Um falhanço, um sucesso, ou uma lição para os santos populares que se aproximam? As imagens dos ajuntamentos dos adeptos ingleses no Porto estão a gerar discórdia, com António Costa a admitir que nem tudo “correu bem” no fim de semana e Rui Moreira a defender que não se “repetiu” aquilo que aconteceu em Lisboa, numa referência aos festejos do campeonato do Sporting (o autarca lembra até que no Porto houve “criação de riqueza”). Já Marcelo Rebelo de Sousa, na Eslovénia, preferiu ficar em silêncio sobre o caso.
António Costa responsabiliza abertura de fronteiras
O primeiro-ministro assumiu esta segunda-feira que não gostou do que viu na Invicta, que nem tudo correu bem e responsabilizou a mudança de regras com a circulação de turistas e a entrada de Portugal na lista verde do Reino Unido: “Quando foram fixadas as regras não estavam ainda abertas fronteiras para circulação turística”.
Disse ainda ser importante “distinguir quem veio no quadro da operação Champions de turistas que se deslocaram para o Porto e que são franceses, alemães, mas também são ingleses e apoiantes das equipas”, sendo que foram estes que “não respeitaram as bolhas. Decidiram vir antecipadamente beneficiando de fronteiras abertas”.
António Costa sublinha que 80% dos adeptos respeitaram as regras da “bolha” e que a “lotação máxima no estádio fixada pela DGS tinha sido de 16.500 e estiveram 14.110 pessoas”, o que, diz, prova que a operação correu dentro do que tinha sido definido pelo Governo.
Este episódio vai fazer com que o Governo aprenda “lições” e António Costa divulgou que haverá uma modificação no folheto de informação entregue aos turistas sobre as regras sanitárias vigentes em Portugal: “Não diz nada sobre o uso de máscara em espaços públicos. Já pedimos que seja alterado para dizer que também é obrigatória na via pública”.
Rui Moreira diz que o que se passou no Porto foi “muito diferente” do que aconteceu em Lisboa
Já o presidente da Câmara do Porto disse que o que aconteceu foi muito diferente daquilo que se passou em Lisboa com as celebrações do Sporting. “Em primeiro lugar, em Lisboa não houve uma final, não houve um evento desportivo, não houve criação de riqueza, e houve uma carga policial que eu vi, que os senhores viram e que aqui [no Porto] não vi”.
O autarca lembrou ainda que Portugal “tem as fronteiras abertas” e que há muitos turistas britânicos que “são livres de virem” para o país, nomeadamente para assistirem à final da Liga dos Campeões, ou para verem o jogo na Avenida dos Aliados, como aconteceu no sábado no Porto, ou para irem à praia da Oura (Albufeira) ou até ao Bairro Alto (Lisboa).
Essas pessoas estão em livre circulação, algumas vieram mais cedo para a cidade [do Porto] e algumas ainda estão na cidade. É verdade que eles se concentraram na Ribeira. É verdade que não usaram máscaras”, observou.
Rui Moreira aponta falhas à Direção-Geral da Saúde (DGS) e diz que o problema não está na vinda dos adeptos, “que foram testados três vezes”, e dos turistas, que estão a aproveitar o facto de Portugal ser dos poucos países europeus a permitir a entrada de ingleses, devido à Covid-19: “O que está mal não é propriamente terem vindo adeptos à cidade do Porto, o que está mal não é virem turistas…”.
Catarina Araújo, representante da Câmara Municipal do Porto em conferência de imprensa conjunta esta segunda-feira com a PSP, a Câmara Municipal do Porto citada pelo JN, a Associação de Comerciantes do Porto e o Turismo do Porto e Norte indicou que um “evento desta dimensão é importante para a cidade e não podemos condenar a organização por causa dos excessos de um ou dois indivíduos”.
O exemplo para os Santos Populares, em Lisboa, no Porto e em Vila Nova de Gaia
Sobre a atuação da polícia, o autarca diz ainda que, no São João, se “todos os portuenses resolverem ir para a rua”, a PSP não os pode reprimir. Só “num estado policial é que era possível impedi-los”, considera. “A polícia não serve para isso. A ideia de que a polícia pode reprimir o comportamento generalizado dos cidadãos é uma visão fascista”, defendeu.
Aliás, a Rotunda da Boavista, Fontainhas e Lordelo do Ouro são três pontos da cidade que se converteram já em parques de diversões, onde já pode encontrar carrosséis, carrinhos de choque, mesas de matraquilhos, farturas e manjericos a lembrar a quadra de S. João.
Em Lisboa, por outro lado, o presidente da Associação das Coletividades do Concelho de Lisboa (ACCL), Pedro Franco, já veio manifestar-se contra a realização de arrais na capital durante os Santos Populares, considerando que não se pode comparar com os últimos acontecimentos no Porto. “Acho muito bem que não se faça. Se, por acaso, a Câmara fizesse festas em Lisboa, eu era o primeiro logo a atacar Câmara de Lisboa”, salientou, em declarações à agência Lusa, durante a tarde desta segunda-feira.
Coletividades contra realização de arraiais nos Santos Populares em Lisboa
Em Vila Nova de Gaia, também não haverá festejos no São João — nem concertos, nem fogo de artificio. Eduardo Vítor Rodrigues, autarca, reconheceu que “o que aconteceu na Champions é difícil de justificar [a decisão de não fazer festas populares], mas tem de ser assim”, disse Eduardo Vítor Rodrigues.
