Pouco importa, pouco importa,
Se jogamos bem ou mal.
Vamos é levar a taça,
Para o nosso Portugal.

A simples quadra, a rimar, foi um dos hinos da Seleção Nacional durante o Euro 2016. A ideia era simples: Portugal empatou três vezes nas três partidas da fase de grupos, eliminou a Croácia no prolongamento e a Polónia nas grandes penalidades mas, independentemente disso, iria acabar por conquistar o Campeonato da Europa. Esta quarta-feira, nas ruas de Budapeste e na antecâmara do decisivo encontro contra França, os quatro simples versos voltaram a ser o hino da Seleção Nacional.

Ficha de jogo

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Portugal-França, 2-2

Fase de grupos do Euro 2020

Puskás Arena, em Budapeste (Lisboa)

Árbitro: Antonio Mateu Lahoz (Espanha)

Portugal: Rui Patrício, Nélson Semedo (Diogo Dalot, 79′), Pepe, Rúben Dias, Raphael Guerreiro, Danilo (João Palhinha, 45′), João Moutinho (Rúben Neves, 72′), Renato Sanches (Sérgio Oliveira, 87′), Bernardo Silva (Bruno Fernandes, 72′), Cristiano Ronaldo, Diogo Jota

Suplentes não utilizados: Anthony Lopes, Rui Silva, José Fonte, William Carvalho, Rafa, João Félix, André Silva

Treinador: Fernando Santos

França: Lloris, Koundé, Varane, Kimpembe, Lucas Hernández (Digne, 45′, Rabiot, 52′), Pogba, Kanté, Tolisso (Coman, 66′), Griezmann (Sissoko, 86′), Mbappé, Benzema

Suplentes não utilizados: Mandanda, Maignan, Pavard, Lenglet, Lemar, Zouma, Ben Yedder, Giroud

Treinador: Didier Deschamps

Golos: Cristiano Ronaldo (gp, 30′ e gp, 60′), Benzema (gp, 45+2′ e 47′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Lloris (29′), a Lucas Hernández (36′), a Griezmann (39′), a Kimpembe (83′)

O contingente português, composto por cerca de seis mil adeptos, marcou encontro através das redes sociais. Durante a hora de almoço, na praça que fica junto à Basílica de São Estevão, bem no centro de Budapeste, centenas de portugueses foram chegando — para almoçar, para beber algumas cervejas ou simplesmente para esperar pela vaga de fundo que acabaria por conduzir a multidão para o Puskás Arena. Entre a tal quadra, cânticos a invocar Éder ou os tradicionais “Portugal, Portugal”, os adeptos portugueses foram iniciando a festa a mais de quatro horas do apito inicial.

No meio das esplanadas e debaixo dos bem mais de 30 graus que se faziam sentir na capital da Hungria, foram aparecendo as mascotes oficiais da Seleção, alguns adeptos franceses que eram desde logo recebidos com os tais cânticos e também Fernando Madureira, o líder dos Super Dragões e responsável pela coordenação da claque de Portugal durante as grandes competições internacionais. À chegada ao estádio, a mancha azul alargava-se e era notório que estavam presentes mais adeptos franceses do que portugueses — cerca de mais dois mil, segundo as contas da Federação Portuguesa de Futebol. No recinto à volta do Puskás Arena, destacavam-se as camisolas da duas seleções: mas quando essas escasseavam, os franceses optavam pelo número 7 de Mbappé no PSG ou de Griezmann no Barcelona, enquanto que os portugueses escolhiam as camisolas de Ronaldo na Juventus ou no Real Madrid ou apostavam nos clubes nacionais, entre t-shirts do Sporting, do Benfica, do Sp. Braga e até do V. Setúbal.

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As contas, dentro de campo, acabavam por ser simples. Portugal estava apurado para os oitavos de final se ganhasse, estava apurado se empatasse e estava até apurado se perdesse por três golos ou menos — caso, neste último cenário, a Hungria não vencesse a Alemanha em Munique. Contra uma França já qualificada e depois da derrota pesada contra os alemães, Fernando Santos decidiu fazer duas alterações ao onze inicial: saíram William Carvalho e Bruno Fernandes, entraram Renato Sanches e João Moutinho. A Seleção atuava novamente em 4x3x3, com Ronaldo ao centro, Jota a cair na esquerda e Bernardo na direita, e na bancada ficavam o lesionado Nuno Mendes, Pedro Gonçalves e ainda Gonçalo Guedes. Do outro lado, Didier Deschamps trocava Pavard e Rabiot por Koundé e Tolisso, voltava a apostar em Lucas Hernández na esquerda da defesa depois de ter lançado Digne contra a Alemanha e mantinha o trio ofensivo composto por Griezmann, Mbappé e Benzema.

