porto, já se começa a exagerar um bocadinho nas margens que são colocadas nos vinhos.

Não há nada que uma associação como a ViniPortugal possa fazer para sensibilizar a restauração?
Nós falamos muito disso e falamos às vezes até de uma forma mais veemente. Ficamos surpreendidos com as margens que se praticam. Eu lembro-me de participar em debates sobre isto há 15 anos, em que os restaurantes punham 100% de margem nos vinhos que vendiam na restauração, e que nós achávamos um abuso. Hoje em dia 100% é barato, porque já põem 300, 400 e 500%. É um exagero, mas aqui não há nada que possamos fazer. Nós manifestamo-nos contra isto, vamos mostrando a nossa indignação com estas margens completamente estratosféricas, absurdas, mas não podemos impedir, como é óbvio.

Nesses dados do Instituto da Vinha e do Vinho que estava a referir, a subida de preço médio por litro de vinho vendido em Portugal no primeiro semestre foi de 16,5%, muito acima da inflação registada.
Aqui há um peso maior da restauração na venda de vinhos, onde o vinho é vendido com um preço mais alto. Isto não quer dizer que os produtores tenham vendido com aumento de 16%, isso é um peso relativo que é influenciado por um aumento maior na restauração, estamos a falar em turistas.

Vai haver um caminho de agravamento dos impostos sobre bebidas alcoólicas em Portugal e que o vinho também vai começar a sentir esse efeito? O vinho tem tido alguma excecionalidade na parte do tratamento fiscal que é dado em Portugal. Acha que esse vai continuar a ser o caminho ou vai começar a agravar-se o vinho também?
Nós esperamos que o Governo mantenha especial atenção ao vinho por várias razões, primeiro pela importância económica que o vinho tem em termos nacionais e, sobretudo se formos para o interior do país, a produção de uvas e de vinhos é de extrema importância em muitos concelhos. Há muitos concelhos por este país fora cuja principal economia é o vinho, portanto, taxar o vinho apenas para conseguir mais receita para o Estado vai trazer muitos problemas ao nosso setor em termos de sobrevivência até de muitos no interior do país. O vinho é estruturalmente importante em Portugal. Creio que é o único país que tem todo o seu território coberto por denominações de origem e indicações geográficas.

O consumo dos residentes em Portugal está a cair. O turismo tem sido o sustento das vendas nos restaurantes

JOSÉ COELHO/LUSA

A queda de consumo foi transversal a todos os vinhos, tinto, branco e rosé, é transversal ou é um problema específico de algum segmento?
Há um problema específico nos tintos. Há um aumento grande de consumo de brancos e de espumantes, não só em Portugal, mas no geral. Os vinhos brancos, os vinhos espumantes têm vindo a aumentar muito; os rosés aumentaram mas estão agora relativamente estagnados ou mais estáveis em termos de consumo.Tem havido uma redução de consumo de vinhos tintos.

Também pelo fator preço, porque é o vinho mais caro, ou pelo fator clima também?
O fator preço e o fator clima também. Sou um grande consumidor de vinhos, e hoje em dia bebo muito mais vinhos brancos do que tintos. Até no inverno. São mais leves, são mais frescos, e acabo por me sentir melhor do que com os tintos que muitas vezes são demasiado pesados, alcoólicos, 14 graus, 14 e meio. Isso tem-se sentido em geral nos consumidores, que procuram mais brancos e vinhos mais frescos, mais leves, mais fáceis de consumir, e retraem-se um pouco no consumo de tintos e sobretudo nestes tintos mais pesados.

A produção está ajustada a essa tendência de consumo?
A produção tem-se vindo a ajustar. Não se tem ajustado ao ritmo que devia e, por isso, devia acelerar mais essa adaptação, mas temos sentido em muitos produtores que procuram ter cada vez vinhos com menos teor alcoólico, com mais acidez, mais frescura, portanto mais fáceis de beber, porque estão a sentir dificuldades em vender os vinhos que são mais pesados. Agora, se calhar, estamos a adaptar-nos a um ritmo mais lento que aquilo que deveríamos estar.

