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ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

Medina e o caso dos ativistas anti-Putin. O que se sabe, o que falta saber e o que pode acontecer

Autarquia continua sem revelar se foram enviados dados de outros manifestantes para autoridades estrangeiras. Caso chega à UE. Embaixada russa ironiza e diz que "senhora ativista" pode regressar.

O que aconteceu?

O caso remonta a janeiro de 2021, quando três cidadãos (dois deles com dupla nacionalidade, russa e portuguesa) organizaram uma manifestação contra o regime de Moscovo a propósito da detenção do ativista Alexei Navalny, num protesto que decorreu junto à embaixada.

Ora, como dita o protocolo, para terem autorização de organizar a manifestação, os promotores tiveram de enviar os dados pessoais (nome, número de identificação, morada e contacto telefónico) para a Câmara Municipal que, depois, devia fazer chegar esses mesmos dados à PSP e às autoridades competentes.

Acontece que a Câmara não se limitou a enviar estes dados para a PSP; os serviços de autarquia enviaram também a informação para a embaixada russa em Lisboa e para o Ministério dos Negócios Estrangeiros russos.

O que dizem os visados?

Ao Observador, Ksenia Ashrafullina, uma das organizadoras da manifestação, explicou que percebeu que algo não estava bem quando trocava correspondência eletrónica com a autarquia da capital. Além dos endereços de email que deviam constar da troca de correspondência (o do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP e o do Ministério da Administração Interna, por exemplo), estavam também os endereços da embaixada da Rússia e o dos serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

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Assim que percebeu o que tinha acontecido, Ksenia apresentou imediatamente queixa junto dos serviços da autarquia da capital. “Não sei se tranquilamente posso voltar ao meu país. Tenho medo. A papa está feita. Se atravessar a fronteira pode aparecer o meu nome… Tudo pode acontecer”, lamentou em declarações ao Observador.

Quando é que a autarquia soube o que aconteceu?

O pedido para a manifestação foi feito em janeiro. A 20 de abril, como pôde comprovar o Observador através da consulta da troca de correspondência eletrónica em causa, a autarquia comunicou que ia dar instruções às autoridades russas para que apagassem os dados relativos aos três promotores da manifestação.

O caso foi revelado dois meses mais tarde, a 9 de junho, pelo Observador e pelo jornal Expresso.

Câmara de Lisboa entrega dados de manifestantes anti-Putin aos Negócios Estrangeiros russos

Qual foi a primeira reação da autarquia?

No mesmo email de 20 de abril, o gabinete de Fernando Medina usou três argumentos. Primeiro, que os promotores da manifestação tinham “inteira responsabilidade” pelo conteúdo divulgado e que deveriam ter tido “o cuidado de não facultar informações pessoais que excedam o estritamente necessário para o cumprimento dos preceitos legais indicados, a saber: nome, profissão e morada de três promotores ou, tratando-se de associação, da respetiva direção.”

Segundo: que este procedimento, “habitual e adotado há vários anos”, previa a entrega destes dados ao “Ministério da Administração Interna, com conhecimento à Polícia Municipal e demais serviços municipais envolvidos do ponto de vista operacional” e, no caso concreto, “à Embaixada da Federação Russa e ao Ministério do Estrangeiro Russo por ser o local de realização da manifestação”.

Terceiro: a Câmara de Lisboa anexava um documento onde se podia ler o pedido às autoridades russas para que apagassem os referidos dados pessoais.

“Atento o facto de, nesta data, já ter cessado a finalidade que motivou o tratamento dos dados pessoais dos organizadores da referida concentração, o Município de Lisboa, na qualidade de responsável pelo tratamento (vide artigo 4.o, 7) do RGPD, procedeu ao seu apagamento, nos termos do disposto no artigo 17.o do RGPD.

Em sequência, cumpre-nos solicitar que, do mesmo modo, procedam V. Exas. a atuação idêntica relativamente aos dados pessoais que detenham desta titular na sequência da comunicação feita em 19 de janeiro de 2021, que se anexa”, escreveu a autarquia.

Como reagiu Medina?

Fernando Medina falou a dois tempos. Inicialmente, na manhã de 10 de junho, o autarca lisboeta emitiu um comunicado onde reconhecia o erro, garantia que o procedimento já tinha sido alterado e rejeitava as acusações de cumplicidade com o regime russo.

Mais tarde, Medina sentiu-se obrigado a dar uma conferência de imprensa. Originalmente agendada para às 11h30 (altura em que Marcelo Rebelo de Sousa ainda discursava na cerimónia do 10 de Junho), a conferência de imprensa acabou por acontecer perto das 12 horas.

Aos jornalistas, o autarca apresentou um pedido de desculpas público, lamentou o “erro lamentável” que tinha acontecido, justificou-o com o “funcionamento burocrático” dos serviços da Câmara, que não conseguiram perceber o carácter sensível daquela manifestação.

Tal como o comunicado já tinha deixado claro, Medina assegurou que o protocolo tinha sido alterado e prometeu que, no futuro, os dados dos promotores de todo o tipo de manifestações só seriam entregues à PSP.

