O nome pode suscitar pouca ou nenhuma reação entre as novas gerações, mas à mínima curiosidade em torno da excêntrica elite nova-iorquina dos anos 70 (para não falar na própria história do pronto-a-vestir americano no século XX) o nome ressalta. Halston foi transversal, um fenómeno de popularidade completo — anfitrião insuperável e presença assídua no mítico Studio 54, um génio do design de moda que repensou a silhueta da mulher americana à luz de um novo pragmatismo, visionário capaz de erguer um império e de fazer do próprio estilo a sua campanha de marketing mais eficaz e um ser carismático que acaba de chegar à Netflix pelas mãos de Ryan Murphy, Sharr White e Ewan McGregor, nomes que encabeçam uma extensa equipa de produção.
Halston, a minissérie de cinco episódios que retrata a ascensão do criador, estreou na última sexta-feira. Além de produtor, McGregor protagoniza a trama, vestindo a pele de Roy Halston Frowick, o designer e empresário que revolucionou o gosto americano ao mesmo tempo que posou ao lado de grandes estrelas da época — de Liza Minnelli, a inseparável amiga (papel que coube a Krysta Rodriguez) a Martha Graham, vulto das artes interpretado por Mary Beth Peil.
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Baseada no livro Simply Halston: The Untold Story, biografia póstuma de Steven Gaines publicada em 1991, a minissérie foi posta em causa, mesmo antes da estreia. Representantes da Halston Archives and Family emitiram um comunicado na última segunda-feira, onde a classificaram como um “relato impreciso e ficcional”. “A Halston Archives and Family não foi consultada para a nova série da Netflix […] A Halston Archives and Family continua a ser a única e mais completa fonte sobre o homem e o seu legado, bem como o detentor legítimo dos seus objetos e documentos pessoais”, pode ler-se.
Lesley Frowick, diretora e fundadora dos Arquivos Halston, e ainda uma das seis sobrinhas do criador, também se pronunciou no início da semana. “Contactaram pessoas do diz-que-diz, mas nem sabemos quem são. Não fomos contactados, daí que seja uma série não autorizada sobre a vida do meu tio e que roça a ficção”, afirmou. Esta não é, no entanto, a primeira vez que a vida e o trabalho de Halston chega ao grande ecrã. Em 2010, surgiu um primeiro documentário — Ultrasuede: In Search of Halston, imediatamente apontado pela abordagem superficial ao papel do designer no panorama da moda americana. Em 2019, foi a vez de Frédéric Tcheng, autor dos documentários Dior and I e Diana Vreeland: The Eye Has to Travel pegar no seu trajeto e lançar Halston.
O criador morreu a 26 de março de 1990, cerca de dois anos após ter sido diagnosticado como HIV positivo, tendo passado os últimos dias ao cuidado da família, em São Francisco, muito longe da exuberância que pautou a maior parte da sua vida. Tinha 57 anos. Por trás dos excessos e do socialite incansável, houve quem reconhecesse um ser humano frágil, cuja homossexualidade e a expressão individual foram reprimidas pela sociedade do seu tempo. “Foi isso que o Halston experienciou”, admitiu a ex-manequim Pat Cleveland ao The News York Times, em 2019. “Ele era curioso, vulnerável e queria tanto ser amado. Eventualmente, a pessoa acaba por se perder no escuro”.
Da chapelaria ao pronto-a-vestir: a ascensão de Halston
Foi como chapeleiro que Roy Halston Frowick entrou no mundo da moda e começou a deslumbrar a alta-roda da sociedade americana, ainda durante a década de 60. O ano de 1961 foi, aliás, de viragem para o jovem designer de 28 anos, já na altura estabelecido em nome próprio dentro dos luxuosos armazéns Bergdorf Goodman, em Nova Iorque. Coube-lhe desenhar o chapéu pillbox usado por Jacqueline Kennedy na tomada de posse do marido como presidente dos Estados Unidos da América.
A peça partilhava o azul pálido com o casaco assinado por Oleg Cassini. Halston admitiria mais tarde que nem tudo correu como esperado — além de ser demasiado pequeno (o que não a impediu de usá-lo), a primeira-dama acabou por amassar ligeiramente o chapéu com a mão, depois de uma rajada de vento quase o ter levado pelos ares. O modelo acabou por ser copiado aos milhares, com o pequeno amasso como feitio.