Há vinho a ficar na prateleira? Nessa tendência de se consumir mais brancos, em detrimento dos tintos, não vai haver falta de brancos nas prateleiras e de excesso de tintos nas prateleiras?
Há regiões em Portugal, e o Douro e o Alentejo são duas dessas regiões, que têm alguma falta de uva branca, que precisavam de mais uvas brancas, têm um excesso de uvas tintas.

Os apoios para a reconversão da vinha mantêm-se?
Mantêm-se.

E não permitem alterar essas vinhas?
Servem precisamente para isso. O que nós comummente chamamos de Vitis é uma medida de reestruturação das vinhas, portanto não é para a plantação de novas vinhas, é para a reestruturação.

Não é só de velha para a nova?
Pode ser de velha para a nova, mas não abrange só vinhas que estão no fim do ciclo de vida, é uma medida de adaptação ao mercado. É precisamente para situações como estas, ou seja, de produtores que têm um excesso de uva tinta e não têm procura, que podem, e devem, recorrer ao Vitis para reenxertarem aquela vinha ou para arrancarem aquela vinha e plantarem uma vinha de uva branca, por exemplo. É uma medida de mercado, é uma medida de adaptação ao mercado.

Produção deve cair este ano. Mas qualidade da uva é boa

Qual é a perspetiva da campanha deste ano em termos de produção?
Ainda é um bocadinho cedo para falarmos, aquilo que se espera de facto é uma redução, de 8% em relação ao ano passado. Em termos qualitativos há um contentamento geral, estão relativamente contentes com a qualidade das uvas e dos mostos. Mas em termos de produção, aquilo que me é passado é que a quebra deve ser muito superior aos tais 8%.

Na conjuntura atual não é grave.
Na conjuntura atual não é nada grave. Nesse aspeto até ajuda um bocadinho. Esta quebra em princípio será superior à que era esperada. Os calores no fim de julho e início de agosto desidrataram muito a uva, ou seja, ficou mais leve. Os cachos estão lá, mas pesam muito pouco. E, portanto, vai haver menos produção, menos quilos e menos litros de produção, precisamente pelos calores excessivos que tivemos nestas últimas semanas.

Trabalhadores durante o corte das uvas numa vindima no Dão, em Nelas, Viseu, 15 de setembro de 2020. (16 DE SETEMBRO DE 2020). NUNO ANDRÉ FERREIRA/LUSA

As vindimas estão a acontecer este ano com a perspetiva de uma queda de produção

NUNO ANDRÉ FERREIRA/LUSA

Sentem algum impacto das alterações climáticas na produção de vinho?
Sim, claro. Nas regiões mais quentes do país, e aqui referia sobretudo ao Alentejo e o Douro mais interior, as temperaturas muito altas, os extremos climáticos que são cada vez maiores, e muitas vezes a falta de chuva está a trazer grandes problemas aos produtores. Em alguns casos até na viabilidade da própria vinha, que não tem água suficiente para poder sobreviver e começa a morrer. Há casos, já em Portugal, de vinhas a morrer por falta de água. Os produtores não têm acesso a água, fazem furos e os furos secam no instante, chove pouco e as vinhas não conseguem sobreviver. Esses casos já existem um pouco.

É mais no Alentejo?
Mais no Alentejo.