Quanto às críticas de que foi alvo, em particular as de Carlos Moedas, que exigiu a demissão do autarca e acusou Medina de ser cúmplice de Putin, o autarca cortou a eito. “Delírio desesperado”, disse.

Medina pede “desculpa”. “Erro lamentável e que não poderia ter acontecido”

O que é que a Câmara ainda não explicou?

O que a autarquia continua sem esclarecer é se este anterior protocolo — “habitual e adotado há vários anos” — foi usado em manifestações anteriores.

O Observador sabe que a autarquia fez uma auditoria interna a propósito deste caso, mas o gabinete de Fernando Medina continua sem dizer se foram enviados dados pessoais de manifestantes para outras autoridades estrangeiras e se essas pessoas foram já notificadas.

O procedimento foi adotado em 2011 e aplicou-se a todas as manifestações que aconteceram desde esse ano, altura o foram extintos os governos civis e as competências passaram para as câmaras municipais.

Há, ainda assim, uma nota importante a reter: em teoria, e segundo as explicações da própria autarquia, os dados pessoais de manifestantes eram enviados (até abril) para autoridades estrangeiras sempre que os protestos decorressem junto de embaixadas ou de representações diplomáticas de outros países em território português.

De acordo com a Câmara, as manifestações que aconteceram depois da alteração do protocolo — Israel, Cuba e Angola — “não foram partilhados quaisquer dados dos promotores com as embaixadas”. Quanto às manifestações anteriores, a autarquia ainda não revelou.

O que diz a embaixada russa?

Num comunicado publicado na página oficial do Facebook, a embaixada russa garantiu que Moscovo não está interessado nos “indivíduos com imaginação malsã”.

“Conhecemos bem a abordagem muito rigorosa das autoridades portuguesas ao processamento dos dados pessoais. Quanto à excitação em causa, está sem dúvida alimentada pelo desejo dos tais ativistas de atrair atenção mediática a si próprios através da politização generalizada e provocações deploráveis.

Não interessam nem à Embaixada em Lisboa, nem a Moscovo os tais indivíduos com imaginação malsã. Temos outras prioridades que constituem o trabalho construtivo em prol do desenvolvimento da cooperação russo-portuguesa. Assim, a senhora ‘ativista’ pode voltar tranquilamente para casa”, pode ler-se.

“A senhora ‘ativista’ pode voltar tranquilamente para casa”. Embaixada russa reage a envio de dados pela CML

Como reagiu Marcelo Rebelo de Sousa?

Mesmo à margem das cerimónias do 10 de Junho, o Presidente da República não deixou de comentar o caso. Aos jornalistas, Marcelo Rebelo de Sousa foi particularmente duro.

“Vou saber exatamente o que aconteceu, mas em função do que diz, se isso é verdade, é o reconhecimento de que isso ocorreu e é efetivamente lamentável por estarem em causa, num país democrático e livre, se for assim, direitos fundamentais das pessoas e que se aplicam aos portugueses, mas a todos os que estão em território português.”

Mais tarde, numa terceira reação ao caso, Marcelo revelou ter conversado com Fernando Medina. “Percebo o pedido de desculpa do presidente da Câmara de Lisboa. Não deveria ter acontecido e espera-se que não volte a acontecer.”

E os adversários na corrida autárquica?

Carlos Moedas, como já foi dito, acusou Medina de ser cúmplice do regime russo e exigiu a demissão do autarca. Já depois da conferência de imprensa do adversário político, Moedas voltou a exigir mais explicações ao socialista. “Fernando Medina está desesperado pelo erro inaceitável que cometeu“, disse o candidato social-democrata em declarações à Rádio Observador.

Também à Rádio Observador, João Ferreira, candidato do PCP, disse não ter ficado satisfeito com as respostas de Medina e pediu mais justificações. “Qual é a origem do procedimento? Desde quando é que está a ser aplicado? E em que circunstâncias houve situações deste tipo?”, insistiu o comunista.

“É uma inadmissível violação da lei”, reagiu Beatriz Gomes Dias, candidata do Bloco de Esquerda, no Twitter. “Incúria grosseira”, denunciou Bruno Horta Soares, pela Iniciativa Liberal.

As críticas à atuação da autarquia são, de resto, transversais. De Rui Rio a Jerónimo de Sousa, foram muitos os que aludiram à gravidade da situação e que exigiram mais esclarecimentos.

O caso vai ficar por aqui?

Este episódio já está a ter repercussões internacionais. Paulo Rangel e demais eurodeputados do PSD, assim como Nuno Melo, do CDS, fizeram denúncias junto das instituições europeias e pediram que Conselho Europeu, Comissão Europeia e Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança se pronunciassem sobre o sucedido.

A Amnistia Internacional já classificou o caso de “gravíssimo”, por colocar “em risco as pessoas que organizaram as manifestações ao abrigo do direito à liberdade de manifestação, expressão e reunião”.

Os media internacionais já despertaram igualmente para o caso. A agência de notícias Reuters, que têm clientes em todo o mundo, também deu eco à notícia, ao pedido de desculpas de Medina e à situação dos ativistas em causa.

Os visados, de resto, já anunciaram que vão recorrer à justiça.

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