O tema da corrupção tem motivado ataques contra o PS, mas não só: no rescaldo da última decisão sobre a Operação Marquês, as críticas começaram a suceder-se dentro do próprio PS. As respostas da direção da bancada parlamentar socialista ao ex-ministro João Cravinho não caíram bem, incluindo… na própria bancada do partido, onde o deputado Ascenso Simões disparou contra a “estratégia suicida” dos socialistas.

A polémica estalou quando, depois de João Cravinho — que na época do primeiro Governo de José Sócrates apresentou um pacote de propostas anticorrupção — ter acusado o PS de então de ter “travado” e “evitado” o tema, a vice da bancada Constança Urbano de Sousa atacou de volta, lembrando o historial do PS na luta contra a corrupção e concluindo que Cravinho estaria “com a memória um pouco afetada”. Já esta quarta-feira, a líder parlamentar, Ana Catarina Mendes, voltou à carga, para considerar as palavras de Cravinho “injustas”.

PS volta a atirar-se a Cravinho. Ana Catarina Mendes diz que declarações sobre plano anticorrupção são “injustas”

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ora Ascenso não gostou e enviou uma série de e-mails aos colegas, a que o Observador teve acesso, em que critica o que considera ser uma “estratégia suicida no argumentário” e uma “falta de sentido estratégico” que pode mesmo levar a um “processo de auto-destruição”.

“Não tivesse bastado uma intervenção infeliz e temos um novo capítulo no ataque a João Cravinho”, lamenta o deputado num dos e-mails, em que questiona: “Não conseguiremos encontrar o ponto certo que importa? (…) Que interesse tem a contabilidade de propostas aprovadas e rejeitadas e que eram da autoria de Cravinho? Que interesse tem fecharmos os olhos ao que a sociedade portuguesa tem por adquirido? Esta estratégia suicida no argumentário leva-nos a que saída?”. Termina com um lamento: “O confronto no grupo parlamentar não é uma coisa boa de fazer. Em boa verdade tentamos ser uma família. Mas a falta de sentido estratégico a que se assiste é profundamente danosa para o futuro”.

No Facebook, Ascenso já tinha, aliás, defendido Cravinho, dizendo que “nunca” lhe passaria pela cabeça “uma afirmação destas por parte da direção da bancada parlamentar do PS”. “Afirmar-se que Cravinho, pai de um ministro do atual governo (João Gomes Cravinho, ministro da Defesa)  “deve estar com a memória um pouco afetada” é insulto que não posso aceitar”, rematava então.

PS responde a João Cravinho sobre corrupção: “Deve estar com a memória um pouco afetada”

Num outro e-mail enviado para o grupo parlamentar, a propósito da proposta que os socialistas apresentaram esta quinta-feira no Parlamento para criminalizar a “ocultação da riqueza”, a crispação voltava a ficar evidente: “Já agora podiam enviar-nos o texto que vai ser apresentado na Conferência de Imprensa. Era só uma atenção aos deputados que não estiveram na elaboração do texto. Uma pequena atenção que resolva também o facto de termos conhecido as linhas do pacote do teletrabalho pela imprensa”, atacava Ascenso.

Contactado pelo Observador, o deputado recusou comentar, limitando-se a dizer: “As coisas que digo ao Grupo Parlamentar ficam no grupo parlamentar. Tenho pena que alguém difunda correio pessoal”.

Deputados reunidos tentaram acertar o tom

Ascenso não será aliás o único deputado irritado com os ataques a Cravinho. Ao Observador, vários parlamentares relataram que existe na bancada “bastante incómodo” com as declarações de Constança Urbano de Sousa — que terá usado um tom “desadequado” — a somar a um “sentimento geral” de que, na sombra do caso Sócrates, é difícil calar o ruído para explicar o que o PS tem efetivamente feito para combater a corrupção.

Por isso mesmo, a direção da bancada tentou, na reunião desta quinta-feira, acertar o tom, apontando para a “injustiça” das declarações de Cravinho, atendendo às várias propostas que o PS apresentou ao longo dos anos sobre estas matérias. A divergência maior será mesmo, no entanto, a forma como se lidará publicamente com o assunto: de acordo com os deputados presentes na reunião, a líder parlamentar assumiu uma postura mais assertiva, em defesa do património do PS no combate à corrupção.

De outro lado estão deputados como Marcos Perestrello ou José Magalhães, que, segundo os relatos feitos ao Observador, terão considerado que o foco deve ser sobre as iniciativas que o PS está a preparar para o futuro, uma vez que falar de um passado que inclui José Sócrates pode resumir-se a participar numa guerra que já está perdida; a mensagem poderia, assim, ficar intoxicada pelo fator Sócrates, pelo que mais importante será falar de futuro.

PS agrava para cinco anos pena de prisão por ocultação intencional de enriquecimento

E foi isso mesmo que os socialistas tentaram fazer logo à saída da reunião, que apesar das divergências terá decorrido num tom “calmo”, marcando uma conferência de imprensa para pouco depois do meio-dia que serviu precisamente para apresentar a proposta do PS para criminalizar a ocultação da riqueza — uma nova versão do enriquecimento ilícito, que tenta contornar os problemas constitucionais que este representava — muito em linha com a proposta da Associação Sindical dos Juízes.

Mesmo assim, no princípio da declaração, o deputado do PS Jorge Lacão fez precisamente questão de começar por recordar o historial do partido nestas matérias, acusando a maioria de direita PSD/CDS de ter atrasado o processo da legislação para garantir mais transparência. No PS, quando o assunto é o fantasma Sócrates e a corrupção, continua a dificuldade de falar em uníssono.