O PS vê com “muito bons olhos” a proposta dos juízes para criminalizar a ocultação de riqueza (associada à ideia de criminalizar o enriquecimento ilícito ou injustificado) e vai mesmo apresentar um projeto de lei próprio nesse sentido.

Em declarações ao Observador, a deputada socialista Constança Urbano de Sousa confirma que o partido considera o contributo dos juízes “muito válido”, o que aumenta e muito as hipóteses de um projeto destes passar, 14 anos depois das primeiras tentativas e já com o PSD a mostrar também abertura neste sentido.

Depois de vários dias de pressão à volta do tema do enriquecimento injustificado, que já motivou a apresentação de propostas de BE e PCP e uma proposta da Associação Sindical dos Juízes para criminalizar a “ocultação da riqueza” com semelhanças a estas, o PS vem assim tomar uma posição, elogiando o contributo dos juízes. “A proposta visa rever o regime que hoje existe e foi consagrado em 2019”, no pacote de leis então aprovado na Comissão da Transparência, contextualiza a deputada.

Esse pacote, particularmente na lei 52/19, já criminalizava a não apresentação da declaração de rendimentos e património por parte de políticos e altos cargos públicos, assim como a “intenção de ocultar património”. Agora, pode ser aperfeiçoada a partir de um contributo dos magistrados que “tenta compatibilizar” a regra com a Constituição, frisa a deputada. Isto porque a lei para criminalizar o enriquecimento injustificado já foi aprovada no Parlamento e barrada por duas vezes no Tribunal Constitucional, no tempo do Governo de Pedro Passos Coelho, na altura por se considerar que se invertia o ónus da prova — daí que os juízes recusem agora usar a mesma denominação, rejeitando associarem-se a propostas que continham problemas de constitucionalidade.

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Vamos partir dela para melhorar este regime e torná-lo mais efetivo“, explica a deputada. E concretiza como: por um lado, o PS quer “reforçar as obrigações de justificação das declarações”, ou seja, obrigar a que a origem do enriquecimento seja justificada logo à partida, a partir de determinado montante; por outro, “reforçar a moldura penal deste crime”, tornando-a mais pesada “nalgumas circunstâncias”.

No entender do PS, no projeto dos juízes “não há a questão, que havia nos projetos aprovados anteriormente, do princípio da proporcionalidade e a presunção de inocência”: “Pensamos que esta é uma forma de ultrapassar os obstáculos constitucionais”.

“Fica mais clara a obrigação de justificação de património declarado e o não justificado ser passível também de uma pena de natureza criminal”, defende a deputada. Conclusão: “O PS vê com bons olhos esta iniciativa e sobre ela iremos depois apresentar um projeto lei”.

Em princípio, e se não se desentenderem nos detalhes, isto pode mesmo abrir caminho a uma aprovação de uma lei que criminalize o enriquecimento injustificado, ou a ocultação da riqueza, como os partidos estão a tentar desde 2007.

Ainda esta manhã o Bloco de Esquerda apresentou a sua própria proposta, que disse vir “em linha” com a dos juízes (com quem, de resto, se reuniu esta semana), e que prevê não só que a origem do enriquecimento seja justificada como também que seja obrigatório declarar promessas de vantagens que possam ser recebidas só no futuro (uma das maiores falhas que os juízes apontavam à lei atual).

O BE também quer que essas vantagens injustificadas possam ser ‘confiscadas’ em 100% pelo Estado, por via fiscal (neste momento são tributados a 80%, para políticos e altos cargos públicos).

O PSD mostra abertura para uma lei neste sentido, mas quer conhecer as propostas em pormenor. Em resposta ao Observador, o partido frisa que “o sistema de Justiça não se tem mostrado capaz de combater a corrupção”, o que justifica “alterações nesse sentido”, e concretiza: “Relativamente à medida pontual da criminalização do enriquecimento ilícito, o PSD apoiará sempre qualquer norma nesse sentido, desde que seja eficaz e Constitucional. A não ser assim, não o poderá fazer”.

Também o PCP apresentou proposta própria, que prevê igualmente um dever de justificação da origem do rendimento a partir de determinado valor (66.500 euros, ou 100 salários mínimos), e PAN e Chega têm a mesma intenção.

“Não posso fazer mais”. Marcelo pressiona Governo e partidos para criminalizar enriquecimento injustificado

Ainda assim, se houver entendimento no cruzamento das propostas, a esquerda sozinha poderá ser suficiente para aprovar a lei que Marcelo Rebelo de Sousa veio ainda esta semana pedir, no rescaldo de questões colocadas a propósito da Operação Marquês. “Não sei o que posso fazer mais”, disse o presidente na segunda-feira, garantindo que já passou tempo “de mais” e que uma “boa ideia” não se pode perder por causa da forma como é concretizada. Já esta quarta-feira António Costa deu a sua luz verde à medida, elogiando o contributo da associação de juízes e remetendo a resolução do assunto para o Parlamento.