“Este é um tempo em que é preciso confrontar o Governo PS”. Foi assim que Jerónimo de Sousa abriu as jornadas parlamentares do PCP, as primeiras desde que a pandemia atingiu o país, com foco num “confronto” em particular: o das leis laborais, motivo de desentendimento habitual entre os socialistas e comunistas — e motivo para o PCP carregar nas reivindicações quando se aproximam as negociações para o Orçamento do Estado.
No salão da Casa do Alentejo, em Lisboa, nesta segunda-feira, o líder comunista anunciou o mote, estabeleceu as medidas por que é preciso lutar e fixou o calendário para o fazer. Em nome da necessidade de confrontar o Governo PS, “que multiplica palavras e acenos” mas “continua a colocar-se contra os trabalhadores”, Jerónimo anunciou: “Este é um tempo de luta”.
E que luta é essa? Os objetivos são extensos e os mais imediatos foram enunciados: reduzir o limite máximo do horário semanal de trabalho para as 35 horas para todos os trabalhadores, fixar o direito a 25 (e não 22) dias de férias anuais, reforçar a conversão de contratos precários em contratos efetivos, eliminar o contrato de muito curta duração, acabar com o período experimental de seis meses ou acabar com o despedimento por inadaptação.Tudo medidas necessárias para “impedir as arbitrariedades em curso”, resumiu Jerónimo.
E quando? Já no dia 30 de junho, explicou, quando haverá um plenário no Parlamento que o PCP já reservou para debater — e votar — estes projetos, dando uma resposta “inadiável e central” a um problema, o dos direitos dos trabalhadores, que se agravou com a pandemia.
Mas às promessas mais duras de “confronto” ou de “elevar a luta” e “concretizar medidas” que Jerónimo transmitiu, coloca-se a pergunta de sempre: alguma destas terá o acordo do PS, uma vez que o Trabalho foi a pedra na engrenagem da geringonça? António Costa incluiu inclusivamente algumas promessas sobre legislação laboral na sua moção ao congresso do PS, marcado para 10 e 11 de julho, mas estas são olhadas pelos partidos de esquerda com desconfiança: Costa foca-se na regulação das novas formas de trabalho, nas plataformas digitais e, no máximo, promete regular o trabalho temporário; tanto BE como PCP querem ir mais longe e mudar as leis de fundo que ainda resistem desde o tempo da troika — é o caso de várias das que os comunistas voltam agora a querer alterar.
Até ver, não houve acordo, mas o PCP, ao contrário do BE, não fez o seu voto no último Orçamento do Estado depender disso, por considerar a legislação laboral uma pasta à parte. Resta saber se, com este caderno de encargos a pouco tempo de começarem as negociações orçamentais, as exigências laborais farão ou não parte do pacote.
Governo aplica critérios “cegos” e responsabiliza cidadãos
Não foi a única crítica que os comunistas deixaram ao Governo neste arranque de jornadas. Boa parte da intervenção de Jerónimo focou-se nas “justificadas preocupações” que a pandemia veio trazer, com foco na economia: o PCP tem defendido sempre que confinar não é solução e Jerónimo atribuiu à “manifesta falta de vontade política do Governo minoritário do PS”, “acorrentado nas suas opções e orientações de fundo às teses essenciais da política de direita e em obediência ao primado do défice”, a falta de resposta nos “apoios sociais”, no “apoio ao investimento” ou ao SNS, que poderia ajudar a travar estes combates. Mas “não tem sido este o caminho escolhido pelo Governo”, lamentou Jerónimo.
Daí as críticas aos critérios que o Executivo tem seguido na pandemia: “Prevaleceu” a “utilização das chamadas linhas vermelhas que têm como principal objetivo voltar a confinar o que vai sendo desconfinado”, carregando nas responsabilidades individuais portugueses, atacou. Com um exemplo concreto: na decisão da cerca à Área Metropolitana de Lisboa, e sem ter em conta as melhorias trazidas pela vacinação e a menor gravidade da doença, o Governo tentou “iludir a ausência ou insuficiência das medidas que se impõem”.
Minutos antes, também João Oliveira, líder parlamentar dos comunistas, tinha carregado sobre esta questão: “Mais do que revisitar quinzenalmente o menu de restrições a aplicar em função de parâmetros cegos que nada dizem da realidade que se vive em cada um dos 308 concelhos do território nacional, o Governo devia concentrar esforços, meios e recursos no objetivo de criar todas as condições para que, em segurança, a vida nacional possa ser retomada”. Ou seja: aposta nos testes, no rastreio e das vacinas; menos foco no confinamento e em medidas restritivas.
Agenda dedicada à corrupção
Entretanto, o programa das jornadas será dedicado também a outro dos dossiês que tem agitado a política e o Parlamento: as medidas de combate à corrupção, que os partidos voltaram a prometer quando o caso de José Sócrates voltou à ordem do dia.
A ideia, insistiu Jerónimo, é que os que “enchem o espaço público mediático com eloquentes dissertações sobre justiça” acompanhem as iniciativas do PCP para, por exemplo, criminalizar o enriquecimento injustificado; por isso mesmo, o dia seguirá com encontros com a direção do Departamento Central de Investigação e Ação Penal e da Polícia Judiciária.