O Ministério Público (MP) quer adiar o início do julgamento do caso do incêndio de Pedrógão Grande que provocou a morte de 66 pessoas. O julgamento está marcado para o dia 24 de maio mas a procuradora Ana Maria Mexia apresentou um recurso alegando que o princípio do juiz natural foi violado aquando da classificação destes autos como “megaprocesso”. Ou seja, o MP defende que foi gerada uma nulidade que obriga a uma nova distribuição dos autos — o que pode levar à constituição de um novo coletivo de juízes no Tribunal de Leiria.
O recurso foi apresentado a 14 de maio e será agora apreciado pelo Tribunal da Relação de Coimbra. O MP defende que o recurso tem efeito suspensivo. Se o tribunal de primeira instância fixar esse efeito, o início do julgamento terá de ser adiado. O julgamento tem sessões marcadas até 6 de julho.
O “megaprocesso” que não será “mega” em número de arguidos
A procuradora Ana Maria Mexia considera que o ‘pecado original’ verificou-se a 14 de dezembro de 2020 quando o juiz presidente da comarca de Leiria classificou os autos do processo de Pedrógão Grande como um “megaprocesso”.
E o que é um megaprocesso? De acordo com a “tabela nacional de complexidades” definida em 2018 pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM), são autos com mais de 20 arguidos e mais de 50 testemunhas. Ora, na ótica do MP, o caso de Pedrógão Grande cumpre o critério das testemunhas (os arguidos indicaram mais de 50 testemunhas) mas não cumpre o critério dos arguidos porque são apenas 10 aqueles que foram pronunciados pelo Tribunal da Relação de Coimbra em junho de 2020 como alegados responsáveis diretos e indiretos pela morte de 66 cidadãos no incêndio de Pedrógão Grande em 2017.
Isto é, e “sem embargo da reconhecida importância social, mediática e até jurídica que os presentes autos significam”, a procuradora Ana Maria Mexia entende que a “distribuição não poderia ter ocorrido como ocorreu, na espécie de complexidade de mega processo”. Logo, a referida distribuição tem um “vicio” que pode ter “colocado em causa o princípio do juiz natural”.
Como o tribunal de primeira instância não deu razão razão ao MP, a procuradora Ana Maria Mexia alega que foi gerada uma nulidade por violação do princípio do juiz natural e recorreu para a Relação de Coimbra.
Esta não é o primeiro volte-face de um processo que tem tido vários incidentes processuais. Por um lado, o julgamento também já devia ter começado em março deste ano mas a crise pandémica obrigou à suspensão do início das audiências.
Por outro lado, o estatuto processual de Valdemar Alves, presidente da Câmara de Pedrógão Grande, também tem suscitado polémica processual. O MP decidiu não o acusar em setembro de 2018 aquando do encerramento do inquérito mas dois assistentes vieram a conseguir a sua pronúncia no final da instrução criminal.
Contudo, e após recurso para a Relação de Coimbra, Valdemar Alves acabou por ser despronunciado a 30 de junho de 2020. Em seu lugar, os desembargadores de Coimbra acabou por pronunciar José Graça, então vice-presidente da autarquia.
Contudo, a polémica não vai ficar por aqui. Porque o MP acabou por acusar Valdemar Alves em janeiro deste ano de 11 crimes na sequência dos incêndios de junho de 2017, sete de homicídio por negligência e quatro de ofensa à integridade física por negligência num inquérito autónomo e que nasceu de uma certidão extraída do processo principal. E agora defende a conexão processual desses autos com este que vai julgar os principais responsáveis. Segundo o Expresso, o Tribunal de Leiria terá aceite o pedido do MP e a defesa do autarca, que se vai recandidatar à Câmara de Pedrógão Grande nas próximas autárquicas, não terá contestado a decisão.
Entre os arguidos pronunciados, encontram-se igualmente Jorge Abreu (presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos), Fernando Lopes (presidente da Câmara de Castanheira de Pera) e mais sete arguidos entre funcionários da autarquia de Pedrógão Grande, dois subdiretores da EDP e três responsáveis da concessionária rodoviária Ascendi Pinhal Interior.