As suas origens eram modestas. Filho de um contabilista norueguês e de uma dona de casa americana, nasceu e cresceu entre o Iowa e o Indiana. Com cerca de 20 anos, voltou a mudar-se, desta vez para frequentar a School of the Art Institute of Chicago. Depois de trabalhar como vitrinista, abriu o seu próprio atelier de chapelaria. Mais do que um simples nome do meio, Halston passou a ser o seu nome artístico e comercial. Em 1958, parte à conquista de Nova Iorque.
Os anos dourados de Halston
A incursão pelo pronto-a-vestir viria só em 1969, no entanto o designer já tinha granjeado uma vasta legião de admiradoras — Carol Channing, Gloria Swanson, Mary Wells Lawrence e Kim Novak, entre outras. Com os chapéus a caírem em desuso, Halston não se limitou a adaptar o negócio aos novos tempos, ele próprio lançou o mote para uma nova forma de vestir. Se por um lado as suas silhuetas apareceram fluidas e cheias demovimento, por outro o seu design depurado e minimalista contagiou o guarda-roupa feminino com um novo pragmatismo.
“Provavelmente, limpei a moda americana. Aliás, tratavam-me por Mr. Clean. Na realidade, foi só livrar-me de todos os detalhes que não serviam para nada — dos laços que não atavam, dos botões que não apertavam, dos fechos que não fechavam, dos vestidos de traçar que não traçavam. Sempre detestei coisas que não funcionam”, admitiu o criador numa entrevista à Vogue, em 1980.
“A moda continuava a ser um pouco rígida, mas ele quebrava os velhos moldes. Ele mostrou às senhoras da alta sociedade que não tinham de ser senhoras a tempo inteiro”, assinalou Pat Cleveland (papel desempenhado pela manequim Dilone) em 2019. O estilo Halston ficou impresso na moda americana dos anos 70, a década em que o nome do designer mais ecoou nas revistas de moda, na televisão (uma das aparições foi em 1981, no programa The Love Boat) e no circuito artístico e boémio de Nova Iorque. Foi uma década dourada repleta de silhuetas disruptivas como o vestido camiseiro, uma clara apropriação da moda masculina, e de inovações na escolha dos materiais, com o designer a preferir a leveza das sedas e a introduzir o ultrasuede, uma leve camurça sintética que podia ir à máquina.
Quando decidiu juntar os dois, em 1972 (o mesmo ano em que abriu uma loja em Madison Avenue), o resultado foi um ícone que permanece no imaginário americano. “O vestido em ultrasuede de Halston é um investimento seguro que vale cada centavo dos 360 dólares que custa atualmente”, escrevia o The New York Times, quatro anos depois do lançamento da peça. “Provavelmente, o sucesso do vestido camisa (que já vendeu 42 mil unidades) diz mais sobre Halston do que todos os modelitos sexy que desenha para as suas modelos magras. Como designer, ele é infinitamente generoso com as mulheres, com todas as mulheres”, leu-se ainda.
A Halston sem Halston
Por esta altura, o seu rol de clientes habituais incluía Elizabeth Taylor, Betty Ford (que no final da década era já ex-primeira-dama dos Estados Unidos), Babe Paley, Anjelica Huston, Lauren Margaux Hemingway, entre muitas outras estrelas da época. Um entorno cintilante que não impediu a queda do império Halston. Em 1973, vendeu a marca por 16 milhões de dólares, permanecendo como diretor criativo. Nos anos seguintes, a empresa diversificou a oferta — perfumaria, moda masculina, lingerie, roupa de cama e ainda malas de viagem.
O contrato milionário assinado com a cadeia J. C. Penney em 1983 ditou o afastamento definitivo do designer. A ideia de ver o criador desenhar coleções mais baratas não agradou aos revendedores da sua linha de luxo. Um ano depois, a marca era adquirida pela Esmark e Roy posto de lado. A Halston resiste até hoje no mercado, embora sem o relevo de outros tempos. Nas últimas três décadas foi várias as tentativas de relançá-la e inúmeros os designers (e não só) contratados para assumirem a direção criativa, incluindo a atriz Sarah Jessica Parker, que esteve ao leme da marca durante cerca de dois anos.
Liza, Bianca e outras companhias
Ninguém posou tantas vezes ao lado de Halston como Liza Minnelli, estrela da Broadway que viveu a Nova Iorque dos anos 70 tão ou mais intensamente do que o próprio designer. Conheceram-se em 1966 e, como descreveu a atriz em 2011, a química foi imediata — “Demo-nos logo bem. Ele tornou-se um conselheiro de moda, fazia o que ele dizia”. A dupla vivia rodeada de outros amigos íntimos — Andy Warhol e Bianca Jagger eram inseparáveis, quer no apartamento do designer (o número 101 de East 63rd Street), quer nas longas noites do Studio 54. Aí juntavam-se outras companhias: Pat Cleveland, Elizabeth Taylor, Cher, Anjelica Huston e Margaux Hemingway, entre muitas outras figuras da época.
