A melhor maneira de descrever o que se passou durante longos minutos no Parken Stadium é escrever a puxar pelos sons e tentar com isso traçar a realidade que ninguém queria ver em palavras: aquele que estava a ser o encontro com maior emoção vinda das bancadas, com mais apoio de milhares de pessoas dos dois países juntas nos mesmos setores, ficou em silêncio. Em completo silêncio. Com umas palmas pelo meio, de novo em silêncio.

As imagens arrepiantes da comoção, depois de Eriksen cair inanimado no relvado

A menos de cinco minutos do intervalo, num lance no meio-campo ofensivo da Dinamarca descaído sobre o lado esquerdo do ataque, Christian Eriksen ia receber a bola. Mais uma, ou não passasse todo o jogo dos nórdicos por ele. Caiu. Do nada, caiu. E pior ainda, caiu sem que a realização do encontro percebesse que deveria entrar em vigor o protocolo para este tipo de situações. Essa parte resolveu-se, ficou o drama da incerteza.

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Durante largos minutos, Eriksen foi reanimado pela equipa médica, sempre escudado pelos companheiros, e até o treinador se acercou para perceber melhor o que se passava enquanto o árbitro falava com elementos das duas delegações. Todos os companheiros menos um, Kasper Schmeichel, que foi confortar a namorada do jogador, que estava no estádio e desceu ao relvado em lágrimas percebendo a gravidade de tudo o que se passava.

Sabrina Kvist Jensen, namorada de Eriksen, confortada por Kasper Schmeichel

Eriksen foi transportado de maca para fora do estádio, sempre com os companheiros de equipa da Dinamarca a rodeá-lo, perante os aplausos de todos os presentes. A equipa da Finlândia e a própria equipa de arbitragem inglesa liderada por Anthony Taylor já tinham recolhido ao balneário, depois da confirmação por parte da UEFA que o encontro tinha sido suspenso. Ficou o vazio, a ansiedade, o desespero. Lágrimas, muitas lágrimas, dos jogadores aos adeptos. Todos estavam ali reunidos para uma festa que se tornou num momento dramático.

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“O Christian foi levado para o hospital. Daremos mais informações às 18h45”, informou o speaker do estádio aos adeptos às 18h25. Algumas publicações estrangeiras acompanham a informação que já estava a circular nas redes sociais de que o médio saiu já consciente do Parken Stadium, como era possível ver numa das imagens que está a correr em que Eriksen está ventilado mas de olhos abertos e cabeça ligeiramente levantada. “Depois da assistência médica de urgência prestada a Christian Eriksen, foi convocada uma reunião de emergência com ambas as equipas e os oficiais. O jogador foi transferido e está estabilizado”, confirmou a UEFA. Mais tarde, veio também a informação de que, perante o estado de saúde do médio, o jogo iria retomado às 19h30.

“Christian Eriksen está acordado e a sua condição física permanece estável. Ele permanece hospitalizado em Rigshospitalet para exames adicionais. A partida contra a Finlândia será concluída esta noite, após os jogadores terem a confirmação de que Christian está bem”, confirmou a Federação Dinamarquesa de Futebol. “Não sei muito mas soube das boas notícias. Acabei de falar com o pai dele [de Eriksen], que me disse que ele conseguia respirar e falar”, acrescentou Martin Schoots, empresário do médio dinamarquês do Inter.

O encontro começou mesmo à hora prevista, com uma demonstração de grandiosidade que deixou tudo e todos sem palavras como perante aquilo que tinha acontecido duas horas antes. Não houve adversários, não houve duas seleções. Apenas uma equipa. Depois de uma conversa numa roda feita pelos jogadores finlandeses, toda a comitiva nórdica aplaudiu o regresso dos jogadores da Dinamarca. Os mesmos que, uns minutos depois, seriam seus rivais em campo. Se tudo o que se passou foi um choque e uma descarga de sentimentos, o reatamento da partida, com a garantia de que Eriksen estava bem, foi um hino ao melhor que o futebol e a vida podem ter.

Entretanto, e nas horas seguintes, houve duas informações relevantes que provam a gravidade do que se passou em campo e também o alívio que se começou a sentir: por um lado, Simon Kjaer, capitão da equipa nórdica (e que é seu adversário na Serie A, por jogar no AC Milan) foi quem salvou Eriksen, correndo mais de metade do campo depois de perceber o que se tinha passado e evitando que o médio dobrasse a língua ao mesmo tempo que o colocou numa posição lateral como é normal no protocolo dos primeiros socorros; por outro, foi o próprio Eriksen que fez uma chamada por FaceTime para os companheiros a partir do hospital dizendo que estava bem, com a situação controlada e pedindo para que o encontro fosse retomado, como veio a acontecer.

“Para começar, não vou entrar em detalhes, porque ainda não voltei a conversar com o Christian e com a sua família. Só quero falar sobre o que todos viram. Percebemos logo que estava inconsciente. Quando cheguei, ele estava virado de lado, a respirar e conseguia sentir o seu pulso mas do nada isso mudou. Começámos a fazer a massagem cardíaca e, com a ajuda rápida da equipa médica e do resto da equipa, fizemos o que tínhamos de fazer e conseguimos trazer Eriksen de volta. Ele falou comigo antes de ser levado para o hospital para fazer mais exames”, contou após o encontro Morten Boesen, director clínico da seleção da Dinamarca.

“É claro que não se pode jogar com estes sentimentos. É incrível que os jogadores tenham jogado no segundo tempo e fossem a melhor equipa. Não se pode jogar um jogo deste nível e depois de ver um dos melhores amigos lutar pela vida. É uma noite difícil, todos os nossos pensamentos estão com ele e com a família. O Christian é um dos melhores jogadores do mundo mas é ainda melhor como pessoa”, comentou no final do encontro, que acabou com a vitória da Finlândia por 1-0, o selecionador dinamarquês, Kasper Hjulmand. “Foi uma experiência traumática. O Kjaer saiu porque ficou muito afetado, não podia continuar. Entendo-o perfeitamente, eles são muito bons amigos”, acrescentou, ao mesmo tempo que assumiu que colocou os jogadores à vontade para não jogarem se quisessem e contando que no final todos quiseram ligar e falar com as suas famílias.