Cinco anos depois da final do Euro 2016, disputada em Paris mas que acabou com a Seleção a sorrir, Portugal e França voltavam a defrontar-se num Campeonato da Europa — mas, desta feita, na última partida da fase de grupos e no dia em se decidiam as contas finais. Os três minutos iniciais deixaram desde logo entender o que é que tinha mudado na equipa portuguesa: Renato Sanches recebeu a bola na zona do meio-campo e abriu de imediato na direita, com um passe longo que a abriu a defesa francesa e descobriu Bernardo no corredor. O movimento, ainda que simples, foi algo que William praticamente não conseguiu fazer contra a Hungria e contra a Alemanha — e foi também a ponta do icebergue da exibição que Renato acabaria por realizar ao longo da primeira parte.

A Seleção Nacional atuava então com Renato mais próximo de Danilo, chegado à esquerda, e com Moutinho numa zona mais adiantada do meio-campo, ainda que tombado na direita. O primeiro quarto de hora teve mais posse de bola por parte de França, principalmente graças à dupla formada por Pogba e Kanté, que construíam desde trás e procuravam depois soltar a mobilidade dos três da frente. A jogada era quase sempre a mesma: bola na esquerda em Mbappé, combinação com o meio-campo ou com o lado direito e novo cruzamento para que o avançado do PSG pudesse aparecer ao segundo poste ou nas costas dos centrais. Quase resultou, graças a um passe delicioso de Pogba que rasgou por completo a defesa portuguesa, mas Rui Patrício respondeu com uma grande defesa ao remate de Mbappé (16′). À exceção desse momento, a verdade é que Portugal conseguiu, de forma generalizada, antecipar e parar o ataque francês. Em comparação com o jogo contra a Alemanha, algo desastroso defensivamente, a equipa de Fernando Santos atuava com uma teórica linha de seis quando não tinha bola, já que Bernardo e Jota recuavam muito para apoiar Semedo e Guerreiro, e Danilo funcionava enquanto último tampão antes dos centrais. A atacar, a Seleção privilegiava o corredor direito, até para obrigar Mbappé a descer no terreno.

Antes da enorme oportunidade de Mbappé, porém, a Puskás Arena já tinha tremido. Quando o relógio marcava cerca de 10 minutos de jogo, os adeptos húngaros que estavam a assistir ao encontro entre Portugal e França celebraram o golo de Ádam Szalai, que em Munique colocou a Hungria a vencer a Alemanha — ou seja, que virtualmente colocou a Hungria nos oitavos de final e a Alemanha de fora do Euro 2020. Em Budapeste, Cristiano Ronaldo ainda rematou muito ao lado depois de uma perda de bola de Varane (20′) mas o golo estava guardado para outro momento. Moutinho bateu um livre descaído na direita e Lloris, ao tentar afastar a bola, acertou em cheio em Danilo; na conversão da grande penalidade, Ronaldo não falhou, marcou pela quarta vez neste Europeu e colocou-se a apenas um golo do recorde de Ali Daei (30′).

A Seleção Nacional reagiu muito bem à vantagem e foi conseguindo gerir um ligeiro ascendente francês, já que a equipa de Didier Deschamps tinha mais bola mas pouco conseguia fazer com ela. Moutinho ainda teve duas ocasiões para aumentar os números no marcador, com dois remates ao lado (34′ e 41′), mas França acabaria por conseguir empatar também de grande penalidade e nos últimos instantes do primeiro tempo. Numa nova repetição da jogada standard, Pogba voltou a tentar soltar a velocidade de Mbappé com um passe em desmarcação e o árbitro da partida acabou por entender que Nélson Semedo fez falta sobre o avançado, assinalando penálti. Na conversão, Benzema respondeu ao antigo colega de equipa e também não falhou (45+2′), marcando pela seleção francesa pela primeira vez desde 2015.

Com a Alemanha a perder em Munique com a Hungria e a empatar em Budapeste contra França, Portugal foi para o intervalo no segundo lugar do Grupo F e apurado para os oitavos de final. O destaque, de forma notória, ia sendo Renato Sanches: o médio do Lille apresentou-se numa forma assinalável durante o primeiro tempo, tal como já havia feito nos minutos que disputou contra a Hungria e contra a Alemanha, e foi instrumental tanto no momento defensivo como nas tarefas mais ofensivas.

