O projeto ACERSI Cuida+ começou há cerca de um mês a distribuir “tablets” por idosos de Coimbra, com o dispositivo eletrónico a transformar-se numa espécie de companhia e numa forma de minimizar a solidão vincada pela pandemia.

Rosalina Bernardo, de 81 anos, a morar na baixa de Coimbra, esquece a conversa que estava a ter e concentra-se no jogo de memória que tem à sua frente, num “tablet”. “Eu adoro isto. Isto é tão bom, tão bom”, disse à agência Lusa a mulher que mora sozinha e que foi a primeira a receber o equipamento.

O projeto, financiado pelo BPI e Fundação La Caixa a partir da Iniciativa Social Descentralizada, está a ser implementado no terreno pela Associação Cozinhas Económicas Rainha Santa Isabel (ACERSI), com a distribuição de “tablets” junto de 20 idosos, a maioria a morar na baixa de Coimbra.

Na aplicação, é possível ouvir músicas, ver filmes, jogar jogos, fazer videochamadas com familiares, ver o terço ou acompanhar a missa em Fátima e no Vaticano ou ainda acionar um botão de emergência associado à equipa da ACERSI.

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Rosalina foi a primeira a recebê-lo e usa o “tablet” todos os dias, de forma religiosa, especialmente para participar nos jogos disponíveis pelo “software” desenvolvido pela siosLIFE.

Normalmente, faço duas vezes por dia. Jogo um bocado e começa a gastar um bocadinho de bateria e paro. Mais tarde, volto a jogar, gasto mais um bocadinho de bateria e volto a carregar”, contou.

Rosalina Bernardo confessa que gosta mais do “tablet” do que de “ficar a ver televisão”. “Mesmo num dia mau, uso isto. Até para exercitar a cabeça, que eu sinto que ajuda à cabeça”, frisou.

De acordo com a diretora técnica da ACERSI, Ana Cristóvão, o projeto “enquadra-se no âmbito de medidas mais vastas” que a instituição tomou aquando do confinamento provocado pela pandemia. “Temos muitos idosos a morar sozinhos aqui na baixa e que precisavam de um acompanhamento de proximidade. Desenvolvemos algumas atividades, criámos parcerias, como, por exemplo, com psicólogos que os acompanham telefonicamente com bastante regularidade e uma rede de voluntários que também os acompanham. Este projeto surge no sentido de dinamizar o dia-a-dia deles e criar-lhes alguma atividade”, explicou.

Para Ana Cristóvão, a pandemia só veio reforçar situações de solidão, salientando que dos 30 idosos que acompanhavam apenas dois “é que tiveram o apoio familiar”.

“Verificámos que estavam cada vez mais debilitados, porque a pandemia veio pôr a descoberto muitas situações. Passámos a acompanhar mais 24 pessoas idosas que nos foram sinalizadas”, recordou a coordenadora da ACERSI para a área dos idosos, Teresa Sousa.

Segundo esta responsável, aquando das visitas, começaram a aperceber-se que os utentes estavam “cada vez mais deprimidos e dependentes”, sendo que a ideia do “tablet”, que era anterior à pandemia, apenas se veio a solidificar. “Já está a fazer alguma diferença na vida das pessoas que têm estes ‘tablets'”, notou Teresa Sousa.

Há utentes que se sentem mais ativos e mais animados, seja pelos jogos, seja pelo contacto mais próximo com os familiares, e há até quem veja o “tablet” como uma companhia, ao ponto de uma utente lhe ter dado um nome — “Escaramuça” —, como se fosse “um animal de estimação”, frisou.

“Nós notamos que por causa da pandemia há perda de capacidades cognitivas e até motoras. Seria importante existirem outras atividades, que ainda não estão ao nosso alcance, mas que ambicionamos”, disse, salientando que o envelhecimento ativo acaba por estar condicionado aos idosos com poucos rendimentos, sendo fundamental uma intervenção para atenuar essas barreiras socioeconómicas.

Dora Costa, de 77 anos, recebeu o “tablet” há pouco mais de uma semana e já é a sua companhia enquanto faz renda ou malha, escolhendo músicas para servirem de banda sonora enquanto está na costura, numa seleção eclética onde cabem marchas populares, João Pedro Pais ou kizomba. Além disso, recorre também ao equipamento para fazer videochamadas com o seu filho.

É muito melhor a videochamada. O meu filho foi pescar e eu vi tudo. O vento, aquela zona de Porto Covo, que é um encanto, foi muito bom”, contou.

“Gosto das músicas, gosto dos jogos. Tudo o que me entretém e me tira do presente é bom. Isto distrai-me das coisas menos boas”, sublinhou Dora, antes de se pôr a resolver um “puzzle”.