António Costa saiu da sala onde se reuniu com Carlos César bem disposto, de dossiê na mão — trazia a moção com que se recandidata à liderança do PS, e que foi esta tarde apresentar ao presidente do partido — e vontade de partir para o ataque. Primeiro ao PSD, que não poupou e acusou de ser “deixar aprisionar pela agenda do Chega”; depois, e mesmo assegurando a sua disponibilidade para dialogar à esquerda, virou-se para o Bloco de Esquerda e ironizou: “Quem se senta para negociar já a dizer que não recua…”.

O primeiro-ministro, desta vez na pele de secretário-geral do PS, apresentou a sua moção de recandidatura no Largo do Rato, esta quinta-feira. E se há três anos, no último congresso — o próximo está marcado para 10 e 11 de julho — Costa avisava que não tinha ainda planos para “meter os papéis para a reforma”, desta vez, com uma moção que até estende os seus planos para além de 2024, gracejou: “Vim preencher a ficha para renovar o meu contrato a prazo”. Mais a sério: “Não me passa pela cabeça por um momento virar às costas à luta…”.

Costa quer ficar para gerir crise. Com a esquerda e sem Rio, o “complacente” com Ventura

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Mas como o Observador noticiou, um dos grandes eixos políticos da moção passa por afastar o PSD de Rui Rio de um cenário de entendimentos com o PS — um ponto que, em declarações aos jornalistas, Costa fez questão de deixar bem claro, um dia depois de Rio se ter queixado da indisponibilidade do PS para trabalhar em reformas para o país. “O PSD tem-se deixado aprisionar pela agenda do Chega”. E isso é bom para o PS conquistar o eleitorado de centro?, questionou o próprio Costa, respondendo prontamente: “Do ponto de vista partidário pode ser útil, para a democracia é mau… Deve haver uma fronteira clara entre o lado de cá da democracia e o lado de lá”.

De resto, sobre os apelos de Rio, uma rejeição clara: “Nós não trabalhamos para o doutor Rui Rio, trabalhamos para os portugueses”, ironizou Costa, frisando que há “um mundo” que o separa do PSD de Rio. “A melhor resposta à crise não são as políticas de austeridade do PSD, nem quem quer congelar o salário mínimo. Nós reduzimos os impostos que o PSD tinha aumentado, voltámos a convergir com a UE, criámos mais e melhor emprego”.

A definição de alternativas claras até é boa para a democracia, insistiu Costa, sem resistir a comentar a convenção do Movimento Europa e Liberdade — os chamados estados gerais da direita — que decorreu esta semana: “Ninguém falou ali de um problema dos portugueses”. Foi “uma feira das vaidades, a discutir se regressa o antigo líder, se vem o novo…”. Entre essas discussões e as propostas de Rio — Costa focou-se na reforma da Justiça, “porque Rio não gosta do Ministério Público” –, resumiu: “Não estamos interessados”.

Bloco “não deve ter sido muito claro”

Mais interessado estava em falar sobre a aceleração do plano de vacinação, que pode permitir que o Governo passe, como deseja, à execução do Plano de Recuperação e Resiliência (que ainda aguarda a aprovação). Quanto à sua sobrevivência política, espera, como afirma na moção, que seja assegurada à esquerda.

Com uma convenção do Bloco de Esquerda acabada de terminar (aconteceu este fim de semana), e com o antigo parceiro a descolar do PS, acredita Costa que esses entendimentos serão viáveis? Entre o papel de primeiro-ministro e o de líder do PS Costa hesitou em responder — estava ali, disse, para falar do congresso do PS e não do BE — mas não resistiu a vestir também o fato de comentador. E aí alongou-se, começando pela ironia: Costa diz que não assistiu a toda a convenção, mas pelo que “leu” nos jornais, o BE “não deve ter sido muito claro” quanto ao seu posicionamento futuro.

“Muitos comentadores dizem que BE reabriu a porta” a entendimentos, “muitos dizem que colocou o PS como adversário principal… Há uma conclusão que retirei: eles não devem ter sido muito claros”. A posição do PS, diz, é mais “clara”, “sem ultimatos nem dramatizações” (uma acusação que o BE lhe faz frequentemente: “Ouvi Catarina Martins a usar expressões como ‘não cedemos, não recuamos… Quem se senta à mesa para dizer que não recua em nada não quer acordo”, sugeriu. O aviso será relevante numa altura em que os partidos se preparam para voltar às negociações orçamentais e em que o BE já avisou que a sua prioridade será o emprego — uma pasta em que nunca se entendeu com o PS.

A análise de Costa no papel de comentador continuou: “Acho que houve pessoas (no BE) que ficaram convencidas de que o PS ia ficar isolado, que ia ter de recorrer a medidas de austeridade, e têm vindo a ficar surpreendidas… quem acabou por votar com a direita, isolado à esquerda, foi o BE”. Provocação final: isso será, claro, “um problema do BE, que eu não tenciono estar aqui a dizer o que devem ou não fazer”. Moção entregue, comentários feitos, Costa seguiu.

Crítico quer mais democracia interna, mas gosta de Costa como PM

Entretanto, já Daniel Adrião, militante crítico da direção atual que repete a candidatura à liderança, tinha subido para entregar a sua própria moção a Carlos César. Depois dos 4% que conquistou no congresso de 2018, Adrião repete a empreitada para lutar por mais “democracia interna” no PS e por um partido que seja construído “de baixo para cima”, com mais participação dos militantes.

A crítica nem é ao percurso de Costa como primeiro-ministro, que diz ser “positivo”: “Tem sido um bom primeiro-ministro, mas não um bom líder do PS”. As críticas que Adrião levará ao congresso serão por isso, sobretudo, internas.

No entanto, há uma reforma nacional que Adrião quer fazer: uma mudança na lei eleitoral para que as listas de deputados deixem de ser definidas pelos “diretórios partidários”. Adrião lembrou que Rui Rio “tem manifestado disponibilidade” para essa reforma. Ironia: minutos antes, tinha saído do Rato o líder atual, o mesmo que rejeitou entendimentos com o PSD dizendo que há “um mundo” que separa os dois partidos.