A defesa de Ricardo Salgado suscitou, junto do Tribunal da Relação, um incidente de recusa da juíza titular do processo que juntou os recursos às coimas aplicadas nos casos BESA e Eurofin e quer ouvir Ana Gomes como testemunha.
No documento entregue no passado dia 18 e consultado esta sexta-feira pela Lusa no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, os mandatários do ex-presidente do Banco Espírito Santo (BES) requerem ao Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) que seja realizada uma audiência de julgamento, na qual querem ouvir, como testemunha, a antiga diplomata e ex-eurodeputada Ana Gomes.
Na fundamentação do pedido, os advogados alegam o facto de Ana Gomes ser tia da juíza Mariana Machado e de ambas terem feito referências na comunicação social sobre o risco da prescrição de processos que envolvem Ricardo Salgado, e consideram que a ex-eurodeputada, pelas declarações que tem proferido, já julgou e condenou este “na praça pública”.
Na sessão realizada no TCRS no passado dia 21, para agendamento das sessões do julgamento, a juíza Mariana Machado afirmou que se pronunciará sobre o incidente de recusa quando for notificada pelo TRL, sublinhando que os autos têm natureza urgente, por risco de prescrição parcial, pelo que o julgamento irá iniciar-se.
No pedido feito junto do TRL, a defesa de Ricardo Salgado, liderada pelo advogado Adriano Squilacce, pede que seja deferido o incidente de recusa e declarada a nulidade de todos os atos praticados nos autos.
Mariana Machado afirmou, na sessão de dia 21, que, caso o incidente de recusa venha a ser considerado procedente, apenas produzirá efeitos quanto a Ricardo Salgado, pois não foi subscrito pelos restantes arguidos recorrentes.
No incidente de recusa apresentado junto do TRL, a defesa de Salgado juntou 40 documentos (artigos e notícias com declarações de Ana Gomes), a que adicionou, três dias depois, vários tweets publicados pela antiga diplomata no passado dia 20, um dos quais em comentário à notícia do Expresso que dava conta do processo que está na Relação de Lisboa e que corre risco de prescrever (a 27 de junho próximo).
Para os advogados, a juíza “não oferece garantias de imparcialidade e isenção”, embora afirmem não querer pôr em causa “a dignidade pessoal e profissional e nem sequer a imparcialidade na sua vertente subjetiva”.
A outra questão que levantam, que no seu entender coloca também em causa a “imparcialidade objetiva”, foi a decisão de apensação do processo Eurofin ao do BESA, quando Mariana Machado negou a pretensão de Ricardo Salgado de junção deste ao da KPMG.
Contudo, tanto Mariana Machado, como a juíza que inicialmente recebeu o processo Eurofin, Vanda Miguel, frisaram que os processos BESA e Eurofin envolvem a mesma entidade (BES) e a sua atividade bancária no período que terminou em 3 de agosto de 2014 (data da resolução do banco), ao contrário do que sucedia com a KPMG. Sendo o do BESA o mais antigo, foi a juíza titular deste a assumir o “megaprocesso”.
No processo da KPMG, que tem alegações marcadas para o próximo dia 1 de junho, está em causa uma coima de 1,0 milhão de euros aplicada à auditora das contas consolidadas do BES pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).
No processo BESA/Eurofin, estão em causa coimas num total de 17,3 milhões de euros aplicadas pelo Banco de Portugal (BdP).
No primeiro caso foram condenados Ricardo Salgado e o ex-administrador financeiro do BES Morais Pires por infrações como a não implementação de procedimentos que reforçassem ou garantissem o acompanhamento das operações realizadas com o BES Angola, não implementação de processos de análise ao risco de crédito relativamente ao crédito contratado com aquela instituição, “não obstante a extremamente elevada materialidade dos montantes em causa e os potenciais impactos associados ao seu incumprimento”.
A terceira coima que lhes foi aplicada neste processo deveu-se ao “incumprimento dos deveres de comunicação obrigatória” ao BdP dos problemas associados às carteiras de crédito e de imobiliário do BESA, a mesma pela qual foi condenado Rui Silveira, que detinha o pelouro de auditoria e inspeção, enquanto Gherardo Petracchini foi condenado pela não implementação de sistemas de controlo interno e ausência de identificação das deficiências de controlo interno pela Espírito Santo Financial Group (ESFG), de que era administrador.
No processo Eurofin, o BdP aplicou ao ex-presidente do Banco Espírito Santo sete contraordenações, imputando a Ricardo Salgado a prática de atos dolosos de gestão ruinosa praticados em detrimento de depositantes, investidores e demais credores, desobediência ilegitima à determinação do BdP que impôs a alimentação da conta escrow com recursos alheios ao ESFG.
Foi ainda condenado por desobediência ilegitima às determinações do BdP que impuseram a obrigação de eliminar a exposição não garantida do ESFG à Espírito Santo International (ESI/ESR) e que proibiram o aumento de exposição direta e não coberta do BES à ESI (cartas de conforto) e a comercialização, de forma direta ou indireta, de dívida de entidades do ramo não financeiro do GES junto de clientes de retalho.
As outras contraordenações dizem respeito à desobediência à proibição de concessão de financiamentos ou refinanciamentos, diretos ou indiretos, às entidades financeiras do GES que não integravam o Grupo BES e à violação das regras sobre conflitos de interesses.
Amílcar Morais Pires foi condenado por quatro infrações e José Manuel Espírito Santo Silva por três, tendo o mandatário deste, Rui Patrício, interposto três recursos para apresentação junto do Tribunal da Relação de Lisboa relativos à conexão dos dois processos.
Os recursos, entrados em janeiro, fevereiro e abril no TCRS não foram admitidos pela juíza Mariana Machado, o que levou Rui Patrício a reclamar da sua retenção para a Relação.
Rui Patrício alega que José Espírito Santo Silva não é arguido no processo do BESA, não fazendo sentido ser “arrastado” para a discussão de factos nos quais não intervém, e que a apensação cria um “megaprocesso” que vai atrasar a decisão e violar o direito a um processo “justo e equitativo”.
O julgamento deveria ter-se iniciado esta sexta-feira, mas o início foi reagendado para o próximo dia 2 de junho, por indisponibilidade de Fernando Infante, do Departamento de Supervisão Prudencial do Banco de Portugal (BdP), e por o Ministério Público não prescindir da audição desta testemunha em primeiro lugar.
Apenas Rui Silveira e Amílcar Morais Pires haviam manifestado, nos autos, intenção de prestar declarações, após a produção de prova, tendo Ricardo Salgado manifestado o mesmo interesse no passado dia 21.