“Era na altura em que o Warhol usava fato e andava sempre com uma câmara. O Halston ficava fascinado com tudo o que acontecia à sua volta e eu admirava-o por isso. Era engraçado, curioso com tudo, um homem bom, não fazia mal a uma mosca”, acrescentou Minelli à Harper’s Bazaar. Quase tão badalada como as suas criações era a sua vida social. Para a posteridade ficou a noite em que vestiu Jagger e Minnelli de branco. A festa, no Studio 54, culminou no momento em que ambas soltaram pombas em plena pista de dança. Sobre o evento, organizado pelo próprio designer, Halston disse mais tarde ter rendido uns “580 jornais”.
Mas no final da década de 70, a própria imprensa especulava sobre os eventuais abusos cometidos por Roy na esfera privada. “O maior designer da América dança no Studio 54, mas as suas roupas são para um público bem mais conservador. É um ótimo sítio para fugir de tudo o resto”, escrevia o The Daily News em 1979. “Toda a gente consumia drogas. Quem conseguiu sobreviver aos anos 60, chegou a um ponto em que percebeu que era apenas um viciado e que os dias de paz e amor tinham acabado”, referiu o figurinista Joel Schumacher (papel de Rory Culkin na minissérie) ao The Hollywood Reporter, em 2019.
Pouco se sabe sobre a vida amorosa de Halston. A relação com o maquilhador Victor Hugo ter-se-á estendido por mais de uma década. Este começou por ser contratado como vitrinista pelo designer e chegou mesmo a morar no seu apartamento. Mais tarde, tornou-se assistente de Warhol. A personagem não foi esquecida na minissérie da Netflix, desempenhada por Gian Franco Rodriguez. Contudo, o The New York Times anotou um outro nome nesta curta lista de amantes — o designer de origem cubana Luis Estévez.
As Halstonettes
Cunhado por André Leon Talley, o termo foi certeiro. Das sucessivas edições da Met Gala à passagem pelo “barco do amor”, Halston fazia-se acompanhar frequentemente por um séquito de manequins, musas que começou por receber no seu atelier e que acabou por transformar em arquétipos de beleza feminina, à sua imagem e semelhança.
Pat Cleveland, Anjelica Huston, Heidi Goldberg, Karen Bjornson, Beverly Johnson, Nancy North, Chris Royer e Alva Chinn eram manequins a tempo inteiro, as sombras do mestre. “Lembro-me de olhar para uma imagem do Paul Poiret nos anos 20. Estava rodeado de uma comitiva, mas as modelos eram iguais. Com o Halston era muito diferente. Ele tanto vestia a Nan Kempner como a miúda que vivia na discoteca e que ninguém conhecia”, confidenciou Chinn. “Chegou uma noite em que nenhuma socialite estava disponível para chegar de braço dado com o Halston e alguém sugeriu: ‘Porque é que não levas as miúdas? Dava uma boa imagem para a imprensa'”, recordou North, na mesma ronda de depoimentos.
Durante dois anos, Bjornson foi a musa da marca, uma midwestern que caiu nas graças do criador. “Acho que foi por isso que ele gostou de mim”, confessou em 2019. Sietzka Rose veste-lhe agora a pele no ecrã e põe à prova o intenso treino de McGregor até conseguir drapear um vestido no corpo de uma manequim, tal como Halston fazia. “Ele criava as peças em mim. Adorava vê-lo desenhar, criar a as golas em torno do pescoço. Perguntava sempre qual era a sensação das peças, se me conseguia sentar com aquele vestido, se conseguia caminhar”, continua a ex-manequim, hoje com 69 anos.
Ao The New York Times recordou o dia em que Jackie Onassis entrou no atelier com o marido e o designer lhe pediu que desfilasse com umas hot pants azuis. Mais do que aquela entrada marcante, era quando Halston chegava que as cabeças viravam. “Quando ia a uma festa ou a um restaurante, ele gostava de chegar com uma comitiva. Não que fosse tímido, embora certamente usasse os seus óculos escuros e os cigarros como escudo. Nunca o vi como um homem tímido. Era poderoso, uma lenda”.