Ao intervalo, ambos os selecionadores mexeram: Fernando Santos tirou Danilo, que chegou a ser assistido depois do lance com Lloris, e lançou João Palhinha, enquanto que Didier Deschamps trocou Lucas Hernández, que já tinha um cartão amarelo, por Digne. A segunda parte, porém, não poderia ter começado de pior forma para a Seleção Nacional. Quando as equipas estavam ainda a encaixar novamente e a posicionar-se de acordo com os objetivos do segundo tempo, Pogba soltou mais um passe vertical à procura das costas da defesa portuguesa e Benzema apareceu isolado a rematar cruzado para voltar a bater Rui Patrício (47′). O golo começou por ser anulado, por alegado fora de jogo do avançado do Real Madrid, mas acabou por ser validado depois da intervenção do VAR. E de repente, a perder em Budapeste e com a Hungria a ganhar em Munique, Portugal estava virtualmente eliminado do Euro 2020.

Logo depois, França acabou por sofrer um ligeiro golpe de azar — Digne, que tinha entrado ao intervalo, sofreu uma lesão muscular e teve de ser substituído por Rabiot. Antes, Cristiano Ronaldo já tinha procurado responder à desvantagem com um cabeceamento ao lado na sequência de um cruzamento de Raphael Guerreiro (49′). O momento histórico, contudo, estava novamente reservado para um pouco mais tarde. O capitão da Seleção Nacional apareceu na esquerda, começou por cruzar contra Koundé e na insistência o defesa do Sevilha acabou por intercetar a bola com a mão, provocando a terceira grande penalidade da partida. Na conversão, novamente, Ronaldo não falhou, colocou Portugal de regresso ao Europeu e igualou Ali Daei enquanto melhor marcador de sempre em seleções, com 109 golos (60′).

Num jogo que foi sempre disputado com atenção ao outro que estava a acontecer em Munique, até porque os adeptos húngaros não permitiam que assim não fosse, o Puskás Arena voltou a explodir. A Alemanha empatou, por intermédio de Kai Havertz, mas Schäfer respondeu logo de seguida e colocou a Hungria novamente nos oitavos de final do Euro 2020. De volta a Budapeste, Rui Patrício ia segurando Portugal com uma enorme defesa a um remate de fora de área de Pogba (67′) e depois outra à recarga de Griezmann e Deschamps trocava Tolisso por Coman. A cerca de 20 minutos do fim, e logo depois de João Palhinha atirar de longe e ao lado da baliza de Lloris (71′), Fernando Santos voltou a mexer e tirou Bernardo e Moutinho para lançar Bruno Fernandes e Rúben Neves, procurando refrescar o meio-campo e também dar outra clarividência à primeira fase de construção. Até porque, nesta altura, as contas podiam ser cruéis: a manutenção do resultado em Munique e um eventual terceiro golo francês eliminavam Portugal.

Nesta altura, Nélson Semedo acabou por acusar o cansaço e não conseguiu recuperar de um aparente esforço muscular, sendo substituído por Diogo Dalot — que fez a estreia absoluta pela Seleção Nacional. Os últimos minutos acabaram por ser disputados sem a mesma intensidade, já que ambas as equipas estavam virtualmente apuradas para os oitavos de final e, em Munique, a Alemanha empatou frente à Hungria. França teve mais bola, com Portugal a adiantar-se principalmente em situações de transição rápida ou recuperações de posse em zona elevada, mas já pouco mais aconteceu à exceção da enorme ovação dos adeptos portugueses a Renato Sanches, que foi substituído por Sérgio Oliveira nos derradeiros instantes da partida.

Portugal empatou com França, assim como a Alemanha empatou com a Hungria, e qualificou-se através do terceiro lugar do Grupo F — ou seja, vai defrontar a Bélgica no próximo domingo, em Sevilha. Numa noite emocionante, até pelas alterações na classificação que chegaram a colocar as seleções portuguesa e alemã de fora do Euro 2020, Cristiano Ronaldo deu mais um passo rumo a um horizonte onde não está mais ninguém se não ele. Marcou duas vezes, chegou aos cinco golos em três jogos no Europeu, igualou o iraniano Ali Daei e tornou-se, numa noite muito quente em Budapeste, o melhor marcador de sempre em seleções nacionais. Tudo isto que vemos há praticamente 20 anos, senhoras e senhores, só tem um nome: história.