A coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, disse esta quinta-feira que a partilha de dados dos opositores russos que se manifestaram em frente à embaixada da Rússia em Lisboa em janeiro é “extraordinariamente grave numa democracia” e levanta múltiplas questões sobre se esta prática foi comum no passado recente do país.
“O que aconteceu não podia ter acontecido“, disse Catarina Martins aos jornalistas. “Ou seja, dados de cidadãos que organizaram um protesto foram enviados a uma embaixada de um país estrangeiro. Nem podiam ser enviados a ninguém por causa do Regime Geral de Proteção de Dados. Não tem nenhum sentido este procedimento. Tanto quanto nos foi dito, o procedimento entretanto foi alterado. Mas há ainda muitas perguntas que precisam de resposta e nós esperamos que nos próximos dias possam ser esclarecidas.”
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O caso, noticiado na quarta-feira pelo Observador e pelo Expresso, remonta a janeiro deste ano, quando três cidadãos russos (dois deles também com nacionalidade portuguesa) organizaram uma manifestação em frente à embaixada russa em Lisboa pedindo a libertação do ativista Alexei Navalny, detido em 17 de janeiro depois de aterrar em Moscovo. A câmara municipal de Lisboa, a quem foi pedida a autorização formal para o protesto, enviou à embaixada da Rússia os nomes, moradas e contactos dos organizadores. Fernando Medina já veio pedir desculpa pelo caso e justificar o que aconteceu com um procedimento administrativo habitual.
Questionada pelos jornalistas sobre se vai exigir a demissão de Fernando Medina, a líder bloquista sublinhou que há eleições autárquicas este ano. “Talvez pedir a demissão a poucos meses das eleições seja mais um número de campanha eleitoral do que uma afirmação com consequência. O que aconteceu é grave e queria falar da gravidade do que aconteceu. Os cidadãos que viram os seus dados partilhados com a Rússia agora têm medo, por si e pelas suas famílias, de eventuais retaliações”, disse Catarina Martins.
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“O que eu pergunto é se noutras alturas também aconteceu o mesmo. Aconteceu o mesmo quando houve protestos sobre presos políticos de Angola? Aconteceu o mesmo quando houve protestos frente à embaixada de Israel sobre a Palestina? Esta é uma ação recorrente? Quantas vezes é que aconteceu? É só a autarquia de Lisboa? Outras autarquias também dão o nome de quem organiza manifestações às entidades contra as quais as pessoas se estão a manifestar?”, questionou a coordenadora do Bloco.
“Isto é extraordinariamente grave numa democracia“, asseverou Catarina Martins. “Nós levamos isto muito a sério. O direito de manifestação, a liberdade de manifestação e a segurança que todas as pessoas têm de ter em Portugal quando utilizam os seus direitos democráticos é muito séria. E é por isso que o que aconteceu não podia ter acontecido.”
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Para a coordenadora do Bloco de Esquerda, a justificação apresentada por Fernando Medina só levanta mais perguntas.
“O presidente da CM de Lisboa disse que foi uma atuação dos serviços e que os serviços agem sempre assim. O que nos coloca mais questões”, disse Catarina Martins. “Uma coisa é, naturalmente, a necessidade de as forças de segurança serem informadas e criarem as melhores condições para que os protestos se desenrolem no âmbito da democracia, pacificamente. Outra coisa é as entidades contra as quais se protesta receberem os nomes de quem organizou o protesto. Seja um Estado estrangeiro a receber dados de opositores políticos, seja uma empresa a receber dados de trabalhadores. Isto não é admissível. Não pode acontecer. Eu li a lei, a lei de maneira nenhuma determina que este tipo de partilha de dados deva acontecer.”
Os vários partidos têm-se pronunciado duramente contra Fernando Medina depois de o caso ter sido conhecido esta quarta-feira. O principal opositor de Medina na corrida autárquica na capital, o social-democrata Carlos Moedas, já veio exigir a demissão do autarca. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou que o caso é “lamentável” e assegurou que iria procurar perceber ao detalhe o que se passou. O PSD já anunciou que vai levar o caso às instituições europeias, mas a embaixada da Rússia já veio desvalorizar a situação e assegurar que a ativista pode regressar a casa tranquilamente. “Não interessam nem à Embaixada em Lisboa, nem a Moscovo os tais indivíduos com imaginação malsã“, disse a embaixada.