“Temos de ser muito agressivos esta noite [de quarta-feira] porque eles [Chelsea] estão habituados a isso, a serem muito agressivos. Depois, recordem sempre isto: se tiverem a bola, vamos jogar. Vamos jogar, desfrutar com a bola porque foi isso que nos trouxe até aqui [às meias da Champions]. O Real Madrid é e foi sempre isto”.

Para quem Kanté assim, só falta mesmo N’Golo (a crónica do Real-Chelsea)

Na primeira passagem pelo comando técnico dos merengues, quando conseguiu sagrar-se tricampeão europeu, um dos grandes segredos de Zinedine Zidane passava por ser quase mais um jogador noutra posição. Porque o francês, que deixou de jogar em 2006, tinha ainda muito presente o chip de uma carreira onde ganhou tudo o que havia para ganhar: os momentos, as palestras, as folgas, os treinos. E foi essa forma de liderar que permitiu ter tanto sucesso, ganhando pela omnipresença e mostrando-se presente nos momentos menos conseguidos. No regresso, menos de um ano depois, chegou também uma versão 2.0 de ZZ, não tanto como evolução mas como uma resposta às circunstâncias de um contexto que mudou no Real. E esta época foi um exemplo paradigmático.

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Mais uma vez com algumas ausências pelo meio, neste caso de Carvajal e Varane (Marcelo conseguiu livrar-se à última de ficar numa mesa de voto nas eleições em Madrid), sabendo ainda que Sergio Ramos e Mendy tinham alta médica mesmo podendo não estar nas melhores condições para um encontro sem margem de erro frente ao Chelsea em Stamford Bridge depois do empate a um em Madrid, o treinador tinha novo desafio pela frente para mostrar o seu papel mais interventivo, mais versátil e mais aberto a qualquer abordagem tática, como destacava esta quarta-feira o El País recordando as cinco disposições em campo já utilizadas pelo francês só esta temporada mesmo mantendo a ideia de jogo: o 4x3x3, o mais habitual com Casemiro como vértice mais recuado no tridente do meio-campo e dois jogadores mais abertos no apoio a Benzema; o 4x2x3x1, com Kroos a jogar de forma mais posicional e Modric mais na frente; o 4x4x2, com Vinícius sozinho em dupla com Benzema; o 3x5x2, com uma linha de três atrás como a que jogou na primeira mão; e o 4x1x4x1, com maior criatividade no meio.

Em qualquer esquema, a bola era o fator essencial, como Zidane fez questão de destacar na palestra feita antes do treino de adaptação a Stamford Bridge e que foi apanhado por alguns microfones que estavam mais próximos do grupo espanhol, como mostrou o As. Esse foi o grande problema da formação de Madrid na primeira volta: as dificuldades que sentiu com bola face às zonas de pressão mais altas e agressivas que estavam montadas pelo Chelsea de Thomas Tuchel e os posicionamentos da equipa quando estava sem posse. E era por aí que poderia entroncar a solução para a passagem à final da Liga dos Campeões, com o técnico gaulês a evocar o próprio ADN de jogo do Real Madrid desde a sua base para pedir que os jogadores se divertissem mas com bola.

Em algumas fases do jogo, os espanhóis conseguiram ser assim. E em alguns momentos foi possível ver o dedo de Zidane a ajudar uma equipa com vários jogadores com muita experiência de Champions a gerir os momentos. No entanto, foi curto. E foi curto porque a colocação de Vinícius a fazer o corredor direito não funcionou, porque a aposta em Hazard foi um tiro ao lado e porque o Chelsea conseguiu ser globalmente superior pela intensidade colocada nas saídas de bola. O último bastião dos clubes tradicionais caiu, a final da Liga dos Campeões será jogada por dois dos “novos ricos” apoiados em oligarcas ou países (no caso do Manchester City) e no meio de tudo isto sobrou um elogio ao FC Porto, pela capacidade com que disputou a segunda mão dos quartos com os blues colocando dificuldades que nunca a formação espanhola conseguiu apresentar em Stamford Bridge.

De regresso ao esquema de três defesas com Éder Militão, Sergio Ramos e Nacho, o Real Madrid ainda conseguiu nos primeiros dez minutos ter aquele controlo com bola que Zidane tinha pedido, e que teve no seu epílogo um remate de meia distância de Kroos para defesa atenta de Mendy, mas o Chelsea voltou a aproveitar os espaços que ficavam nas transições, fosse pelo não acompanhamento de Vinícius a Chilweel, fosse pelo posicionamento de Kanté nas costas de Casemiro ou de Kroos. Rüdiger tentou também surpreender de fora da área para um desvio atento de Courtois mas a ideia que o jogo passava era que bastava haver algum espaço para os ingleses apostarem na velocidade para o perigo no último terço espanhol ser quase instantâneo. E assim continuou. 

Já depois de um golo anulado a Timo Werner por posição irregular do alemão em mais uma jogada onde Ben Chilwell ganhou a esquerda do ataque dos blues (18′) e de um remate com muito perigo de Benzema à entrada da área (26′), o Chelsea adiantou-se mesmo no marcado num lance que voltou a passar pelos pés de Kanté pelo meio, Havertz atirou à trave perante a saída de Courtois e Timo Werner fez a recarga de cabeça (28′). A equipa de Thomas Tuchel voltava a marcar primeiro como em Madrid, Benzema ficou perto de empatar como em Madrid, desta vez com um cabeceamento nas costas de Rüdiger após cruzamento de Modric (35′).

No segundo tempo, e quando se perspetivava um Real mais dominador e adiantado no terreno, os 20 minutos iniciais reforçaram o domínio do Chelsea, que teve quatro oportunidades flagrantes para arrumar de vez com as contas depois de uma bola de Havertz na trave, por Thiago Silva (50′, a cabecear por cima no seguimento de uma bola parada), Mount (53′, a atirar fora do alvo isolado na área com um passe de Werner), Havertz (59′, a surgir isolado perante Courtois mas a permitir a defesa do belga) e Kanté (65′, de novo sozinho para nova grande intervenção do gigante na baliza espanhola). Zidane ainda lançou Asensio, Valverde e Rodrygo colocando um maior risco na equipa mas a tendência iria manter-se até ao final, com os visitados a chegarem mesmo ao 2-0 em mais uma grande recuperação de Kanté antes da assistência de Pulisic para o toque à boca da baliza de Mount (87′) que fechou uma ida à final da Champions que funciona também como “resposta” de Thomas Tuchel ao PSG.