“Portugal conseguiu qualificar-se para o Campeonato da Europa onde vai surgir como campeão em título e evitar o recurso à calculadora. Mesmo sem uma exibição brilhante, a Seleção Nacional conseguiu vencer o Luxemburgo num relvado difícil e que colocou muitos obstáculos e agarrar o segundo lugar do Grupo B do apuramento que vale a sétima fase final de um Europeu consecutiva. A jogar em casa, a seleção portuguesa quer e pode ter começado o início de outra história bonita”.

As frases, em jeito de conclusão, remontam a 17 de novembro de 2019. Esta terça-feira, um ano e sete meses e um ano mais tarde do que o suposto, Portugal dava o pontapé de saída da tal história bonita. Contra a Hungria, dentro de um exigente Grupo F que também integra França e Alemanha e perante mais de 60 mil adeptos, Portugal estreava-se como nunca na sua própria história: enquanto campeão em título.

Ficha de jogo

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Hungria-Portugal, 0-3

Fase de grupos do Euro 2020

Puskás Arena, em Budapeste (Hungria)

Árbitro: Cuneyt Çakir (Turquia)

Hungria: Gulácsi, Botka, Orbán, Szalai, Lovrencsics, Kleinheisler (Sigér, 78′), Nágy, Schäfer (Négo, 65′), Fiola, Sallai (Schön, 78′), Szalai

Suplentes não utilizados: Dibusz, Bogdán, Lang, Kecskés, Cseri, Varga, Varga, Nikolic, Bolla

Treinador: Marco Rossi

Portugal: Rui Patrício, Nélson Semedo, Rúben Dias, Pepe, Raphael Guerreiro, Danilo Pereira, William Carvalho (Renato Sanches, 81′), Bruno Fernandes (João Moutinho, 89′), Bernardo Silva (Rafa, 71′), Diogo Jota (André Silva, 81′), Cristiano Ronaldo

Suplentes não utilizados: Anthony Lopes, Rui Silva, José Fonte, Rúben Neves, Pedro Gonçalves, João Félix, Sérgio Oliveira, Nuno Mendes

Treinador: Fernando Santos

Golos: Raphael Guerreiro (84′), Cristiano Ronaldo (87′ e 90+2′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Rúben Dias (38′), a Orbán (86′)

Desde o tal jogo contra o Luxemburgo que valeu o apuramento direto para o Euro 2020, aconteceu uma pandemia, passou mais uma temporada, surgiram novos nomes que há um ano não estariam na convocatória e desapareceram outros que em situação normal e sem Covid-19 teriam estado na competição no verão passado. Com Nuno Mendes, Pedro Gonçalves e João Palhinha, sem Mário Rui, Pizzi ou Ricardo Pereira, Portugal chegava ao Europeu itinerante com uma das gerações mais talentosas de sempre, com uma das equipas mais versáteis de sempre e com um objetivo claro: voltar a conquistar o Campeonato da Europa e alcançar um feito que há menos de uma década era absolutamente impensável.

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Tudo isso, mais uma vez, começava esta terça-feira. Depois do imprevisto provocado pelo teste positivo de João Cancelo, que foi substituído por Diogo Dalot, Fernando Santos não surpreendia e lançava um onze teoricamente expectável, fugindo às eventuais surpresas — e que poderá ser repetido nos restantes dois jogos da fase de grupos, contra a Alemanha em Munique e contra França novamente em Budapeste. Raphael Guerreiro era titular na esquerda da defesa, ao contrário do jovem Nuno Mendes, e Danilo começava de início no meio-campo, com Sérgio Oliveira, João Moutinho e Rúben Neves no banco. Nélson Semedo estava naturalmente nas opções iniciais face à ausência de Cancelo, Bruno Fernandes e William eram os eleitos para o setor intermédio e Jota e Bernardo faziam companhia a Ronaldo na frente, com João Félix a começar na condição de suplente. Diogo Dalot, João Palhinha e Gonçalo Guedes ficavam de fora da ficha de jogo, um pormenor que vai acontecer em todas as partidas devido ao alargamento das convocatórias de 23 para 26 jogadores. Do outro lado, também sem surpresas, a dupla ofensiva formada por Szalai e Sallai era o grande destaque da equipa de Marco Rossi.

