O projeto de lei do Chega sobre enriquecimento ilícito ou injustificado foi esta quarta-feira chumbado, com abstenções do PAN e da deputada não inscrita Cristina Rodrigues, o voto favorável apenas do proponente e contra de todos os restantes.

O Chega fez um agendamento potestativo do seu projeto de lei para esta quarta-feira e pediu a sua votação, dois dias antes de, à boleia de quatro iniciativas do Governo contra a corrupção, os restantes partidos com assento parlamentar discutirem cerca de duas dezenas de diplomas na área da Justiça, um debate marcado para o plenário da Assembleia da República de sexta-feira.

O projeto de lei do Chega que pretendia alterar o Código Penal, “definindo o crime de enriquecimento ilícito ou injustificado, clarificando os seus pressupostos objetivos e subjetivos de aplicação, bem como a moldura penal aplicável, distinguindo ainda consoante o agente seja ou não titular de cargo político” foi chumbado com os votos contra de PS, PSD, BE, PCP, CDS-PP, PEV, Iniciativa Liberal e Joacine Katar Moreira, com críticas de inconstitucionalidade. O único voto a favor foi o do deputado único do Chega, André Ventura, tendo o PAN e a deputada não inscrita Cristina Rodrigues optado pela abstenção.

Precisamente Cristina Rodrigues arrastou para o debate marcado pelo Chega o seu projeto de lei que pretendia criar o crime de ocultação de riqueza para prevenir a corrupção, mas acabou por pedir a baixa da iniciativa à comissão da especialidade sem votação, o que foi aprovado.

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Na intervenção inicial, André Ventura considerou que o enriquecimento ilícito se tornou “numa mancha imensa sobre a sociedade“, dando o exemplo do antigo primeiro-ministro socialista José Sócrates, defendendo que o parlamento esta quarta-feira tinha “uma oportunidade única” para “finalmente criminalizar enriquecimento ilícito”.

“Esta é uma proposta em muito semelhante ao que de melhor se faz nos países europeus próximos de nós e hoje podemos escolher: ou dar o passo ou voltar a acobardar-nos como sempre”, desafiou, qualificando a sua iniciativa como equilibrada.

O presidente do Chega aproveitou ainda para criticar a estratégia do Governo para o combate à corrupção, lamentando que o enriquecimento ilícito fique “fora da equação”, o que “é dar tapete vermelho, via verde e via aberta à corrupção em Portugal”.

Para Cristina Rodrigues, “os titulares de cargos políticos têm uma responsabilidade acrescida no que diz respeito à transparência dos seus rendimentos”. “Não só devem declará-los, como devem justificá-los e por fim devem ser punidos em caso de ocultação intencional de riqueza”, defendeu durante a sua intervenção inicial.

Chega acusado de fazer “truque” em debate

O Chega foi acusado de fazer “um truque” com o agendamento do debate sobre enriquecimento injustificado quando o tema volta ao parlamento na sexta-feira, tendo André Ventura falado em falta de interesse para avançar.

No debate, o deputado do BE José Manuel Pureza lembrou que para sexta-feira está marcado um debate com cerca de duas dezenas de propostas sobre combate à corrupção, que “o Chega sabia desse agendamento e, em vez de por a sua proposta em disputa com todas a outras, fez um truque, marcando para hoje (quarta-feira) o que vai ser discutido na sexta-feira”, acusando o partido de “malabarismo parlamentar, truque regimental, jogo político”, de ser “do pior que o sistema tem” e de ter apresentado uma proposta com “evidentes e grosseiras inconstitucionalidades”.

Os deputados do BE estiveram esta quarta-feira em plenário usando máscaras e autocolantes com as cores da bandeira LGBTQI, para repudiar a decisão do Governo de não assinar a carta contra a lei aprovada na Hungria que discrimina estes cidadãos.

Entretanto, numa nota enviada à Lusa, fonte do MNE disse que face ao requerimento assinado pelos deputados da JSD, questionando se o Governo pretende assinar em 1 de julho a declaração que condena as limitações impostas pela Hungria aos direitos sexuais, a resposta é: “Naturalmente que sim”.

“Dizer que se trata apenas de um fingimento sobre o combate ao enriquecimento injustificado porque quem quer verdadeiramente combater o enriquecimento injustificado não apresenta uma proposta inconstitucional como a que apresenta o senhor deputado do Chega, e se o objetivo do senhor deputado do Chega era falar sozinho sobre enriquecimento injustificado por nós ficará a falar sozinho”, afirmou o líder parlamentar do PCP, João Oliveira, na sua curta intervenção.

Para a deputada Cláudia Santos, do PS, o projeto de lei do Chega “viola a presunção de inocência e também o princípio da legalidade criminal” e não trouxe “resposta nenhuma”.

Mais à frente no debate, o deputado Jorge Lacão, também do PS, considerou que “a pior coisa que se pode fazer é pretender levar os outros a bater com a cabeça na parede em relação a uma impossibilidade constitucional” e que foi isso que André Ventura “veio convidar a que se fizesse: que os outros batessem com a cabeça na parede em relação a algo que sabem que não é possível”.

Carlos Peixoto, do PSD, não se referiu especificamente ao projeto de lei do Chega e defendeu que se há partido que tem lutado “pela criminalização da ocultação de património é o PSD”, pelo que se apresentou a este debate com “enorme autoridade” e com um projeto “prudente e cauteloso”.

Também alegando que a proposta do Chega é inconstitucional, Nelson Silva, do PAN, afirmou que esse diploma e outro do PCP que está agendado para sexta-feira são “um mero número populista para eleitor ver e que não quer realmente resolver este grave problema do país”.

Para o PEV, André Ventura fez “o número” do “costume” e a sua intenção “não é criminalizar o enriquecimento ilícito, não é o combate à corrupção”, alegando que “se assim fosse não apresentava uma proposta com morte anunciada”.

Posição contrária teve o CDS-PP e, apontando que o Chega fez um “número de afirmação política” o “contra número foi pior ainda”, defendendo que “não vale a pena fazer um filme à volta disso” e que “a diabolização da proposta não faz qualquer sentido”.

O líder parlamentar centrista assinalou que, além do Chega, também o PS “queria antecipar” este debate mas “entretanto desistiu, e bem, mas a intenção era a mesma”.

“Não venham dizer que o Chega usou um truque” porque “já estava há muito anunciado e não há ninguém nesta câmara que não soubesse que o Chega iria discutir o enriquecimento ilícito neste dia”, respondeu o presidente do Chega.

André Ventura acusou os restantes partidos de não terem “nenhum interesse em combater o enriquecimento injustificado” e defendeu que se deve insistir naquilo em que se acredita, “mesmo que seja inconstitucional”.