“Há um acordo nesse sentido com a Câmara do Porto. Acho que a de Braga, se não anunciou, vai anunciar o mesmo. Isto à semelhança de Lisboa [com o Santo António]. Festividades de rua que impliquem ajuntamentos estão fora hipótese”, reiterou.
Graça Freitas defende que “maior parte do evento correu bem” e os incumprimentos não podem servir de “passaporte” para desobedecer
A diretora-geral da Saúde considerou esta segunda-feira que a “maior parte das coisas correram bem” na final da Liga dos Campeões de futebol, no Porto, apesar de “alguns incumprimentos” que não podem servir de “passaporte” para incumprir.
“Há sempre falhas nestes processos, mas a maior parte das coisas correram bem. Eu, como espetadora, olhei para o estádio e a maior parte das pessoas estava com máscara, sentada com distância e todas elas foram testadas para entrar no estádio, também vi pessoas sem máscara e demasiado juntas”, afirmou Graça Freitas numa conferência de imprensa, no Porto, onde também esteve representada a PSP, Câmara do Porto, Turismo do Porto e Norte e associação de comerciantes.
De modo geral, a responsável da Direção-Geral da Saúde (DGS) assumiu ter havido “algum quebrar de regras e algum incumprimento”, não tendo sido uma situação generalizada à cidade do Porto.
“Devemos cumprir as regras e não é por elas não terem sido cumpridas por algumas pessoas durante algum tempo que isso nos dá um passaporte para incumprir”, afirmou.
Graça Freitas revelou ainda que antes da partida que opôs Chelsea ao Manchester City foram realizados 5.600 testes à Covid-19, sendo que houve dois positivos e foi identificado um contacto de alto risco. Três estão em isolamento, duas por testarem positivo e uma por ser contacto de alto risco.
Graça Freitas acrescentou que estas “não pertencem à mesma bolha”, estando a cumprir isolamento separadas, recusando adiantar a nacionalidade das mesmas.
Marta Temido: ” Temos de aprender com o que corre porventura menos bem”
A ministra da Saúde considerou que o final da Champions este fim de semana no Porto foi “um sinal do que são os difíceis equilíbrios que neste momento todos somos chamados a encontrar” e afirmou que “ficou evidente” que “houve várias bolhas de segurança e houve várias circulações aleatórias”.
Por um lado há a propensão natural das pessoas para terem uma vida mais normal possível, por outro lado aquilo que é a exigência sanitária, da qual temos que manter o cuidadoso respeito”.
Marta Temido reforça que é preciso de “apreciar cuidadosamente aquilo que são as regras pelas quais vamos continuar a reger-nos nos próximos tempos” e que “temos de aprender com o que corre porventura menos bem”.
Marcelo Rebelo de Sousa em silêncio: “Perguntei se havia na Eslovénia Santos Populares”
Na visita de três dias à Eslovénia, o Presidente da República decidiu não comentar o que aconteceu no Porto, nem comentar a possibilidade ou não de se realizarem as Festas Populares em Lisboa: “Ainda perguntei se aqui na Eslovénia há santos populares. Mas disseram-me que não”.
Marcelo preferiu, por outro lado, contar como o primeiro-ministro esloveno, Janez Jansa, elogiou a resposta portuguesa à pandemia durante o almoço que tiveram. “Aqui, como noutros sítios cá fora, a experiência portuguesa é vista com muito apreço. (…) Aquilo que eu ouvi curiosamente foi um elogio dos portugueses pela forma como tinham enfrentado as várias vagas”.
Mostrou-se ainda confiante de que Portugal não vai “estragar aquilo que deu tanto trabalho a fazer”, e que tem dado “prestígio internacional”. O Presidente da República espera ainda um equilíbrio entre “economia” e “saúde”: “Os portugueses esperam uma saída da pandemia equilibrada, sem facilitismo nem alarmismo”.
Secretário de Estado do Desporto não está “minimamente” preocupado “comparado com as preocupações que já” viveu
Para João Paulo Rebelo, por seu lado, a final da Liga dos Campeões foi um “sucesso desportivo”: “Do ponto de vista económico, também terá sido positivo. Do ponto de vista sanitário, não sou a pessoa indicada para falar”, indicou em entrevista à RTP, acrescentando que o que aconteceu não lhe “preocupa minimamente comparado com as preocupações que já vivi”.
Também em entrevista, mas à SIC, João Paulo Rebelo defendeu que “não há incoerências”. “As pessoas percebem que são testes, que estamos a avaliar. Desta vez tivemos a oportunidade de fazer uma avaliação com um jogo desta natureza”.
Miguel Guimarães: “Foi extraordinariamente grave”
Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, por outro lado sinaliza que o que se passou no Porto este fim de semana, no final da Liga dos Campeões, foi “extraordinariamente grave” e destaca a “péssima imagem” que este episódio passa aos portugueses: “Não há sentido de justiça para nós que temos eventos, regras, e de repente vêm cá ingleses e podem fazer aquilo que entendem sem problema rigorosamente nenhum”.
É uma “imagem” e uma “mensagem” errada”. “As pessoas protestam e têm razão”, afirma Miguel Guimarães, que antevê que o Governo “perde alguma autoridade para continuar a defender algumas medidas, porque uma parte grande da população pode, depois, já não levar a sério aquilo que o Governo diz”.