Perante um Puskás Arena quase lotado, com mais de 60 mil pessoas nas bancadas — cinco mil portugueses, aproximadamente –, as duas equipas atuavam pela primeira vez depois do início da pandemia num estádio com milhares de pessoas. O Euro 2020, para além de ser o primeiro evento de massas na Hungria desde que a Covid-19 se tornou uma realidade mundial, é também o primeiro evento desportivo de larga escala a acontecer no mundo inteiro. E tudo isso, aliado ao já importante facto de este ser um jogo a contar para uma das maiores competições de seleções, não deixava de ser emocionante.

Numa primeira parte que teve um só sentido e onde Rui Patrício fez uma única defesa, Portugal teve mais bola, teve mais oportunidades e jogou quase sempre no meio-campo adversário — mas não conseguiu marcar. O jogo arrancou com uma oportunidade, com Diogo Jota a desenhar uma diagonal perfeita da esquerda para o meio para depois rematar forte mas ver Gulácsi roubar-lhe o golo (5′). Instantes depois, o mesmo Jota antecipou-se à defesa húngara para aproveitar um cruzamento vindo da direita mas o desvio passou por cima da baliza (9′). A Seleção apresentava-se incisiva e pressionante: Danilo era o elemento mais recuado do meio-campo, surgindo logo depois da defesa mas atuando em duplo pivô com William quando a equipa não tinha a bola; Bruno Fernandes tinha muita liberdade e aparecia muitas vezes numa espécie de ’10’, nas costas de Ronaldo, ainda que também trocasse com Bernardo e ocupasse o espaço mais à direita do ataque; e Ronaldo era a referência ofensiva, na faixa central, embora também alternasse algumas vezes com Jota para se encostar mais ao corredor esquerdo.

Nas alas, tanto Nélson Semedo como Raphael Guerreiro eram muitas vezes solicitados para apoiar as incursões ofensivas e ambos os laterais davam largura à equipa, aparecendo junto à linha para tentar cruzar ou encontrar alternativas à entrada da grande área — até porque a Hungria colocava muita gente no corredor central e Portugal demonstrava alguma dificuldade para avançar por aí. Cristiano Ronaldo beneficiou de uma grande oportunidade desenhada por Pepe, que descobriu o capitão português em desmarcação nas costas da defesa adversária, mas não só Gulácsi defendeu o remate como o assistente assinalou posição de fora de jogo (19′). Até à meia-hora, Bernardo foi desarmado na área quando se preparava para rematar, depois de uma importante recuperação em zona alta por parte de Ronaldo (27′), e o mesmo Ronaldo cabeceou ao lado depois de um cruzamento de Bernardo na direita (30′).

Do outro lado, a Hungria não conseguia ter bola e jogava com praticamente toda a equipa no próprio meio-campo, à procura de erros do adversário. Através de uma pressão muito alta, a equipa de Marco Rossi tentava aproveitar as perdas de bola e os passes errados que Portugal cometia na construção — que acabaram por ser alguns — para lançar o contra-ataque. Embora pouco eficaz na transição rápida, até porque Szalai ficava sempre muito sozinho a combater contra Pepe, Rúben Dias e Danilo, era por aí que a Hungria pretendia ferir a Seleção Nacional. A única oportunidade dos húngaros ao longo de toda a primeira parte surgiu precisamente da cabeça do capitão Szalai, para uma defesa atenta de Rui Patrício, na sequência de um livre cobrado na esquerda (37′).

Os últimos cinco minutos antes do intervalo acabaram por trazer as melhores ocasiões de que Portugal beneficiou para abrir o marcador. Jota voltou a permitir a defesa de Gulácsi, ao rodar na grande área depois de uma boa combinação entre Semedo e Bernardo na direita (40′), e Ronaldo falhou de forma inacreditável, com a baliza totalmente deserta pela frente, depois de um cruzamento de Bruno Fernandes na esquerda (43′). Ao intervalo, a Seleção Nacional estava ainda empatada sem golos contra a Hungria e demonstrava-se essencialmente perdulária, já que estava a criar várias situações de perigo quase consecutivas sem as conseguir concretizar. Do outro lado, não deixava de existir a ideia de que os húngaros poderiam aproveitar um qualquer contra-ataque isolado para surpreender Portugal.

Nenhum dos selecionadores mexeu ao intervalo e Portugal passou a atacar para o lado onde estavam os adeptos portugueses. Pepe teve desde logo uma boa oportunidade para marcar, com um cabeceamento que Gulácsi defendeu na sequência de um canto marcado por Bruno Fernandes na direita (47′), e a lógica do primeiro tempo mantinha-se: a Seleção com bola e a construir já dentro do meio-campo adversário, a Hungria à procura do erro para soltar a transição rápida. Ainda assim, com o passar dos minutos, Portugal foi acusando alguma pressão e ansiedade e acumulando erros na hora de sair de jogar, permitindo aos húngaros ter ocasiões como o lance em que Sallai forçou Rui Patrício a uma defesa atenta depois de um remate forte (57′).