Que é uma grande região produtora. Há algum risco para os vinhos do Alentejo?
Não diria tanto, porque são algumas zonas muito específicas. Tem havido, e temos sentido isso em muitos produtores, em deslocalizar as suas produções para outras zonas. Aqui falo sobretudo em produtores maiores, com maior capacidade, com maior poder financeiro, que começam a adquirir terrenos em zonas mais frescas. A Serra de Portalegre, na zona mais a norte do Alentejo, tem sido muito beneficiada com isso, com produtores à procura de terras ali para plantarem vinhas, porque é uma zona mais fresca e com menos problemas destes. Às vezes as alterações climáticas trazem vantagens. A região dos vinhos verdes tem ganhado alguma coisa em termos de qualidade e até em redução de tratamentos, por termos um clima que está mais quente e mais seco. A própria região do baixo Corgo, do Douro, mais encostada aos vinhos verdes e ao oceano, que era uma região um bocadinho mais complicada para amadurecimento e com tratamentos, está a ser beneficiada com as alterações climáticas. Mas as regiões mais quentes e mais secas, de facto, estão a ter alguns problemas que se começam a cimentar ano após ano, e é possível que algumas áreas que neste momento têm vinha num futuro próximo não consigam suportar a cultura da vinha e, por isso, ou desistem da atividade ou deslocalizam para zonas mais frescas.

O que requer mais água? O setor é um grande consumidor de água?
É algum consumidor de água, mas eu não quero aqui apontar o dedo a outras culturas, mas há culturas em Portugal que consomem muito mais água do que o setor das vinhas. Muitas das vinhas no país não são regadas. No interior do país e mesmo na região do Douro e na dos vinhos verdes, a maior parte das vinhas não é regada.

Face à conjuntura há produtores a deixar a uva na videira e a não colher?
Infelizmente, este ano isso vai acontecer bastante.

Quando diz bastante, é o quê?
Não tenho números nesta altura, porque a campanha está a iniciar-se agora. Temos assistido a muitos produtores que dizem que não estão a conseguir vender as uvas. Como digo, há uma quebra real de produção em relação àquilo que era expectável. Ela vai ser muito superior ao que se esperou. E, portanto, também é natural que, se muitos produtores tiverem uma quebra muito maior do que estavam a pensar, vão adquirir uva àqueles que neste momento ainda não estão a conseguir vendê-la. É cedo para estar a dizer nesta altura que quantidade é que vai ficar nas vinhas. Há um risco grande que muita uva fique na vinha. Vamos ver o que é que acontece até ao final da campanha.

E é só por causa do excesso ou por falta de mão de obra?
É pelo excesso de vinho que há no mercado. Não é por falta de mão de obra.

A mão de obra é, neste setor, bastante sazonal. Como é que têm colmatado e conseguido mão de obra suficiente para as colheitas?
A mão de obra é um problema. Tem sido colmatado. Eu não encontrei ainda um único produtor que não tivesse apanhado as uvas por falta de mão de obra. O centro-norte de Portugal é uma região de minifúndio de vinha. E, muitas vezes, a mão de obra é feita pelos próprios proprietários e vizinhos, que se ajudam, pouco subcontratam. Produtos um bocadinho maiores, e talvez um bocadinho mais a norte, têm tido alguns problemas de mão de obra. E, muitas vezes, é a mão de obra sazonal que vem de fora para a colheita. Essa tem sido relativamente fácil de ultrapassar. Eu diria que a mais difícil é a parte que também é sazonal, que é a poda, que acontece durante o período do inverno. E é mais difícil porque é uma operação muito específica que exige formação, enquanto a vindima é cortar cachos e já está, a poda exige alguma formação. E, naturalmente, trazer pessoas do Bangladesh, ou da Índia, ou de África, ou de Angola, de qualquer lado, para vir apanhar uvas, tem-se conseguido, mas depois conseguir dar-lhes formação para que façam uma poda bem feita é mais difícil. E uma poda mal feita afeta muito as vinhas, quer a produção, quer depois o rendimento e o desenvolvimento da própria videira. Aqui é mais preocupante.

Para a campanha da apanha, têm tido acordos com embaixadas desses países terceiros para conseguirem mão de obra?
Não conheço os casos específicos, sei de vários produtores que têm mão de obra estrangeira. Têm muitas vezes o que nós comummente chamamos de angariadores, pessoas que trazem grupos de fora para a apanha ou da azeitona ou da uva. Não sei se existem acordos bilaterais com embaixadas. É natural que possam existir para facilitar os vistos de trabalho a essas pessoas, mas é algo que ultrapassa o setor.

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