Com a passagem da hora de jogo e com o cabeceamento de Pepe a ser ainda a única oportunidade que Portugal havia criado na segunda parte, Fernando Santos mantinha o onze inicial. Do outro lado, Marco Rossi fazia a primeira alteração e trocava Schäfer, um médio criativo, por Négo, um defesa. Logo depois, Bruno Fernandes ficou muito perto de abrir o marcador, com um remate de fora de área que Gulácsi desviou para canto (68′), mas os minutos iam passando sem que a Seleção conseguisse quebrar o nulo que teimava em persistir. A equipa portuguesa demonstrava menos intensidade do que na primeira parte, apesar de ter conseguido superar com relativo sucesso os momentos de maior instabilidade no arranque da segunda, e a Hungria continuava a apostar na entrega e na agressividade para resistir às investidas adversárias.

A 20 minutos do fim, Fernando Santos fez a primeira substituição e trocou Bernardo por Rafa, claramente à procura da velocidade, da frescura e da explosão do jogador do Benfica para surpreender uma defesa húngara que já parecia acomodada ao ataque português. Ainda assim, Rafa tinha dificuldades para romper com a defensiva adversária: o avançado encostou-se à direita, onde tinha estado Bernardo, procurou fazer movimentos no espaço interior e realizar diagonais entre linhas mas tinha pouca bola e poucas oportunidades para desequilibrar. A menos de um quarto de hora do final, Marco Rossi fez uma dupla alteração e Cristiano Ronaldo pediu grande penalidade de Fiola, por mão na bola, mas o VAR não entendeu assim depois de verificar o lance (76′).

Aos 80 minutos, o Puskás Arena explodiu: Schön, acabado de entrar, fugiu à defesa portuguesa na direita, passou por Pepe e atirou cruzado para dentro da baliza, com Rui Patrício a tocar ainda na bola. O lance, que não deixou de ser um enorme aviso para Portugal, foi anulado por fora de jogo do defesa húngaro — num compasso de espera que incluiu uma inacreditavelmente prolongada invasão de campo de um adepto da Hungria, que teve tempo para agarrar o capitão Szalai sem que nenhum segurança entrasse em campo, acabando por ser detido já depois de sair voluntariamente do relvado. Fernando Santos reagiu com as entradas de Renato e André Silva para os lugares de William e Jota e o golo português surgiu logo de seguida, quando os húngaros ainda encaixavam o fora de jogo tirado a Schön. Rafa apareceu na direita, cruzou contra Szalai e a bola sobrou para Raphael Guerreiro, que atirou sem muita força mas beneficiou de um desvio em Orbán para bater Gulácsi pela primeira vez (84′).

Mas ainda havia muita história para se fazer. Até ao fim, Cristiano Ronaldo ainda conseguiu bisar e a Seleção Nacional ampliou a vantagem até chegar a um resultado confortável. Rafa, novamente ele, surgiu isolado na grande área e foi carregado em falta por Orbán; na conversão da grande penalidade, apesar de ter quase um Puskás Arena inteiro a assobiá-lo, o capitão português não hesitou e bateu Gulácsi (87′), tornando-se o primeiro jogador de sempre a marcar em cinco edições do Campeonato da Europa. Já nos descontos, Ronaldo fez uma tabela com Rafa e marcou pela segunda vez depois de driblar Gulácsi (90+2′), estando agora a apenas três golos do recorde de Ali Daei.

Num jogo em que tardou a marcar, ainda apanhou um grande susto mas acabou por conseguir vencer de forma clara, Portugal bateu a Hungria no arranque do Euro 2020 e fica agora à espera do resultado entre Alemanha e França, em Munique, para perceber como estão para já as contas do grupo. Cristiano Ronaldo, que na antevisão assumiu que já não é o jogador que era há cinco anos, no Euro 2016, falhou uma enorme oportunidade na primeira parte que poderia ter tornado o jogo mais simples: mas mostrou tudo o que sabe e tudo o que faz há quase duas décadas nos instantes finais, ao converter um penálti com cerca de 55 mil pessoas a assobiá-lo e a bisar depois de driblar um guarda-redes que tinha passado 90 minutos a defender praticamente tudo. Ele já não é, de facto, o que já foi. Mas então imaginem se fosse.